Transporte por moto: No País do Uber e 99 Moto, sinistros de motocicleta custam R$ 300 bilhões e colapsam 70% dos hospitais brasileiros, apontam ortopedistas
Pesquisa da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT) expôs um cenário crítico no sistema de saúde provocado pelas vítimas das motos

Clique aqui e escute a matéria
A crise de saúde pública e financeira gerada pelos traumas envolvendo ocupantes de motocicletas - condutores e, agora, depois do Uber e 99 Moto, também passageiros - atingiu um patamar classificado como inaceitável pelos médicos ortopedistas e traumatologistas no Brasil. Uma pesquisa divulgada no dia 18/9 pela Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), em parceria com o Instituto Informa, revelou que os sinistros de trânsito com veículos de duas rodas impõem um prejuízo econômico e social gigantesco, estimado em R$ 300 bilhões por ano.
O estudo, que mapeou o atendimento em 138 hospitais – incluindo unidades públicas, privadas e filantrópicas em todas as regiões do País –, expôs um cenário crítico no sistema de saúde nacional. A situação está em um nível tão assustador que a Confederação Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) - presente no evento que divulgou a pesquisa da SBOT - afirmou que, para o Sistema Único de Saúde (SUS), nada é mais aterrorizante do que os sinistros de trânsito e, principalmente, os provocados pelas motocicletas”.
A SBOT alerta que o volume massivo de atendimentos está sobrecarregando severamente as unidades hospitalares brasileiras. O presidente da SBOT, Paulo Lobo, confirmou que o cenário é grave. “Marcado por hospitais lotados, profissionais sobrecarregados e recursos escassos. Em média, os hospitais consultados na nossa pesquisa atendem 360 casos de trauma por mês, e a taxa de sinistros de trânsito com motocicletas corresponde a 66% de todos os casos analisados”, revelou.
SOBRECARGA DO SUS ESTÁ ACONTECENDO EM TODO O PAÍS




