Mobilidade | Notícia

Transporte por moto: A pesada e perigosa rotina dos motoqueiros de aplicativo

Longe da imagem de praticidade e agilidade vendida pelas plataformas, a realidade dos motoapps é marcada por uma rotina de perigos e desconforto

Por Roberta Soares Publicado em 19/06/2025 às 8:00

Longe da promessa de agilidade e praticidade vendida pelas plataformas, a realidade dos milhares de motoqueiros que hoje atuam no transporte de passageiros por plataformas como Uber Moto e 99 Moto é uma rotina pesada e perigosa, marcada por riscos constantes e a exaustão do trânsito caótico das grandes cidades. Para esses profissionais, cada corrida é uma aposta na própria vida, com um susto atrás do outro e a percepção de risco iminente. Além do sentimento de desproteção peculiar aos profissionais das bigtechs.

A rotina pesada desses trabalhadores não se resume apenas aos perigos iminentes do tráfego. Horas ininterruptas sobre duas rodas, sob sol escaldante ou chuva, sem conforto, cobram um alto preço físico, resultando em dores nas costas, braços e pernas, além da exaustão mental de estar permanentemente em alerta guiando uma moto - um veículo perigoso por essência. Só quem vivencia a situação na prática sabe.

"Chego em casa moído. Não tem posição que ajude a aliviar o cansaço. E a gente ainda tem que estar atento o tempo todo. Conduzo moto desde os meus 18 anos e sou motorista profissional de automóvel, o que me ajuda muito nesse trabalho. Mas vejo cada coisa nas ruas que me assustam", conta José Antônio da Silva, 36 anos, que roda como motoapp no Recife para complementar a renda de motorista profissional.

ENSINANDO AO PASSAGEIRO QUE, NA MOTO, ELE PRECISA SER CO-PILOTO

PAULO LIEBERT
O JC está discutindo a necessidade de o País enfrentar a criação de regras para o transporte de passageiros com motos na série de reportagens Transporte por moto: O Brasil precisa enfrentar - PAULO LIEBERT

A interação com passageiros também pode adicionar riscos. José Antônio relata a necessidade de, muitas vezes, ter que virar um instrutor de pilotagem no meio da corrida, devido à falta de familiaridade dos usuários com a dinâmica da moto, que pode levar a desequilíbrios ou ações imprudentes, como tentar pegar o celular em movimento, colocando em risco a segurança de ambos.

A falta de noção espacial do passageiro, a forma como se agarra ao piloto ou a bagagem inadequada são fatores que frequentemente geram situações de risco desnecessário. “Além da falta de experiência de andar na garupa, é comum os passageiros não terem noção do que é permitido transportar numa moto. Objetos muito grandes e muitas sacolas também não são permitidos. E ficar solto, mexendo no celular também. São atitudes que podem derrubar os dois”, analisa o motoqueiro.

Para os Uber e 99 Moto, os sinistros de trânsito (não é mais acidentenão de trânsito que se define, segundo o CTB e a ABNT) não são uma eventualidade, mas uma preocupação constante. A natureza do veículo e a exposição no trânsito urbano os tornam vulneráveis a diversos tipos de ocorrências. E, como esperado, na visão da categoria, muitas das colisões são provocadas por motoristas de carros que não sinalizam corretamente as mudanças de faixa ou não percebem a presença da moto no ponto cego.

"É impressionante como a gente é invisível para alguns motoristas", lamenta José Carlos da Silva, que roda como motoapp há pouco mais de um ano na Região Metropolitana do Recife. Fazia entrega de mercadorias e passou a transportar passageiros.

Diante desse cenário, a necessidade de uma regulamentação é destacada por muitos motoqueiros. Eles buscam por condições de trabalho mais seguras, um piso mínimo de ganhos e, principalmente, amparo em caso de sinistros. Contudo, há um temor generalizado de que novas regras possam se traduzir em mais taxas e custos, inviabilizando a profissão. "A gente quer a regulamentação, sim. É fundamental para a nossa segurança, para ter direitos. Mas não pode ser algo que venha com mais taxas, mais custos para a gente. Já trabalhamos no limite", pondera José Carlos da Silva.

FELIPE RAU
Rotina de quedas e colisões no trânsito assusta categoria, mas necessidade fala mais alto e leva motoqueiros a correr riscos - FELIPE RAU
PAULO LIEBERT
Rotina de quedas e colisões no trânsito assusta categoria, mas necessidade fala mais alto e leva motoqueiros a correr riscos - PAULO LIEBERT

A demanda é clara: um equilíbrio entre a segurança necessária e a viabilidade econômica do trabalho. Entre as propostas frequentemente discutidas para uma regulamentação efetiva, destacam-se:

1) Seguro obrigatório mais abrangente: No País que não tem mais DPVAT, os motoqueiros pedem por um seguro específico que cubra despesas médicas, perda de renda e invalidez permanente em caso de sinistro. A ideia é que esse custo seja compartilhado entre as plataformas e os profissionais, ou subsidiado de alguma forma para não onerar demais o condutor. (As plataformas começaram a oferecer e, principalmente, divulgar em seus sites, a cobertura de seguros);

2) Definição de jornada de trabalho e descanso: Muitos motoqueiros trabalham exaustivamente para alcançar metas de ganho, aumentando o risco de sinistros por fadiga. Uma regulamentação poderia estabelecer limites para a jornada de trabalho e períodos de descanso obrigatórios, visando a segurança do profissional e do passageiro;

3) Critérios mínimos para veículos e condutores: A definição de padrões para a manutenção das motos e para a experiência dos condutores, com a exigência de cursos de pilotagem defensiva ou reciclagem periódica para elevar o nível de segurança do serviço. No entanto, a preocupação é que essas exigências não se tornem barreiras intransponíveis para quem já atua;

4) Remuneração justa e transparente: Os motoqueiros buscam por uma estrutura de remuneração mais clara e justa, que considere os custos de manutenção da moto, combustível, impostos e o tempo de trabalho efetivo, garantindo um piso mínimo que permita a sustentabilidade da profissão sem a necessidade de jornadas extenuantes;

5) Amparo em caso de doença ou inatividade: A falta de benefícios previdenciários e assistenciais é uma grande preocupação. A regulamentação poderia prever formas de contribuição ou seguro que garantam um amparo financeiro em situações de doença ou impossibilidade de trabalhar.

Compartilhe

Tags