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Uber e 99 Moto: Com nova lei, prefeitos não podem mais se omitir diante da proibição ou regulamentação do transporte de passageiros com motos em São Paulo

São Paulo parte na frente e sanciona lei que obriga prefeitos a proibir ou regulamentar serviço de transporte de passageiros com motos

Por Roberta Soares Publicado em 25/06/2025 às 15:36

São Paulo deu mais um passo significativo na tentativa de colocar o mínimo de ordem na bagunça institucionalizada e na ausência de regras dos aplicativos de transporte de passageiros com motos, os populares Uber e 99 Moto ou mototáxi. E, mais uma vez, poderá funcionar como um projeto-piloto para todo o País, onde o serviço está presente em quase 4 mil cidades.

Em meio a uma intensa batalha judicial e um debate acalorado, o governador Tarcísio de Freitas sancionou a Lei 18.156, que confere às prefeituras do estado a autonomia para vetar ou regulamentar o serviço. A legislação, aprovada pela Assembleia Legislativa (Alesp), foi promulgada no dia 23 de junho de 2025 e publicada no Diário Oficial do estado nesta terça-feira (24/6).

Esta nova lei, que deverá passar por revisão a cada cinco anos, surge em um cenário de impasse jurídico prolongado, especialmente na capital paulista, onde a Prefeitura de São Paulo e as plataformas de aplicativos - Uber e 99 - travam uma disputa na Justiça sobre a permissão do serviço.

Segundo a nova legislação, o transporte por motocicletas, normalmente intermediado por aplicativos, deverá atender a requisitos específicos definidos pelas prefeituras. Entre as exigências estão a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) categoria A, com indicação de atividade remunerada (EAR); apresentação de certidão negativa de antecedentes criminais; inscrição do motociclista como contribuinte individual no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS); e contratação obrigatória de seguro de acidentes pessoais para proteger os passageiros.

A Lei nº 18.156/2025 também prevê a cobrança de tributos municipais pela prestação do serviço e estabelece a aplicação de multas em casos de descumprimento. "A exploração do transporte individual remunerado sem cumprir os requisitos estabelecidos nesta lei e nas regulamentações municipais será considerada atividade ilegal", reforça o texto da nova norma, que deverá passar por revisão a cada cinco anos.

A nova legislação foi proposta pelos deputados Fábio Faria de Sá (Podemos), André Bueno (PL), Rogério Santos (MDB), Itamar Borges (MDB) e Carla Morando (PSDB). Ao defender a medida, Faria de Sá destacou que a iniciativa corrige uma falha da legislação federal. "Na mobilidade urbana, este projeto é uma novidade e uma correção para a legislação federal dos aplicativos, que não fala sobre a categoria das motos. Nosso projeto de lei fala justamente sobre isso", enfatizou o deputado.

NOVA LEGISLAÇÃO FORÇA MUNICÍPIOS A AGIR

WERTHER SANTANA/AE
Esse é mais um recorte da série de reportagens Transporte por moto: O Brasil precisa enfrentar, que a Coluna Mobilidade do JC está apresentando para discutir a necessidade de o Brasil enfrentar a criação de regras para o transporte de passageiros com motos. - WERTHER SANTANA/AE

A essência da Lei 18.156 é a descentralização da decisão sobre o Uber e o 99 Moto, transferindo para os municípios a prerrogativa de autorizar ou proibir o serviço. Segundo o texto legal, "É facultada aos municípios, observados o interesse local e as peculiaridades de cada um, a regulamentação do serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros por motocicleta". Isso significa que, se autorizado, o transporte por motocicletas – frequentemente intermediado por aplicativos – deverá atender a requisitos específicos definidos por cada prefeitura.

PREFEITURA DE SÃO PAULO VAI MANTER PROIBIÇÃO

Apesar da nova lei estadual que confere autonomia, a Prefeitura de São Paulo já se posicionou. Por meio de nota, a administração municipal informou que o transporte remunerado de passageiros por motocicletas seguirá proibido na capital paulista, utilizando o Decreto Municipal nº 62.144/2023 para embasar a decisão. A prefeitura entende que a lei sancionada pelo governo de São Paulo "chancela o caminho tomado pela prefeitura" no sentido de proibir o serviço na cidade.

O prefeito Ricardo Nunes reforçou que a decisão se baseia na preocupação com a segurança e o risco de sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo o CTB e a ABNT), que resultaram em mortes de passageiros. A prefeitura argumenta que o mototáxi "se prova perigoso" e que a proibição visa salvar vidas. Para embasar sua posição, a prefeitura paulistana divulgou dados alarmantes: somente em 2024, a cidade gastou cerca de R$ 35 milhões em cuidados ao trauma com pacientes vítimas de quedas e colisões de motos, com 4.084 internações hospitalares na rede municipal de saúde. De 1º de janeiro a 9 de junho de 2025, foram registradas 6.209 ocorrências por sinsitros envolvendo motocicletas.

A disputa judicial entre a capital e as plataformas de aplicativos já resultou em suspensões do serviço. Em maio, a Justiça de São Paulo voltou a suspender o transporte oferecido por aplicativos como Uber e 99 na capital paulista. As empresas podem ser multadas em R$ 30 mil por dia caso descumpram a decisão. A Polícia Civil, inclusive, instaurou inquérito para apurar crime de desobediência por plataformas que continuaram ofertando o serviço mesmo após suspensão anterior.

PLATAFORMAS AFIRMAM QUE LEI É INCONSTITUCIONAL E GERA INSEGURANÇA JURÍDICA

A nova lei não foi bem recebida pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), entidade que representa empresas como Uber e 99. A Amobitec declarou que a sanção da Lei nº 18.156/2025 é inconstitucional e representa um "grave retrocesso" para a mobilidade, a geração de renda e a segurança jurídica em todo o estado.

A associação argumenta que a medida cria insegurança jurídica e afeta diretamente milhões de trabalhadores e usuários em São Paulo. Enquanto o modal está ativo em mais de 500 municípios paulistas e já foi utilizado por mais de 9 milhões de usuários (sendo 5 milhões na região metropolitana de São Paulo), a proibição na capital e a autonomia municipal geram incerteza.

A Amobitec sustenta que, ao delegar aos municípios a prerrogativa de autorizar – ou, na prática, proibir – o transporte por aplicativo com motos, a lei viola frontalmente a Constituição Federal. A associação cita dois artigos principais: o Art. 1º, IV, que garante a livre iniciativa, e o Art. 22, XI, que reserva à União a competência exclusiva para legislar sobre trânsito e transporte. A Amobitec também criticou a aprovação do projeto na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) "sem debate qualificado e num tempo fora do usual", passando por cima do debate de meses na Câmara Municipal.

Diante deste cenário, a Amobitec informou que avaliará todas as medidas judiciais cabíveis para defender o direito ao trabalho, à mobilidade e à inovação no estado de São Paulo.

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