Faixa Azul para Motos: Estudo aponta aumento de colisões em cruzamentos e velocidade excessiva, cobrando cautela na expansão do projeto pelo País
Autores do estudo não recomendam expansão das motofaixas por entender que a eficácia da medida, em teste em São Paulo, ainda é inconclusiva

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Um estudo preliminar conduzido pela Vital Strategies, Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Ceará (UFC) e Instituto Cordial, iniciado há um ano, trouxe à tona resultados que exigem atenção e cautela na expansão do projeto Faixa Azul para motocicletas em vias brasileiras.
Embora muitos motociclistas relatem maior sensação de segurança, os dados preliminares indicam um cenário complexo e contraditório, especialmente em referência aos sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo o CTB e a ABNT) e excesso de velocidade.
O levantamento foi motivado pela identificação de que análises importantes não estavam sendo consideradas em relatórios anteriores compartilhados com a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), necessitando de métodos mais robustos para essa sinalização inédita no País.
CENÁRIO DE RISCOS ESCONDIDOS E CONTRADIÇÃO NOS DADOS
Os resultados iniciais do estudo não permitem concluir, de forma geral, se a política da Faixa Azul reduz mortes ou lesões no trânsito. Essa é a principal conclusão do estudo e que justifica a cobrança por cautela na expansão nacional do projeto.
No entanto, a análise segmentada revela tendências distintas e preocupantes. Foi identificado um aumento de 33% nos sinistros com motociclistas nos cruzamentos, locais que são tradicionalmente mais críticos em termos de risco viário. Em contraste, houve uma redução de 33% nos sinistros nos meios de quadra, os trechos entre cruzamentos.
O estudo aponta que, apesar de muitos motociclistas sentirem-se mais seguros ao trafegar em um espaço sinalizado, essa percepção não reflete o risco real, que é ampliado pela alta velocidade, especialmente nos cruzamentos.
Os dados preliminares, baseados em uma amostra de 190 km de vias, são considerados consistentes e estáveis, e não devem sofrer grandes alterações no relatório final previsto para setembro, que abrangerá 240 km.
FAIXA AZUL ESTIMULA VELOCIDADE
Um dos dados mais alarmantes do estudo refere-se ao comportamento dos motociclistas em relação à velocidade. O monitoramento revelou que 7 em cada 10 motociclistas ultrapassam o limite de velocidade nas vias com Faixa Azul, um comportamento de risco significativamente mais comum do que em vias sem a sinalização, onde apenas 1 em cada 10 adota essa conduta.
O estudo evidencia que o excesso de velocidade aumenta a chance de sinistros e a gravidade das lesões.
“Mais velocidade significa menos tempo para reagir e maior gravidade nas lesões das vítimas envolvidas.
Essa combinação é crítica, especialmente em áreas com travessia de pedestres e conversões de veículos. Definir e fortalecer uma estratégia de fiscalização de velocidades nas Faixas Azuis é imprescindível”, alertou Ezequiel Dantas, diretor de Vigilância de Lesões no Trânsito na Vital Strategies.
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Diante dos dados obtidos, o estudo reforça que os resultados preliminares não apontam para uma recomendação imediata de expansão em larga escala do projeto, pois o aumento do desrespeito aos limites de velocidade torna os motociclistas ainda mais vulneráveis.
A Vital Strategies, diante dos achados, recomenda cautela na expansão em larga escala do projeto Faixa Azul, além de sugerir a melhoria na forma como sinalizações experimentais são avaliadas no país e o reforço na fiscalização de velocidade. Diferentemente de modelos bem-sucedidos na Malásia e Vietnã, onde as pistas para motos são fisicamente separadas, o modelo paulistano não possui segregação física, o que aumenta a complexidade dos riscos.
Para o Professor Mateus Humberto da USP, que fez a apresentação do estudo durante a Conferência Nacional de Segurança Viária - realizada esta semana em Brasília - o estudo, que utiliza uma metodologia científica reconhecida globalmente (Diferença-nas-Diferenças), demonstra que as diretrizes que temos no País para avaliar novas soluções em segurança viária não contemplam métodos robustos para medir, de fato, o impacto dessas inovações.
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“Nas vias com a Faixa Azul, 70% dos motociclistas ultrapassaram o limite de velocidade quando o tráfego estava livre, enquanto que esse percentual caiu para 10% no cenário das vias sem faixa. O que nos leva a concluir que, a Faixa Azul pode oferecer segurança quando separa o motociclista do tráfego de veículos, mas ela também estimula a velocidade”, afirma Flávio Cunto, professor do Departamento de Engenharia de Transporte da Universidade Federal do Ceará (UFC), instituição que também integrou o estudo.
