Transporte por moto: No Recife, Justiça proibiu a prefeitura de fiscalizar os aplicativos de transporte com carros, enquanto motos seguem livres
Gestão municipal do Recife não proíbe ou regulamenta o serviço de motoapps porque não quer. Justiça nunca impediu, como alegado desde 2022

No Recife, a Justiça pernambucana impediu que a prefeitura fiscalizasse o transporte remunerado de passageiros com carros de aplicativos, como Uber e 99, enquanto a operação do serviço com motos segue sem qualquer tipo de controle. Em setembro de 2024, chegou ao fim uma importante disputa judicial que colocou a Prefeitura do Recife, através da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU), como ré desde 2020.
A ação foi movida pela plataforma 99 às vésperas do Carnaval daquele ano, buscando evitar a aplicação da Lei Municipal 18.528/2018. A lei, aprovada pela Câmara de Vereadores e sancionada em 2018, tinha como objetivo regulamentar o transporte de passageiros por meio de carros de aplicativos na cidade. A decisão final favoreceu as plataformas.
A gestão municipal tentou recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) após a decisão inicial. No entanto, o recurso não foi sequer analisado pelo STF porque a prefeitura perdeu o prazo legal para apresentá-lo. Além de negar a análise, o STF ainda determinou que o município arcasse com os honorários do processo.
Com isso, prevaleceu a decisão da 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). Na prática, essa decisão beneficia diretamente gigantes como 99 (autora da ação), Uber e outras plataformas, ao impedir a fiscalização dos carros de aplicativos como transporte remunerado de passageiros.
O JC está discutindo a necessidade de o País enfrentar a criação de regras para o transporte de passageiros com motos na série de reportagens Transporte por moto: O Brasil precisa enfrentar.
SERVIÇO DE MOTOAPP SEMPRE ESTEVE FORA DA AÇÃO
A ação, entretanto, nunca mencionou o veículo motocicleta, como alegado pela Prefeitura do Recife desde 2022 - quando o serviço começou na capital pernambucana - para não fiscalizar o Uber e 99 Moto na cidade. Na verdade, a gestão municipal não fiscalizou os moto apps porque não quis. A Justiça nunca impôs essa proibição.
-
Transporte por moto: Ocupantes de motos representam mais de 80% das vítimas atendidas pelo SAMU no Grande Recife
- Transporte por moto: Em tempos de aplicativos de motos, ocupantes são as vítimas que mais custam caro
- Transporte por moto: Saúde pública do Brasil à beira do colapso com os ocupantes das motocicletas, agora também mulheres
- Transporte por moto: Chegou a hora de enfrentar. Não dá mais para esperar
- Transporte por moto: quedas e colisões com ocupantes de motocicletas forçam o Brasil a agir
O argumento utilizado pela gestão municipal de que não poderia proibir ou regulamentar os aplicativos de motocicletas devido a uma ação judicial em andamento referente aos carros não possuía base legal, mas sim política.
A conclusão da ação e a exclusão das motocicletas do processo foram confirmadas pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) à Coluna Mobilidade. Segundo o TJPE, quando a ação original foi iniciada, o serviço de transporte de passageiros com motos não existia, o que impedia que a decisão se estendesse agora às motos, pois elas não eram o objeto inicial do processo. Em nota oficial, o TJPE explicou que a decisão proferida "não afeta o serviço com motos, considerando que o seu objeto litigioso versou apenas sobre carros de aplicativo".
-
Transporte por moto: Aplicativos de moto viraram as kombis lotação do passado em danos e impactos
-
Transporte por moto: Poucas exigências de segurança pelas plataformas multiplicam o perigo nas ruas
-
Transporte por moto: Após a queda, a luta pela volta à vida. O desafio da reabilitação para vítimas de amputação nas motos
- Transporte por moto: O futuro interrompido sobre duas rodas
- Transporte por moto: O grito de alerta de um cirurgião diante do colapso silencioso na saúde pública
Portanto, uma possível regulamentação ou proibição do transporte por motos no Recife, via Uber e 99 Moto, tratava-se de uma decisão político-administrativa da gestão do prefeito João Campos (PSB). A prefeitura poderia ter proibido o serviço por decreto, como fez a Prefeitura de São Paulo, ou enfrentado a regulamentação, ou optado por continuar ignorando a oferta do serviço na cidade.
Esta última, inclusive, foi a mesma estratégia adotada por outros prefeitos da Região Metropolitana do Recife, notadamente os de Jaboatão dos Guararapes e Olinda, cidades que lideraram as estatísticas de quedas e colisões de ocupantes de motos do SAMU depois da capital.
-
Transporte por moto: A pesada e perigosa rotina dos motoqueiros de aplicativo
- Transporte por moto: Regulamentação é essencial para reduzir quedas e mortes no trânsito, defendem motoqueiros
-
Transporte por moto: Brasileiros trocam transporte público por aplicativos de motos em busca de conforto e agilidade
O TJPE ainda esclareceu que, para o serviço de motos, a Prefeitura do Recife deveria ter iniciado uma nova ação judicial ou esperado um acionamento das próprias plataformas Uber e 99. O que não era possível, e que vinha sendo a estratégia utilizada desde a primeira gestão João Campos em 2020, era estender a decisão judicial referente aos aplicativos de carros ao serviço de motos ou a qualquer outro que tenha surgido posteriormente.