Mortes no trânsito aumentam 10% no Recife e atingem maior taxa em sete anos
Tendência de crescimento vem sendo verificada na capital desde o fim da pandemia e se confirma mais uma vez em 2024. Dados são preliminares

A violência no trânsito não para de crescer no Recife. A capital pernambucana registrou um aumento de 10% nas mortes por sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo o CTB e a ABNT) entre 2023 e 2024. O crescimento elevou a taxa de fatalidades para mais de 10 mortes por 100 mil habitantes em 2024, marcando a maior taxa registrada na cidade desde 2017.
A série histórica apresentada no relatório mostra que, após um período de flutuações, o número de mortes no Recife chegou a 159 vítimas em 2024, um aumento em relação aos 144 registrados em 2023 e significativamente superior aos 107 de 2017. Essas informações, que permitem a identificação de padrões e perfis das vítimas de trânsito, são fundamentais para orientar as estratégias e políticas destinadas a promover a segurança viária na cidade.
Os dados fazem parte do Relatório Preliminar de Mortes no Trânsito 2025 - acessado pela Coluna Mobilidade no site oficial da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) - e estão estruturados a partir dos registros do Comitê Municipal de Prevenção de Acidentes (COMPAT) e da Secretaria de Defesa Social (SDS).
Os relatórios vêm sendo publicados desde 2020, quando teve início a parceria da Prefeitura do Recife com a Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária Global (BIGRS), e têm o objetivo de fornecer uma análise atualizada para avaliar a série histórica e identificar padrões e perfis das vítimas, orientando estratégias e políticas voltadas para a promoção da segurança viária na cidade.
EXCESSO DE VELOCIDADE PREDOMINA MAIS UMA VEZ E OCUPANTES DE MOTOS SÃO AS PRINCIPAIS VÍTIMAS
O excesso de velocidade continua sendo o principal fator de risco associado às mortes registradas no trânsito do Recife. E os ocupantes de motos seguem como as principais vítimas fatais. Um dado que chama a atenção é a mudança no tipo principal de vítima: até 2022, os pedestres eram as principais vítimas que morriam no trânsito. Contudo, no ano de 2023, os motociclistas passaram a ser as principais vítimas, seguidos pelos pedestres.
E em 2024 essa tendência se consolidou, com o percentual de 43% se repetindo tanto para pedestres quanto para motociclistas. Os ocupantes de veículos de quatro rodas representaram 9% dos óbitos e os ciclistas, 5%. O Relatório Preliminar de Mortes no Trânsito 2025 também detalha o perfil básico das vítimas fatais: 81% são homens, e 34% delas têm idade entre 20 e 39 anos.
MAIORIA DAS MORTES ACONTECEM À NOITE E, MESMO ASSIM, RECIFE DESLIGA A FISCALIZAÇÃO ELETRÔNICA DAS 22H ÀS 5H
Outro dado que, mais uma vez, chama atenção no relatório é que a maioria das mortes no trânsito da capital pernambucana aconteceram à noite em 2024. 55% das vítimas fatais morreram em sinistros que ocorreram à noite ou de madrugada (entre 18h e 5h59).
O horário da noite (entre 18h e 0h) responde por 30% das mortes, enquanto a madrugada (0h às 6h) registra 25% dos sinistros com vítimas fatais. Os números são ainda mais impressionantes quando se lembra que, por decisão da Justiça de Pernambuco - provocada pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) -, o Recife ‘desliga’ há 18 anos toda a fiscalização eletrônica da cidade, incluindo a de velocidade.
É a única capital brasileira que faz isso, vale destacar.
CENÁRIO É ALARMANTE E, INFELIZMENTE, NACIONAL
O aumento dos sinistros de trânsito com mortes não é exclusivo do Recife, é importante destacar. Uma análise dos dados mais recentes revela um cenário alarmante de aumento nas fatalidades e sinistros de trânsito em importantes centros urbanos e estados brasileiros, como Fortaleza (CE), Salvador (BA) e o estado de São Paulo.
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Em Fortaleza, o crescimento dos óbitos e a preocupação com motociclistas
Em 2024, Fortaleza registrou 157 vítimas fatais no trânsito. O Relatório Preliminar de Mortes no Trânsito 2025 apontou um aumento de 17% no número de vítimas fatais entre 2023 e 2024. Em relação aos ocupantes de motocicletas (condutores e passageiros), houve um aumento de 33% nas mortes entre 2023 e 2024, enquanto para pedestres e ciclistas a situação se manteve estável.


