Transporte por moto: debate discute o perigo das motos por aplicativo e a urgência por regras ou proibição
Especialistas participaram de debate na Rádio Jornal sobre o crescimento e o impacto na segurança viária e na saúde pública do Uber e 99 Moto

Em um debate transmitido pelo Sistema Jornal do Commercio de Comunicação (SJCC), especialistas e representantes da categoria discutiram os impactos negativos do serviço de moto por aplicativo, como Uber e 99 Moto, comparando-o à era das kombis lotação que dominou o transporte público no Grande Recife na década de 1990. O debate aconteceu na Rádio Jornal.
A discussão focou nas consequências negativos no trânsito e na rede pública de saúde devido a sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo o CTB e a ABNT) envolvendo motos por aplicativo, além dos desafios para uma regulamentação efetiva.
E, como conclusão entre os debatedores, a certeza de que o problema em que se transformou a explosão do serviço de Uber e 99 Moto no Brasil, incluindo a Região Metropolitana do Recife - principalmente as cidades do Recife, Jaboatão dos Guararapes e de Olinda -, só será resolvido com decisão política. E decisões políticas exigem, antes de mais nada, coragem.
O debate contou com a presença do engenheiro civil Evandro Avelar, ex-secretário de Mobilidade e Infraestrutura de Pernambuco, do presidente do Sindicato dos Trabalhadores, Empregados e Autônomos de Moto e Bicicleta por Aplicativo de Pernambuco, Rodrigo Lopes, e do presidente do Conselho Estadual de Trânsito de Pernambuco (Cetran), Walker Barbosa.
MOTO NÃO É VEÍCULO PARA TRANSPORTE DE PASSAGEIROS
Evandro Avelar traçou um paralelo direto entre o atual cenário das motos por aplicativo e a problemática das kombis lotação de dez anos atrás. O engenheiro civil foi enfático em salientar que, assim como as kombis, as motos por aplicativo operam de forma absolutamente desregulada.



“Não é possível que as cidades estruturem um sistema de transporte de passageiros em cima da motocicleta, que estão ganhando força no vácuo da precariedade do setor público. O Estado, em suas mais diferentes esferas, precisa agir e logo, como aconteceu dez anos atrás, quando houve uma operação metropolitana para combater a desordem promovida pelas kombis lotação", afirmou.
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Avelar expressou uma posição radicalmente contrária ao transporte de passageiros por motocicletas. Principalmente porque o serviço apresenta um agravante em relação às kombis: além do grande impacto no trânsito, gera uma sobrecarga gigante nos sistemas de saúde - segundo dados oficiais, o SUS gastou R$ 3,8 bilhões em dez anos apenas com internações de ocupantes de motos e Pernambuco tem gasto R$ 10 milhões por ano.
Avelar classificou o transporte de pessoas em motocicletas como uma "insanidade" que gera custos elevados para a rede de saúde e sugeriu que esses recursos fossem investidos na melhoria do sistema regular de transporte público coletivo. Para ele, a solução para a atual situação é uma "decisão política" para enfrentar o problema, como aconteceu com as kombis.
Avelar enfatizou que o transporte de passageiros por moto desregula a concorrência do sistema de transporte público, minando a lógica de um sistema formal que emprega muitos e transporta de forma racional. “O poder público – federal, estadual e municipal – deve atuar de forma equilibrada, mas enérgica na regulamentação porque não se pode permitir que sistemas alternativos desregulados circulem na Região Metropolitana do Recife dessa forma", disse.
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E finalizou reforçando a frase que o presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Luiz Carlos Néspoli, afirmou na série de reportagens "Transporte por moto: O Brasil precisa enfrentar ", que a Coluna Mobilidade publicou por uma semana para discutir a urgência do tema: “Nem tudo que o cidadão quer é bom para a sociedade”.
TRABALHADORES DEFENDEM REGULAMENTAÇÃO
Rodrigo Lopes, presidente do sindicato da categoria, trouxe a perspectiva dos mais de 24 mil trabalhadores em moto por aplicativo que rodam em Pernambuco, dos quais 12 mil estão apenas no Grande Recife - destacando que o problema é, sobretudo, urbano.
Rodrigo Lopes apontou a falta de emprego como o principal fator que impulsiona jovens a procurar trabalho nos aplicativos de moto. E destacou que a Lei 12.009/2009 e a Resolução 943 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) já preveem a necessidade de capacitação, cursos, vistorias periódicas nos veículos e uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). No entanto, ele lamentou que nada disso acontece.
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“O custo de qualificação, estimado em quase R$3.000, somado à baixa remuneração das corridas (R$3, R$4), leva os trabalhadores a arriscar e contar com a sorte. E não vão desistir do transporte de passageiros porque rende mais e é mais constante. A demanda do delivery tem picos no almoço e jantar, apenas. Já a do transporte de passageiros opera 24 horas por dia, sete dias por semana”, explicou.
Lopes propôs que as plataformas de aplicativo criem suas próprias CIPAs (Comissões Internas de Prevenção de Acidentes), fornecendo equipamentos de segurança e custeando cursos de pilotagem defensiva, assim como empresas de construção civil fornecem martelos e capacetes. Ele mencionou exemplos de outras cidades, como Fortaleza, que oferece isenção de IPVA e vistorias gratuitas, além de um programa de rastreadores para trabalhadores, o que ajuda a separar "o joio do trigo" e garantir o reconhecimento dos trabalhadores.
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O PAPEL DO ESTADO E A URGÊNCIA DA AÇÃO COLETIVA
Já o presidente do Cetran, Walker Barbosa, confirmou que a legislação de trânsito (Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e resoluções do Contran) já regulamenta bem a questão. Contudo, enfatizou que o serviço de transporte é uma prerrogativa municipal, e, portanto, cabe aos municípios regulamentar, credenciar e fiscalizar.
CONFIRA o debate na íntegra:
https://www.youtube.com/watch?v=18WnC15nmtU
Assim como afirmou Evandro Avelar, a principal barreira, segundo Walker, é a prática política dos prefeitos, que encaram a regulamentação como uma medida impopular. “As plataformas se inseriram em um "vácuo de legislação" e se estabeleceram explorando a vulnerabilidade das pessoas que precisam de trabalho e renda, essa é a verdade”, disse.
O presidente do Cetran também destacou que as plataformas de transporte com motos estimulam os parceiros a não querer a regulamentação, aproveitando-se do custo de regularização para os trabalhadores e da conveniência que o serviço gera para a população.
“O ônus do sistema público de saúde devido aos sinistros de trânsito envolvendo motocicletas é enorme. E não se limita apenas ao custo financeiro, mas também à ocupação de leitos e recursos que poderiam ser usados para outras doenças. Por isso é necessário uma articulação metropolitana para resolver o problema”, defendeu.