A sobrecarga hospitalar é generalizada: a pesquisa revela que quase 70% das unidades hospitalares consultadas relataram ter atendido mais de 600 vítimas de trânsito em um período de apenas seis meses. Enquanto a taxa de sinistros com motocicletas domina as estatísticas (66%), o foco nas vítimas, majoritariamente jovens e população economicamente ativa (43,2% entre 20 e 29 anos e 26,3% entre 15 e 19 anos), evidencia o grave impacto na força de trabalho do País.
- Transporte por moto: Em tempos de aplicativos de motos, ocupantes são as vítimas que mais custam caro
- Transporte por moto: Saúde pública do Brasil à beira do colapso com os ocupantes das motocicletas, agora também mulheres
- Transporte por moto: Chegou a hora de enfrentar. Não dá mais para esperar
- Transporte por moto: quedas e colisões com ocupantes de motocicletas forçam o Brasil a agir
Essa sobrecarga está tendo um impacto direto na ocupação dos leitos hospitalares. A pesquisa aponta que os sinistros de trânsito com motocicletas têm comprometido a capacidade dos hospitais de oferecerem outros tratamentos. “A sobrecarga massiva de atendimentos de vítimas de trauma gera um efeito cascata que compromete o atendimento eletivo. Metade (50%) dos cancelamentos de cirurgias eletivas ocorre devido à ocupação de vagas por vítimas de sinistros de moto. O cancelamento de procedimentos pode ser drástico: em um serviço específico avaliado, houve o cancelamento de 18 cirurgias eletivas e 7 de emergência por falta de leitos ou recursos”, alerta a SBOT.
E a ocupação dos leitos prolonga-se significativamente. Por mês, são internados cerca de 44 vítimas de sinistros por motocicletas. Mais de 70% desses pacientes permanecem internados por mais de sete dias após a cirurgia. O tempo de espera por procedimentos cirúrgicos também é longo:
Transporte por moto: Ocupantes de motos representam mais de 80% das vítimas atendidas pelo SAMU no Grande Recife
* Em média, os pacientes aguardam 7 dias pela cirurgia e mais 7 dias pela alta.
* Cerca de 60% dos acidentados aguardam até sete dias por uma cirurgia, enquanto 31,6% chegam a esperar até 15 dias. Alguns casos mais complexos podem demandar até 30 dias de espera.
As principais causas para o cancelamento das cirurgias são, em média, a ausência de vagas no CTI (19,1%) e a ocupação de vagas por vítimas de traumas (19,0%).
O impacto econômico dos sinistros de trânsito resulta em um custo inaceitável que engloba pessoas sem receber salário, o custo com auxílios-doença da previdência social e medicamentos de altos custos. Além disso, a SBOT revelou que este cenário de traumas contribui para a crise de saúde por atingir um nível “inaceitável”.
- Transporte por moto: Regulamentação é essencial para reduzir quedas e mortes no trânsito, defendem motoqueiros
-
Transporte por moto: Brasileiros trocam transporte público por aplicativos de motos em busca de conforto e agilidade
-
Transporte por moto: Aplicativos de moto viraram as kombis lotação do passado em danos e impactos
-
Transporte por moto: Poucas exigências de segurança pelas plataformas multiplicam o perigo nas ruas
“O cenário é grave: hospitais lotados, profissionais sobrecarregados e recursos escassos. Além da dor das vítimas e famílias, há um efeito cascata que compromete todo o sistema de saúde, por isso a importância de lançar essa campanha em âmbito nacional, para mobilizar a sociedade, educar condutores e cobrar políticas públicas mais eficazes para um trânsito mais seguro”, alerta o presidente da SBOT, Paulo Lobo.
Em resposta à dimensão da crise — que resultou em 13.521 mortes de motociclistas apenas em 2023 —, a SBOT lançou a campanha nacional de conscientização “Na moto não mate, não morra”.
SEQUELAS GRAVES E LESÕES COMPLEXAS


Outro alerta feito pela SBOT foi sobre as sequelas para os sobreviventes das quedas e colisões com motocicletas, que são severas e resultam em "limitações irreversíveis que afetam diretamente a qualidade de vida". As regiões do corpo mais atingidas são os membros inferiores (com uma média de 51,4% dos casos), a bacia e a coluna vertebral.
-
Transporte por moto: "Regulamentar motoapp no Brasil é uma tragédia anunciada", alerta Ipea
- Transporte por moto: entidades médicas e de segurança viária são unânimes em defender a proibição do uso de motos para o transporte de passageiros
-
Transporte por moto: No Recife, Justiça proibiu a prefeitura de fiscalizar os aplicativos de transporte com carros, enquanto motos seguem livres
- Transporte por moto: Guerra de leis e interpretações judiciais transforma regulamentação do motoapp em grande desafio
A SBOT aponta que, em média, 6 em cada 10 diagnósticos apresentam mudanças nos tipos das lesões traumáticas em motociclistas e garupas, estando as lesões mais complexas e não se limitando apenas a fraturas simples. As maiores taxas na complexidade das lesões dos pacientes internados e operados estão entre a média e a alta complexidade.
Entre as sequelas mais frequentes em motociclistas, destacam-se:
* Dor crônica (82,1%)
* Deformidades (69,5%)
* Déficit motor/limitação funcional (67,4%)
* Amputações (35,8%)
Entre os fatores de risco agravantes, o consumo de álcool foi identificado em até 50% dos pacientes atendidos em alguns serviços. A SBOT sugere que soluções vão além da fiscalização e incluem propostas como tornar a CNH mais acessível, uma vez que 50% das vítimas não a possuem, e redirecionar subsídios de fabricação de motocicletas para o transporte coletivo. Além disso, mais de 40% dos especialistas consultados indicaram as campanhas educativas como prioridade máxima para a redução dos sinistros.