Os usuários de motocicletas representaram mais da metade (55%) das mortes no trânsito em Fortaleza, seguidos por pedestres com 32% das fatalidades. Ocupantes de veículos motorizados de quatro rodas corresponderam a 5%, e ciclistas, 8%. A distribuição por gênero aponta que 80% das vítimas fatais eram do sexo masculino e 20% do feminino. Em termos de faixa etária, a maioria das vítimas (56%) estava na faixa de 30 a 59 anos, seguida por 18 a 29 anos (21%), 60+ anos (19%) e 0-17 anos (4%).
A análise por tipo de via também é preocupante: em 2024, houve um aumento de 3% nas mortes por sinistros de trânsito registradas em vias municipais. Nas vias federais e estaduais, o aumento foi ainda mais acentuado, com 89% e 42% de crescimento, respectivamente. Apesar desses aumentos recentes, um indicador da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta uma redução de 52% no risco de morte no trânsito nos últimos 10 anos na cidade.
Salvador: Números de mortos e feridos em crescimento
A capital baiana, Salvador, também enfrenta um recrudescimento nos sinistros de trânsito. O número de mortos subiu para 148 em 2024, um aumento significativo em relação aos 118 óbitos registrados em 2023.
A série histórica de vítimas fatais em Salvador confirma a tendência de alta recente, depois de um período de redução:
2017: 121 mortos
2018: 113 mortos
2019: 133 mortos
2020: 130 mortos
2021: 117 mortos
2022: 111 mortos
2023: 118 mortos
2024: 148 mortos
Além das fatalidades, o número de feridos em sinistros de trânsito também cresceu, atingindo 4.718 em 2024, contra 4.252 em 2023. O total de sinistros com mortes aumentou de 113 em 2023 para 146 em 2024, e os sinistros com feridos passaram de 3.483 para 3.779 no mesmo período. É importante notar que esses dados não incluem mortes de sinistros ocorridos fora de Salvador.
ALERTAS PARA A EXPLOSÃO NACIONAL DE SINISTROS COM MORTES
Flávio Cunto, professor do departamento de engenharia de transporte da Universidade Federal do Ceará (UFC), que colabora com a Johns Hopkins University (EUA) e atua no monitoramento de fatores de risco para a Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária Global (BIGRS) em cidades como Recife, Salvador e Fortaleza, faz alertas sobre a tendência nacional de crescimento.
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“Temos observado, desde o fim da pandemia, uma tendência de crescimento em todas as cidades que são monitoradas, como Recife, São Paulo, Campinas, Salvador e Fortaleza. Na capital cearense, por exemplo, apesar de uma série histórica de quase 10 anos que mostrava estabilização e um leve aumento, houve um crescimento de 7% de 2023 para 2024, alinhando-se a essa tendência preocupante. “No caso do Recife o aumento foi ainda maior”, destaca.
A EXPLOSÃO DAS MOTOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Analisando os cenários do Recife, Fortaleza e Salvador, Flávio Cunto destaca que o mais alarmante é o crescente e descontrolado uso da motocicleta, evidenciado nos últimos cinco anos. O número de motocicletas tem crescido de três a quatro vezes mais rápido que o de carros. Mais do que o aumento no número de veículos, o professor Cunto destaca a quantidade de quilômetros rodados em motocicletas, um fenômeno impulsionado pela proliferação dos serviços de entrega e transporte por aplicativos.
“Essa realidade tem um impacto direto e severo na segurança viária. A viagem média de um motociclista de aplicativo, que antes girava em torno de 150 a 200 km, agora pode atingir 300 km. E o modelo de remuneração desses aplicativos é muito cruel quando analisado sob a ótica da segurança viária”, diz.
Para o professor, essa ‘crueldade’ se reflete diretamente no excesso de velocidade, que é considerado o grande desafio das cidades nos próximos semestres porque é uma tendência que deve perdurar por um bom tempo.
FISCALIZAÇÃO E MELHORIAS NO TRANSPORTE PÚBLICO SÃO URGENTES
Na visão do especialista, para reverter esse quadro nas cidades, é fundamental que o sistema de transporte público passe por melhorias significativas, incluindo a implementação de corredores de BRT, integração temporal e tarifas mais acessíveis.
Outro ponto evidenciado por Flávio Cunto é a redução perceptível nas ruas da fiscalização de trânsito, um dos pilares fundamentais da segurança no trânsito. “Nós temos observado uma redução na fiscalização e no número de agentes de trânsito. Por isso, é fundamental que haja vontade política para que a segurança viária seja tratada como um verdadeiro programa de estado. A falta de investimento em prevenção acarreta uma drenagem de recursos para a reabilitação de pessoas que foram vítimas do trânsito. Não era para ser assim”, diz.