Mobilidade | Notícia

Transporte por moto: Já que proibição do serviço é quase impossível, especialistas apontam regras mínimas para uma regulamentação do Uber e 99 Moto no País

Normas buscam neutralizar o incentivo monetário à transgressão de trânsito, focando na limitação da velocidade e na jornada máxima do condutor

Por Roberta Soares Publicado em 30/11/2025 às 8:00

Clique aqui e escute a matéria

Apesar de não recomendar a regulamentação e ter apresentado dados oficiais que mostram a inviabilidade segura do uso de motocicletas para o transporte remunerado de passageiros nas cidades brasileiras, como está acontecendo desde 2021/2022 com a explosão do Uber e 99 Moto no País, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sinalizou regras mínimas que teriam que ser impostas pelos municípios para ao menos tentar ‘mitigar’ os riscos do transporte sobre duas rodas, que somente em 2023 matou 13.500 pessoas no trânsito brasileiro.

As colocações foram feitas pelos pesquisadores do Ipea e por especialistas em mobilidade urbana, saúde e segurança viária que participaram da apresentação do estudo ‘Mortalidade e morbidade das motocicletas e os riscos da implantação do mototáxi no Brasil’ (Nota Técnica n° 57), realizada no dia 26/11. O estudo teve como objetivo aprofundar o debate sobre as externalidades negativas associadas ao crescimento do uso de motocicletas no trânsito brasileiro.

Numa possível regulamentação do Uber e 99 Moto pelo País - algo praticamente certo de acontecer em breve, já que a Justiça brasileira e o constrangimento político têm impedido a quase totalidade dos prefeitos de pensar em proibir o serviço nas cidades -, os especialistas defendem que o transporte remunerado de passageiros com motos por aplicativo seja regulamentado apenas para alguns serviços de deslocamentos complementares, sempre como ‘primeira ou segunda perna’ do transporte coletivo, e atendendo a comunidades, favelas ou regiões com infraestrutura inadequada para serviços de transporte tradicionais.

E, mesmo assim, sob forte fiscalização e controle por parte do poder público para evitar que o serviço se expanda para outras regiões. Na visão do Ipea e dos especialistas, antes de pensar em regulamentar o mototáxi por aplicativo, o ideal é que as prefeituras das cidades menores ofereçam serviços de transporte público atrativos, utilizando veículos coletivos de menor capacidade (vans e micro-ônibus), associados com serviços de táxis ou aplicativos por automóveis.

Assim, seria possível suprir a demanda por deslocamentos da população de forma segura e universal. Já nas cidades grandes, a Nota Técnica recomenda que a melhoria do transporte público coletivo também deve ser o foco, associada com políticas de barateamento desses serviços.

"Nossa nota foi radicalmente contra a regulamentação do mototáxi e, obviamente, a única exceção que a gente abre é que o mototáxi seja permitido naqueles lugares que não são servidos de jeito nenhum pelo transporte público, como os morros, favelas, por exemplo”, afirma Erivelton Pires Guedes, um dos autores do estudo.

GUGA MATOS/ACERVO JC IMAGEM
O entendimento do Ipea é que as motos não são veículos seguros para o transporte remunerado de passageiros, como o Uber e 99 Moto - GUGA MATOS/ACERVO JC IMAGEM

“Mas, mesmo num morro,o mototáxi nunca vai ser um serviço de qualidade. Você consegue imaginar, por exemplo, uma grávida ou uma pessoa cadeirante subindo de mototáxi? Ou seja, na verdade, o transporte por moto até mesmo nesses locais é um mero paliativo a uma situação que, na verdade, é indesejada", adverte. E segue: A moto nasceu para ser frágil. Então, mesmo com a regulamentação, você vai sair de 70 vezes mais mortal do que um carro para 50 vezes, para 40 vezes, ou seja, vai continuar sendo uma carnificina", finaliza.

A Nota Técnica também foi elaborada pelos técnicos de planejamento e pesquisa do Ipea Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho e Carlos Eduardo de Carvalho Vargas.

LIMITES ESSENCIAIS PARA APLICATIVOS E AUTORIDADES MUNICIPAIS

Guga Matos/JC Imagem
Os números de quedas e colisões com motoqueiros e, agora mais do que nunca, com passageiros das motos, têm explodido nas capitais e nas cidades onde o serviço está disponível - Guga Matos/JC Imagem

Outra exigência fundamental é que a normalização alcance o algoritmo das empresas de aplicativos que oferecem transporte por motocicletas. “A necessidade de regulamentação é crítica porque o tempo é precificado pelo algoritmo e o modelo de negócio. Este modelo cria um incentivo direto à transgressão de normas de trânsito, visto que o motociclista prioriza a maximização de receita em detrimento do cumprimento das regras de segurança”, foi o primeiro alerta feito por Luiz Carlos Néspoli, superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), que participou como debatedor.

As diretrizes apresentadas definem um conjunto de regras "desejáveis" que impõem limitações tanto para as autoridades municipais (Trânsito e Transporte) quanto para o próprio algoritmo de chamada dos aplicativos. Para a implementação de um serviço de transporte por motocicletas seguro e regulamentado, os especialistas propõem regras específicas que incidem sobre o cadastro, o funcionamento dos algoritmos e as normas de mobilidade urbana. O entendimento é de que as empresas de aplicativos devem adotar restrições rigorosas no cadastro e nas operações do algoritmo.

