Transporte por moto: O futuro interrompido sobre duas rodas
A história de um ex-motoqueiro de aplicativo de transporte com motos que teve a perna amputada em colisão de motocicleta e luta para retormar a vida

Wendson Brito Sales de Souza, 29 anos, morador de Paulista, município do Grande Recife, teve sua vida radicalmente alterada por um sinistro de trânsito violento em julho de 2023. Ex-condutor de aplicativos de transporte - tendo rodado tanto de carro como de moto - ele enfrentou um longo e doloroso processo de recuperação que resultou na amputação de uma perna e expôs a fragilidade do suporte oferecido aos trabalhadores informais de plataformas.
Wendson Brito começou a trabalhar com aplicativos em 2018, inicialmente rodando de carro. Após um período atuando como técnico em energia solar, retornou ao trabalho autônomo em 2022, optando por rodar como Uber Moto. Sua rotina era intensa: saía de casa às 6h da manhã e só voltava às 18h, rodando todos os dias e parando apenas para almoçar, dependendo do movimento. Ele já dirigia moto desde os 18 anos e nunca havia se envolvido em sinistros de trânsito antes.
A trágica colisão aconteceu no dia 24 de julho de 2023. Naquele dia, Wendson havia rodado pela manhã com Uber Moto, mas o sinistro aconteceu enquanto ele estava "fora do uso" da plataforma, fazendo uma entrega particular a pedido de um amigo de seu pai, após ter voltado para descansar em casa. O sinistro aconteceu na pista local da BR-101, em Paulista, município da Região Metropolitana do Recife.
Segundo conta Wendson, ele foi uma vítima da situação e pagou caro por estar num veículo que é predominantemente inseguro. “Um carro que estava na minha frente freou, e um motorista de caminhão, ao puxar para o lado, não me viu e colidiu lateralmente contra a moto”, relembra. Wendson apagou naquele momento e só voltou à consciência 14 dias depois.
A LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA E RECUPERAÇÃO
O impacto foi devastador. Wendson não morreu porque estava usando corretamente o capacete - fez questão de destacar esse detalhe durante a entrevista. E, mesmo assim, ainda sofreu um traumatismo craniano leve. Permaneceu internado por quase três meses, dos quais 14 em coma induzido, totalizando mais de 50 dias na UTI.
A fratura exposta na perna direita resultou na amputação do membro. A amputação foi transfemural, também conhecida como amputação da coxa, o que significa a remoção de parte do membro inferior acima da articulação do joelho, na região do fêmur. É uma amputação que afeta a mobilidade e requer uma prótese especial para restaurar a função do joelho e da perna.
Wendson também teve uma fratura interna no braço direito. Além dos ferimentos iniciais, desenvolveu focos hemorrágicos, pneumonia e derrame pleural. Gravemente ferido, foi socorrido por uma médica residente do Hospital Miguel Arraes, em Paulista, que passava pelo local, e levado para o Hospital da Restauração (HR), na área central do Recife.
O DESAMPARO E A BUSCA POR APOIO
Uma das realidades mais difíceis enfrentadas por Wendson após o sinistro de moto foi a completa falta de auxílio financeiro ou suporte de diversas partes. Ele não teve direito a nenhum auxílio da plataforma Uber porque não estava rodando pelo aplicativo no momento da colisão e, pelo que explicou, teria que ir à Justiça para ter algum amparo.
Também não recebeu suporte do Estado nem do motorista do caminhão que teria provocado o sinistro. Para arcar com os custos e, principalmente, conseguir uma prótese, Wendson precisou buscar ajuda por conta própria.
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“Ainda consegui receber o seguro DPVAT, no valor de R$ 12 mil, que foi encerrado no País logo depois. Em seguida, partimos para pedir ajuda, fazer vaquinha online, vender a moto, porque a prótese custava R$ 60 mil”, relembra.
Atualmente, ele e sua esposa, Maria Alice da Silva Gonçalves, vivem com o Benefício de Prestação Continuada – BPC, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, no valor de um salário mínimo.
PERIGO INERENTE
A jornada de Wendson, marcada pela gravidade do sinistro de moto, as sequelas permanentes e a ausência de suporte institucional e da plataforma para a qual trabalhava, ilustra os significativos perigos e a vulnerabilidade dos trabalhadores em serviços de transporte por aplicativo.
A tragédia que vivenciou, marcada pela perda de um membro, a longa recuperação e a ausência de suporte das plataformas ou do Estado, solidificaram a convicção de Wendson de que o serviço de transporte e entrega por motocicletas é inerentemente perigoso e, pela sua experiência, deveria ser interrompido.
“Embora a moto seja vista pelo lado da economia por ser mais barata e rápida para entregas, é muito perigosa. E com o trânsito cada dia mais violento, hoje sou contra o serviço de transporte de pessoas com motos. Na UTI onde fiquei internado, todas as vítimas eram ocupantes de motos, o que demonstra a dimensão do problema”, relembra.
A periculosidade do serviço de transporte com motos impactou toda a família de Wendson, com familiares se desfazendo de motocicletas ou desistindo do trabalho como motoapp. Sua própria experiência foi um divisor de águas: “Foi preciso tocar em mim para eu ver o quanto era perigoso”, finaliza.