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Transporte por moto: SAMU afirma que a cada 10 sinistros de trânsito no Grande Recife, 9 envolvem motocicletas

O dado impressionante se soma ao alerta feito pelos ortopedistas de que as vítimas das motos geram um custo de R$ 300 bilhões por ano

Por Roberta Soares Publicado em 30/09/2025 às 11:36 | Atualizado em 30/09/2025 às 12:22

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Novos dados oficiais apontam - mais uma vez, vale destacar - que a crise de saúde e financeira gerada pelos traumas envolvendo ocupantes de motocicletas atingiu um patamar inaceitável no Brasil. Dados recentes do SAMU Metropolitano do Recife revelam um cenário local alarmante: de cada 10 sinistros de trânsito atendidos pelo serviço no Grande Recife, 9 têm envolvimento de motocicletas, ou seja, 90% dos casos têm ocupantes das motos.

Esse dado oficial que impressiona se soma a um panorama nacional exposto pela Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT) em reportagem do JC, que estima um prejuízo econômico e social gigantesco de R$ 300 bilhões por ano em decorrência dos sinistros com veículos de duas rodas. E que essa sobrecarga massiva está colapsando cerca de 70% dos hospitais brasileiros.

Os dados do SAMU foram apresentados pelo coordenador-geral do serviço, o médico Leonardo Gomes, durante entrevista na Rádio CBN. Segundo o médico, os sinistros de trânsito com ocupantes de motocicletas - porque, depois do Uber e 99 Moto, os passageiros passaram a também ser vítimas - resultam em pacientes jovens, geralmente na faixa etária de 20 a 30 anos, com fraturas graves de membros inferiores e superiores, traumatismos cranianos violentíssimos e perdas oculares.

Um ponto crucial levantado na entrevista, inclusive, é que a grande maioria dessas vítimas das duas rodas não morre, mas fica com sequelas graves e permanentes. É um cenário comparado a um "princípio de guerra". Neste contexto, a lesão incapacitante tira o trabalhador da força de trabalho e engrossa as filas do INSS, gerando um prejuízo complexo aos cofres públicos.

EXPLOSÃO DA FROTA DE MOTOCICLETAS 

PAULO LIEBERT
A motocicleta expõe seus ocupantes à velocidade alta. Nos últimos 10 anos, a produção de motos aumentou 24 vezes e o número de vítimas delas também aumentou na mesma proporção - PAULO LIEBERT

Outro destaque foi o volume de motocicletas nas ruas, especialmente impulsionado pelo investimento das empresas de transporte por aplicativo - como Uber e 99 Moto, fenômeno que começou após a pandemia de Covid 19. A realidade deste trânsito caótico é que as ambulâncias do SAMU estão sendo ocupadas boa parte do tempo atendendo a esses casos. Em Pernambuco, por exemplo, a frota de motos ultrapassou a de carros pela primeira vez.

“Os politraumatizados que chegam aos hospitais são em grande parte os motoqueiros — aqueles que trabalham com a motocicleta e estão tentando cumprir a tabela, ganhando por serviço realizado. O garupa também se machuca, inclusive pessoas que não estão acostumadas a andar de moto, assumindo posições desprotegidas, ou que estão mexendo no celular e sem usar capacete”, afirmou o médico.

VÍTIMAS DAS MOTOCICLETAS ESTÃO COLAPSANDO OS HOSPITAIS DO PAÍS

Divulgação
Serviços de aplicativo de transporte de passageiros com motos, como o Uber e 99 Moto, provocaram a explosão do uso de motocicletas e, consequentemente, dos sinistros de trânsito - Divulgação

A pesquisa da SBOT, que mapeou 138 hospitais em todas as regiões, expôs que a sobrecarga provocada pelas vítimas das motos é generalizada. Em média, os hospitais consultados atendem 360 casos de trauma por mês, sendo que a taxa de sinistros de trânsito com motocicletas corresponde a 66% de todos os casos analisados.

O cenário é tão crítico que a Confederação Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) chegou a afirmar que, para o Sistema Único de Saúde (SUS), nada é mais aterrorizante do que os sinistros de trânsito, principalmente os provocados por motocicletas.

A pressão sobre os leitos hospitalares é intensa. Quase 70% das unidades consultadas relataram ter atendido mais de 600 vítimas de trânsito em apenas seis meses. Esta sobrecarga compromete a capacidade dos hospitais de oferecerem outros tratamentos.

O efeito cascata gerado pelo volume de atendimentos de trauma resulta no cancelamento de cirurgias eletivas, sendo que metade (50%) desses cancelamentos ocorre devido à ocupação de vagas por vítimas de sinistros de moto.

Reprodução Detran-PE
Motos superam carros em Pernambuco e impulsionam recorde nacional de produção - Reprodução Detran-PE
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Motos superam carros em Pernambuco e impulsionam recorde nacional de produção - Reprodução Detran-PE
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Motos superam carros em Pernambuco e impulsionam recorde nacional de produção - Reprodução Detran-PE
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Motos superam carros em Pernambuco e impulsionam recorde nacional de produção - Reprodução Detran-PE
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Motos superam carros em Pernambuco e impulsionam recorde nacional de produção - Reprodução Detran-PE
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Motos superam carros em Pernambuco e impulsionam recorde nacional de produção - Reprodução Detran-PE

Além de ocuparem vagas, a internação desses pacientes é prolongada:

- Por mês, cerca de 44 vítimas de sinistros de motocicletas são internadas.
- Mais de 70% desses pacientes permanecem internados por mais de sete dias após a cirurgia.
- Em média, os pacientes aguardam 7 dias pela cirurgia. Cerca de 60% dos acidentados esperam até sete dias por um procedimento cirúrgico, enquanto 31,6% chegam a esperar até 15 dias.

As vítimas são majoritariamente jovens e população economicamente ativa: 43,2% estão entre 20 e 29 anos, e 26,3% entre 15 e 19 anos.

Em relação às lesões, elas não se limitam a fraturas simples, sendo de complexidade média a alta. As regiões do corpo mais atingidas são os membros inferiores (51,4% dos casos), a bacia e a coluna vertebral. As sequelas para os sobreviventes são severas e resultam em "limitações irreversíveis".

JOSE PATRICIO/AE
Os números de mortes e ferimentos dos ocupantes das motos são a principal razão da busca por uma regulamentação. Além disso, o custo dessa matança e mutilação de pessoas - muitas jovens - também é assustador - JOSE PATRICIO/AE

Entre as sequelas mais frequentes destacam-se: dor crônica (82,1%), deformidades (69,5%), déficit motor/limitação funcional (67,4%) e amputações (35,8%).

Como agravante, o consumo de álcool foi identificado em até 50% dos pacientes atendidos em alguns serviços. A SBOT lançou a campanha “Na moto não mate, não morra” em resposta à crise, que resultou em 13.521 mortes de motociclistas apenas em 2023.

Entre as propostas de solução, a SBOT sugere tornar a CNH mais acessível, já que 50% das vítimas não a possuem, e redirecionar subsídios de fabricação de motocicletas para o transporte coletivo. Campanhas educativas são indicadas como prioridade máxima por mais de 40% dos especialistas consultados.

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