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CNH sem autoescolas: Aumentam as reações à proposta do governo federal de acabar com a obrigatoriedade de aulas em autoescolas para tirar a CNH

Observatório Nacional de Segurança Viária se une a entidades de trânsito contra o fim das aulas em autoescolas. Feneauto e AND tinham se posicionado

Por Roberta Soares Publicado em 31/07/2025 às 11:45 | Atualizado em 31/07/2025 às 12:32

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A proposta do governo federal de eliminar a obrigatoriedade das aulas em Centros de Formação de Condutores (CFCs) para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) continua a gerar forte oposição e preocupação entre as entidades ligadas à segurança viária no Brasil.

Após as reações da Federação Nacional das Autoescolas e Centros de Formação de Condutores (Feneauto) e da Associação Nacional dos Detrans (AND), o Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) também se manifestou contra a proposta do Ministério dos Transportes (MTE).

O ONSV falou em atenção e preocupação e em um alerta para um “potencial grave retrocesso na política pública de trânsito. O CEO do ONSV, Paulo Guimarães, destacou que a medida, mesmo sem detalhamento oficial, contraria diretamente o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRans), que tem a educação para o trânsito como um de seus pilares centrais.

O PNATRans, revisado e aprovado em 2021, enfatiza a requalificação da formação de condutores com foco em competências socioemocionais, percepção de risco e compreensão do trânsito como espaço de convivência social. “A retirada da exigência de formação estruturada ignoraria a função educativa essencial do processo de habilitação”, afirmou.

FORMAÇÃO QUALIFICADA DOS CONDUTORES É FUNDAMENTAL E PROPOSTA NÃO GARANTE ISSO

DAY SANTOS/JC IMAGEM
Proposta de felxibilização da retirada da CNH assusta setor de segurança viária num momento em que o País vive uma explosão dos sinsitros de trânsito com ocupantes de motos, puxado pelo Uber e 99 Moto - DAY SANTOS/JC IMAGEM

O Observatório destaca que o comportamento humano é responsável por aproximadamente 90% das mortes no trânsito em rodovias federais, tornando a formação adequada de condutores uma política pública indispensável para a redução de mortes e lesões. A proposta de formação do ONSV, que deu origem à Resolução 726/2018 do Contran - que não teria prosperado devido a lobbies mercadológicos e pressões políticas, segundo o Observatório -, baseia-se na matriz GDE (Goals for Driver Education), priorizando habilidades cognitivas e comportamentais, além de valorizar os CFCs como instituições educacionais e os instrutores como agentes formadores de cultura de paz no trânsito.

O ONSV argumenta que a desobrigação da formação formal fragiliza a governança, transfere a responsabilidade para o cidadão e rompe com o modelo global de responsabilidade compartilhada. Embora reconheça os desafios de acesso à CNH, especialmente para a população de baixa renda, o Observatório aponta que a nacionalização do programa CNH Social já permite financiar a habilitação gratuita, promovendo inclusão com qualificação, sem abrir mão da segurança.

A entidade reafirma a importância de aprimorar a formação e exige que qualquer mudança seja amplamente debatida com a sociedade e especialistas, visto que o trânsito brasileiro ainda mata mais de 30 mil pessoas por ano.

A PROPOSTA DO GOVERNO FEDERAL EM DETALHES

A proposta, articulada pelo Ministério dos Transportes e apadrinhada pessoalmente pelo ministro Renan Filho, aguarda o aval do Palácio do Planalto, ou seja, do presidente Lula. O secretário-executivo da pasta, George Santoro, afirmou que a medida está pronta e tem como principal objetivo reduzir custos e a burocracia para a emissão da CNH, sem perda de qualidade.

Renan Filho justifica a medida com o argumento de que o alto custo atual da CNH, entre R$ 3 mil e R$ 4 mil, tem levado cerca de 20 milhões de brasileiros a dirigir sem habilitação e outros 60 milhões, com idade para ter o documento, a não possuí-lo, sendo o custo o principal motivo apontado por pesquisas.
O ministro afirma que a informalização causada pelo custo impeditivo aumenta o risco de sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo o CTB e a ABNT) e que a proposta visa baratear o processo para dar condições às pessoas de se qualificarem.

