CNH sem autoescolas: Aumentam as reações à proposta do governo federal de acabar com a obrigatoriedade de aulas em autoescolas para tirar a CNH
Observatório Nacional de Segurança Viária se une a entidades de trânsito contra o fim das aulas em autoescolas. Feneauto e AND tinham se posicionado
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A proposta do governo federal de eliminar a obrigatoriedade das aulas em Centros de Formação de Condutores (CFCs) para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) continua a gerar forte oposição e preocupação entre as entidades ligadas à segurança viária no Brasil.
Após as reações da Federação Nacional das Autoescolas e Centros de Formação de Condutores (Feneauto) e da Associação Nacional dos Detrans (AND), o Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) também se manifestou contra a proposta do Ministério dos Transportes (MTE).
O ONSV falou em atenção e preocupação e em um alerta para um “potencial grave retrocesso na política pública de trânsito. O CEO do ONSV, Paulo Guimarães, destacou que a medida, mesmo sem detalhamento oficial, contraria diretamente o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRans), que tem a educação para o trânsito como um de seus pilares centrais.
O PNATRans, revisado e aprovado em 2021, enfatiza a requalificação da formação de condutores com foco em competências socioemocionais, percepção de risco e compreensão do trânsito como espaço de convivência social. “A retirada da exigência de formação estruturada ignoraria a função educativa essencial do processo de habilitação”, afirmou.
FORMAÇÃO QUALIFICADA DOS CONDUTORES É FUNDAMENTAL E PROPOSTA NÃO GARANTE ISSO
O Observatório destaca que o comportamento humano é responsável por aproximadamente 90% das mortes no trânsito em rodovias federais, tornando a formação adequada de condutores uma política pública indispensável para a redução de mortes e lesões. A proposta de formação do ONSV, que deu origem à Resolução 726/2018 do Contran - que não teria prosperado devido a lobbies mercadológicos e pressões políticas, segundo o Observatório -, baseia-se na matriz GDE (Goals for Driver Education), priorizando habilidades cognitivas e comportamentais, além de valorizar os CFCs como instituições educacionais e os instrutores como agentes formadores de cultura de paz no trânsito.
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O ONSV argumenta que a desobrigação da formação formal fragiliza a governança, transfere a responsabilidade para o cidadão e rompe com o modelo global de responsabilidade compartilhada. Embora reconheça os desafios de acesso à CNH, especialmente para a população de baixa renda, o Observatório aponta que a nacionalização do programa CNH Social já permite financiar a habilitação gratuita, promovendo inclusão com qualificação, sem abrir mão da segurança.
A entidade reafirma a importância de aprimorar a formação e exige que qualquer mudança seja amplamente debatida com a sociedade e especialistas, visto que o trânsito brasileiro ainda mata mais de 30 mil pessoas por ano.
A PROPOSTA DO GOVERNO FEDERAL EM DETALHES
A proposta, articulada pelo Ministério dos Transportes e apadrinhada pessoalmente pelo ministro Renan Filho, aguarda o aval do Palácio do Planalto, ou seja, do presidente Lula. O secretário-executivo da pasta, George Santoro, afirmou que a medida está pronta e tem como principal objetivo reduzir custos e a burocracia para a emissão da CNH, sem perda de qualidade.
Renan Filho justifica a medida com o argumento de que o alto custo atual da CNH, entre R$ 3 mil e R$ 4 mil, tem levado cerca de 20 milhões de brasileiros a dirigir sem habilitação e outros 60 milhões, com idade para ter o documento, a não possuí-lo, sendo o custo o principal motivo apontado por pesquisas.
O ministro afirma que a informalização causada pelo custo impeditivo aumenta o risco de sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo o CTB e a ABNT) e que a proposta visa baratear o processo para dar condições às pessoas de se qualificarem.
Ele defende que os cursos continuarão sendo oferecidos por instrutores qualificados, com supervisão da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) e dos Detrans, e que a medida representa um grande avanço civilizatório.
Renan Filho também mencionou as desigualdades sociais no acesso à habilitação, especialmente para mulheres, e a atuação de máfias no setor que se aproveitam do alto custo para reprovar candidatos e forçá-los a pagar novamente, o que seria combatido pela desburocratização e barateamento. O ministro garante que a proposta pode ser implementada por regulamentação, sem necessidade de aprovação do Congresso Nacional.
FENEAUTO FAZ ALERTA PARA USO POLÍTICO DA PROPOSTA DO MINISTRO RENAN FILHO
A Federação Nacional das Autoescolas e Centros de Formação de Condutores (Feneauto), a primeira a reagir à proposta e, sem dúvida, a mais interessada no assunto por representar o setor, foi surpreendida pela divulgação em entrevista, após mais de seis pedidos de reunião não atendidos nos últimos dois anos e meio. A entidade alerta que o fim das autoescolas significaria o fechamento de 15 mil empresas e a extinção de mais de 300 mil postos de trabalho.
A Feneauto argumentou que a educação é um direito de todos e dever do Estado conforme a Constituição Federal, e que o ato de um ministro não pode suprimir esse direito social, especialmente a educação no trânsito, que é uma política de segurança pública.
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“A proposta do governo é vista como contraditória a estudos que apontam o aumento do custo social de sinistros para o SUS, Previdência Social e famílias”. A Federação também destaca que a competência legislativa sobre trânsito é do Congresso Nacional, que não pode ser excluído do debate.
Além disso, a Feneauto contesta veementemente o valor médio para obtenção da CNH divulgado pelo ministro, afirmando que estudos da Senatran e dados da CNH Social indicam um valor bem abaixo, em torno de R$ 1.350,00 para a formação teórica e prática, e que o ministro não aborda as taxas cobradas pelos Estados.
A Federação sugere que a proposta é uma estratégia política pessoal do ministro e que o próprio governo federal, através do programa CNH Social, demonstra que não pretende acabar com o setor de formação. A Feneauto exige a publicação de parecer jurídico e Análise de Impacto Regulatório que justifiquem o fechamento de empresas e a supressão da educação no trânsito.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DETRANS ENTRA NA POLÊMICA, MAS COM CAUTELA
A Associação Nacional dos Detrans (AND) adotou um tom cauteloso em sua reação, enfatizando que seu posicionamento não foi contrário à proposta em si, mas sim a favor de um debate aprofundado. A AND destacou a necessidade de discussão com especialistas e a sociedade organizada antes de qualquer avanço na medida.
A entidade defendeu que o foco principal deve ser a qualidade da formação dos condutores, mas reconheceu o elevado valor para obter a CNH atualmente no Brasil como um problema. A AND afirmou estar acompanhando de perto a intenção do governo e pediu cautela, pois a proposta ainda não foi comunicada oficialmente. A Associação também está articulando uma agenda com a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) e com o ministro Renan Filho para tratar o tema "com a seriedade e profundidade que ele exige".
O presidente da AND, Givaldo Vieira, reforçou que o principal foco nas tratativas é a valorização da educação para o trânsito, essencial para preservar e reforçar a qualidade da formação dos motoristas, especialmente em um país com altos índices de condutores não habilitados.
A AND defende que a formação de condutores deve priorizar a segurança viária e contribuir efetivamente para a redução de acidentes e mortes no trânsito, declarando que a educação no trânsito salva vidas e deve ser tratada como prioridade absoluta em qualquer política pública relacionada à mobilidade.
A entidade também considera essencial buscar alternativas que tornem a obtenção da CNH mais acessível, desde que "não se comprometa a excelência no processo de aprendizagem".