CAUTELA PARA EXPANDIR É O PRINCIPAL RESULTADO DO ESTUDO
Flávio Cunto reforça que a Faixa Azul é uma política experimental que ainda não possui evidências consolidadas. Por isso a cautela. “Seus impactos precisam ser melhor estudados para que haja uma regulação adequada, visando a preservação da vida. Os riscos aumentados nos cruzamentos questionam potenciais ganhos de produtividade que a Faixa Azul possa trazer, com a segurança sendo uma condição essencial”, pontua.
E segue fazendo alertas: “Quando se implanta uma motofaixa o recado é de que estamos abraçando esse tipo de veículo e estimulando que mais pessoas usem, o que pode ser um perigo, principalmente diante dos números de sinistros de trânsito que temos visto no País com condutores e passageiros de motocicletas”, diz.
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“O principal achado é que existe potencial de melhoria, mas a proposta têm pontos que precisam ser enfrentados e discutidos com mais calma”, reforça.
O relatório final, previsto para setembro, trará análises detalhadas por tipo de usuário e gravidade dos sinistros, além de recomendações para critérios mínimos de avaliação de sinalizações experimentais.
DESTAQUES DO ESTUDO:
- O estudo aponta que ainda não é possível concluir que a Faixa Azul, de forma geral, reduz mortes e lesões de trânsito.
- Sinistros em cruzamentos: aumento de +33,5% nos sinistros com motociclistas.
- Sinistros nos trechos entre cruzamentos (meios de quadra): diminuição de 33,1% de sinistros com motociclistas.
- Excesso de velocidade: Nas vias com Faixa Azul, 7 em cada 10 motociclistas circulam acima do limite de velocidade, um Comportamento de risco muito mais comum do que nas vias sem Faixa Azul, onde apenas 1 em cada 10 adota essa conduta.
- Amostra: resultados preliminares com 190 km, com ampliação prevista para 240 km no relatório final de setembro.
Diante dos dados, a Vital Strategies recomenda:
1. Cautela na expansão em larga escala do projeto “Faixa Azul”
2. Melhorar a forma como as sinalizações experimentais devem ser avaliadas no País.
3. Reforço na fiscalização de velocidade, sobretudo para motociclistas nas Faixas Azuis.
NOVAS AUTORIZAÇÕES PARA IMPLANTAÇÃO DA FAIXA AZUL ESTÃO SUSPENSAS
A Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) suspendeu, pelo menos por enquanto, possíveis autorizações para que novos municípios testem a Faixa Azul. Segundo o secretário Nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, até o momento, as únicas cidades que possuem portarias que regulamentam a implementação do projeto experimental são São Paulo, Recife, Salvador, São Bernardo do Campo e Santo André.
E, mesmo assim, algumas não implantaram ainda, como é o caso do Recife, que teve duas autorizações e até agora não implantou nenhuma Faixa Azul. Outros municípios como Diadema (SP), Matão (SP), Betim (MG), Belo Horizonte (MG), Fortaleza (CE) e Porto Alegre (RS) pediram para testar o projeto.
“O Código Brasileiro de Trânsito (CTB) prevê a possibilidade de municípios e estados testarem novas sinalizações de trânsito, mas a Senatran é o órgão responsável por autorizar isso”, explicou Catão.
Segundo o secretário, os técnicos da Senatran vão analisar os dados dos relatórios enviados pelos municípios para entender os efeitos da faixa exclusiva para motos sobre o trânsito.
Em seguida, a secretaria vai definir se vai ou não autorizar mais experimentos. “A análise também será essencial para definir se a faixa será regulamentada oficialmente pela Senatran e demais estudos, como o da USP, UFC e Vital, também vão pesar na decisão”, garantiu.
RECIFE TEVE DUAS AUTORIZAÇÕES PARA IMPLANTAÇÃO DA FAIXA AZUL PARA MOTOS
O Recife foi autorizado pela Senatran a testar em quatro corredores viários da cidade, as polêmicas Faixas Azuis para motos, as motofaixas que vêm sendo testadas desde 2022 em São Paulo.
O teste das motofaixas foi autorizado para importantes vias da cidade. A Avenida Norte e a Estrada do Arraial, na Zona Norte da capital; o Viaduto Capitão Temudo, que integra o Complexo Viário Joana Bezerra e é um corredor de transporte que conecta a Zona Norte e a área central com a Zona Sul; e a Avenida Recife, que conecta as Zonas Sul e Oeste da capital.
A Prefeitura do Recife, via a Autarquia de Trânsito e Transporte do Recife (CTTU), nunca explicou as razões de ter solicitado as autorizações e não ter iniciado os testes com a Faixa Azul para motos na cidade.