Transporte por moto: O Brasil precisa enfrentar | Notícia

Transporte por moto: Aplicativos de moto viraram as kombis lotação do passado em danos e impactos

Serviço de motoapps, como Uber e 99 Moto, é visto como o retorno do fantasma da kombi lotação e seus impactos negativos no trânsito e nas cidades

Por Roberta Soares Publicado em 18/06/2025 às 7:45

O cenário atual dos aplicativos de transporte por motocicleta tem sido alarmante para especialistas do setor de mobilidade, que veem nesses serviços desregulados uma ameaça com ecos do passado. A comparação direta é feita com a desordem e os impactos causados pelas kombis lotação que, até os primeiros anos da década de 1990, dominaram o transporte público no Grande Recife antes de serem combatidas e regulamentadas.

Evandro Avelar, ex-secretário de Mobilidade e Infraestrutura de Pernambuco, é enfático ao traçar esse paralelo. Ele relembra que a omissão do poder público no passado, ao permitir a operação irregular de milhares de kombis, quase destruiu o sistema público. “A ação conjunta e corajosa do então governador Jarbas Vasconcelos e do prefeito do Recife João Paulo foi crucial para evitar o colapso”, conta.

Evandro Avelar, inclusive, foi um dos atores que participou diretamente na operação metropolitana organizada para combater o serviço ofertado pelas kombis lotação, considerado clandestino, perigoso e predatório aos sistema de ônibus regular da RMR.

Vinte anos depois, Avelar alerta que estamos novamente sob ameaça, mas agora pelo transporte desregulado por motocicletas. “Os efeitos colaterais são graves, incluindo um forte impacto no trânsito e, significativamente, no sistema de saúde pública devido ao aumento dos graves sinistros de trânsito”, alerta.

Esse é mais um recorte da série de reportagens Transporte por moto: O Brasil precisa enfrentar, publicada pelo JC para discutir a necessidade de o País enfrentar a criação de regras para o transporte de passageiros com motos.

PERIGO PARA A SAÚDE PÚBLICA EXIGE URGÊNCIA NA PRIORIZAÇÃO DO TRANSPORTE PÚBLICO

Guga Matos/JC Imagem
O JC está discutindo a necessidade de o País enfrentar a criação de regras para o transporte de passageiros com motos na série de reportagens Transporte por moto: O Brasil precisa enfrentar. - Guga Matos/JC Imagem

Essa preocupação é reforçada por Edmundo Pinheiro, presidente eleito do Conselho Diretor da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). É mais uma voz a defender a urgência de se enfrentar o uso de aplicativos de transporte de passageiros com motos e serviços de mototáxi no Brasil.

Pinheiro expressou profunda preocupação com os impactos para a segurança viária e a saúde pública do País. “O transporte urbano por motocicletas representa um risco significativo à segurança das pessoas. O ônibus é o meio de transporte mais seguro no ambiente urbano, superado apenas pelo elevador em índices de acidentes”, compara.

Para Edmundo Pinheiro, o aumento do uso de motocicletas é um verdadeiro problema de saúde pública, devido ao aumento alarmante de sinistros de trânsito envolvendo esse tipo de veículo. E, diante desse cenário, o uso da motocicleta como meio de transporte não deve ser incentivado.

“A postura da Prefeitura de São Paulo é correta ao adotar políticas que buscam conter o agravamento desses riscos. Embora o serviço de mototáxi esteja regulamentado em algumas cidades, ele continua gerando os mesmos efeitos colaterais, principalmente o aumento do número de quedas e colisões”, diz.

SERVIÇO DE MOTO APP RESTRITO E RIGIDAMENTE REGULAMENTADO

LEO MOTTA/ACERVO JC IMAGEM
Evandro Avelar foi um dos atores que participou diretamente na operação metropolitana organizada para combater o serviço ofertado pelas kombis lotação na RMR - LEO MOTTA/ACERVO JC IMAGEM
Divulgação/NTU
Edmundo Pinheiro, recentemente eleito presidente do Conselho Diretor da NTU, defende a melhoria do transporte público para tirar as pessoas do Uber e 99 Moto - Divulgação/NTU

Para o novo presidente da NTU, o serviço precisa ser restringido e rigidamente regulamentado. E, no caso de São Paulo, a prefeitura deve avançar para uma posição firme de restrição ou regulamentação rigorosa para evitar a ampliação desse serviço.

Edmundo Pinheiro relacionou a atratividade do transporte por motocicletas com os congestionamentos urbanos que afetam diretamente os ônibus. Segundo ele, o que mais pesa para os usuários do transporte coletivo é o tempo de viagem, e as motocicletas oferecem um tempo de deslocamento "muito menor" do que o enfrentado por quem depende dos ônibus. Essa diferença no tempo de viagem é, inclusive, o principal motivo para o crescimento no número de pessoas que têm optado pela motocicleta.

PRIORIDADE VIÁRIA PARA OS ÔNIBUS AFASTARIA PASSAGEIRO DAS MOTOS

A solução, na visão de Pinheiro, passa pela priorização do transporte coletivo nas vias urbanas. Ele defende que o caminho não é apenas tornar o transporte público mais atrativo, mas também mais eficiente, especialmente para a população das regiões periféricas.

Uma medida essencial para alcançar essa eficiência é a criação de vias preferenciais para os ônibus, sobretudo nas vias arteriais que ligam diferentes regiões da cidade e por onde circulam os principais eixos de transporte coletivo.

Pinheiro acredita que dar tratamento prioritário ao transporte coletivo nessas vias garante maior eficiência, mais produtividade e, crucialmente, a redução do tempo de viagem, beneficiando principalmente quem mora nas periferias.

“Essa priorização também pode conter os efeitos colaterais do aumento do uso de motocicletas como alternativa para encurtar os deslocamentos. Contudo, esse avanço depende de uma política pública "consistente e contínua" por parte dos municípios, além de investimentos em infraestrutura”, alerta.

PRIORIDADE SEMAFÓRICA PARA OS ÔNIBUS

Guga Matos/JC Imagem
Em série de reportagens, o JC discute a necessidade de o Brasil enfrentar a criação de regras para o transporte de passageiros com motos - Guga Matos/JC Imagem

Como exemplo inspirador, Edmundo Pinheiro citou uma tecnologia recentemente anunciada em Goiânia (GO), que permite a conexão entre ônibus e semáforos, criando uma "onda verde" especialmente nos sistemas BRT. A iniciativa, divulgada pelo prefeito de Goiânia, Sandro Mabel, já mostrou resultados positivos, elevando a velocidade média dos ônibus no corredor Leste-Oeste de 16 km/h para mais de 21 km/h, um aumento superior a 30%.

Para o presidente da NTU, o caso de Goiânia é um exemplo claro de que, quando se dá prioridade ao ônibus, ele se torna mais eficiente, ganha em qualidade e oferece menores tempos de viagem à população. Edmundo Pinheiro conclui que é fundamental replicar essa abordagem em outras cidades do País.

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