Confira as principais sugestões:

Cadastro: Apenas condutores regularizados segundo a legislação de trânsito e a Lei 13.640/18, e apenas motocicletas regularizadas segundo a legislação de trânsito, podem ser aceitos.

Incentivos: É crucial proibir que o algoritmo promova incentivo monetário que comprometa a segurança no trânsito.

Desempenho: Deve-se exigir que o aplicativo não meça o desempenho do condutor por tempo de entrega.

Restrições de Área e Jornada: O algoritmo deve restringir chamadas de viagens com origem e destino apenas dentro dos limites de área especificadas pelo Município. Além disso, deve restringir chamadas de condutores que excedam sua jornada de trabalho máxima estabelecida pelo Município.

REGRAS DE MOBILIDADE URBANA DE ACORDO COM A AUTORIDADE

GUGA MATOS/ACERVO JC IMAGEM
Os especialistas defendem que o transporte com motos por aplicativo seja regulamentado apenas para alguns serviços de deslocamentos complementares, sempre como ‘primeira ou segunda perna’ do transporte coletivo, e atendendo a comunidades, favelas ou regiões com infraestrutura inadequada para serviços de transporte tradicionais - GUGA MATOS/ACERVO JC IMAGEM

As autoridades municipais de trânsito e transporte também devem implementar normas para garantir a segurança dos condutores e da população, segundo os especialistas. Veja as principais:

Autoridade de Trânsito sobre a via:

A velocidade deve ser limitada à velocidade da via e, no máximo, a 50 km/h.
Deve-se proibir a circulação em vias expressas e arteriais que apresentem índices elevados de acidentes e mortes.

É necessário proibir a circulação entre carros, a circulação fora dos locais autorizados pela autoridade de transporte, e o uso de porta-celular afixado ao guidão da motocicleta.

Autoridade de Transporte:

Deve ser permitido o estabelecimento de um limite de jornada diária máxima por mototaxista.
Viagens devem ser permitidas apenas em regiões internas aos bairros periféricos ou em locais inalcançáveis por ônibus ou automóvel.

O serviço de transporte por motocicleta deve ser permitido apenas como um serviço complementar ao transporte público de passageiro nas regiões autorizadas.

“Essas limitações propostas visam equilibrar a flexibilidade do serviço de transporte por aplicativo com a segurança viária, neutralizando a pressão econômica que leva o condutor a desrespeitar as normas para maximizar o lucro”, reforça Luiz Carlos Néspoli.

REGULAMENTAR O SERVIÇO NÃO VAI REDUZIR OS SINISTROS DE TRÂNSITO COM OCUPANTES DE MOTOS

Diante do cenário exposto na Nota Técnica, o Ipea conclui que a sinistralidade de motociclistas é o grande entrave para que o Brasil alcance as metas globais de redução em 50% da mortalidade no trânsito até 2030.

Por isso, a principal recomendação é pela não regulamentação dos serviços de mototáxi no Brasil. E que o País atue em duas frentes imediat   amente: promova ações de mitigação das externalidades negativas do transporte sobre duas rodas e oferte alternativas seguras de mobilidade.

Para solidificar a compreensão do risco, os pesquisadores afirmam no estudo que a tentativa de regulamentar o mototáxi no Brasil, na esperança de controlar a sinistralidade, é como tentar "colocar um capacete em uma bolha de sabão".

Confira algumas das recomendações do Ipea para reduzir o uso de motocicletas no descolamento da população:

Investimentos em segurança viária: É essencial realizar investimentos significativos e permanentes em infraestrutura de segurança, engenharia de tráfego, e estruturas de gestão e fiscalização de transporte.
Educação contínua: Deve haver campanhas educativas massivas e contínuas, focadas nos riscos específicos da pilotagem de motos, utilizando recursos como o Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset).

Pub Expressa - 236896 - NT Dirur 57 - Mortalidade e Morbidade Das Motocicletas... by Roberta Soares

Alternativas de transporte em cidades menores: Em vez de mototáxi, as prefeituras de cidades menores devem focar em oferecer serviços de transporte público atrativos, utilizando veículos coletivos de menor capacidade (vans e micro-ônibus), associados a serviços de táxis ou aplicativos por automóveis.
Melhoria do transporte público em grandes cidades: Nas grandes cidades, o foco deve ser a melhoria e o barateamento do transporte público coletivo, além da otimização dos serviços de táxis e aplicativos de automóveis.

Compensação de custos do SUS: É prioritária a criação de fontes de financiamento estáveis para custear os atendimentos médicos de vítimas de trânsito pelo SUS, sugerindo o reestabelecimento de fontes antigas, como os repasses de parte da arrecadação do antigo seguro DPVAT.

Exceções para operação do transporte com motos: Em casos muito excepcionais, como em comunidades, morros ou favelas com infraestrutura inadequada para sistemas tradicionais, pode-se admitir a existência limitada de mototáxi, mas com forte fiscalização e controle do poder público local para evitar a expansão do serviço.

Compartilhe

Tags