Ele defende que os cursos continuarão sendo oferecidos por instrutores qualificados, com supervisão da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) e dos Detrans, e que a medida representa um grande avanço civilizatório.

Renan Filho também mencionou as desigualdades sociais no acesso à habilitação, especialmente para mulheres, e a atuação de máfias no setor que se aproveitam do alto custo para reprovar candidatos e forçá-los a pagar novamente, o que seria combatido pela desburocratização e barateamento. O ministro garante que a proposta pode ser implementada por regulamentação, sem necessidade de aprovação do Congresso Nacional.

FENEAUTO FAZ ALERTA PARA USO POLÍTICO DA PROPOSTA DO MINISTRO RENAN FILHO

Agência Brasil
Ministério dos Transportes está com proposta que desobriga as aulas em autoescolas para retirada da CNH - Agência Brasil

A Federação Nacional das Autoescolas e Centros de Formação de Condutores (Feneauto), a primeira a reagir à proposta e, sem dúvida, a mais interessada no assunto por representar o setor, foi surpreendida pela divulgação em entrevista, após mais de seis pedidos de reunião não atendidos nos últimos dois anos e meio. A entidade alerta que o fim das autoescolas significaria o fechamento de 15 mil empresas e a extinção de mais de 300 mil postos de trabalho.

A Feneauto argumentou que a educação é um direito de todos e dever do Estado conforme a Constituição Federal, e que o ato de um ministro não pode suprimir esse direito social, especialmente a educação no trânsito, que é uma política de segurança pública.

“A proposta do governo é vista como contraditória a estudos que apontam o aumento do custo social de sinistros para o SUS, Previdência Social e famílias”. A Federação também destaca que a competência legislativa sobre trânsito é do Congresso Nacional, que não pode ser excluído do debate.

Além disso, a Feneauto contesta veementemente o valor médio para obtenção da CNH divulgado pelo ministro, afirmando que estudos da Senatran e dados da CNH Social indicam um valor bem abaixo, em torno de R$ 1.350,00 para a formação teórica e prática, e que o ministro não aborda as taxas cobradas pelos Estados.

A Federação sugere que a proposta é uma estratégia política pessoal do ministro e que o próprio governo federal, através do programa CNH Social, demonstra que não pretende acabar com o setor de formação. A Feneauto exige a publicação de parecer jurídico e Análise de Impacto Regulatório que justifiquem o fechamento de empresas e a supressão da educação no trânsito.

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DETRANS ENTRA NA POLÊMICA, MAS COM CAUTELA

A Associação Nacional dos Detrans (AND) adotou um tom cauteloso em sua reação, enfatizando que seu posicionamento não foi contrário à proposta em si, mas sim a favor de um debate aprofundado. A AND destacou a necessidade de discussão com especialistas e a sociedade organizada antes de qualquer avanço na medida.

A entidade defendeu que o foco principal deve ser a qualidade da formação dos condutores, mas reconheceu o elevado valor para obter a CNH atualmente no Brasil como um problema. A AND afirmou estar acompanhando de perto a intenção do governo e pediu cautela, pois a proposta ainda não foi comunicada oficialmente. A Associação também está articulando uma agenda com a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) e com o ministro Renan Filho para tratar o tema "com a seriedade e profundidade que ele exige".

O presidente da AND, Givaldo Vieira, reforçou que o principal foco nas tratativas é a valorização da educação para o trânsito, essencial para preservar e reforçar a qualidade da formação dos motoristas, especialmente em um país com altos índices de condutores não habilitados.

A AND defende que a formação de condutores deve priorizar a segurança viária e contribuir efetivamente para a redução de acidentes e mortes no trânsito, declarando que a educação no trânsito salva vidas e deve ser tratada como prioridade absoluta em qualquer política pública relacionada à mobilidade.
A entidade também considera essencial buscar alternativas que tornem a obtenção da CNH mais acessível, desde que "não se comprometa a excelência no processo de aprendizagem".

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