Recife sem radares: desligamento da fiscalização de velocidade no Recife aumentou em 81% o número de sinistros com vítimas, aponta levantamento
Com base nos dados abertos do município, foi constatado que de julho de 2023 a maio de 2024, 3.545 pessoas foram vítimas de sinistros de trânsito

O desligamento parcial da fiscalização eletrônica de velocidade por problemas na licitação pública geraram um custo alto à segurança viária do Recife. Um levantamento realizado pela Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife (Ameciclo) apontou que houve uma explosão no número de sinistros de trânsito com vítimas na capital em 2024.
O estudo revelou que o aumento foi de 81,3% quando comparado com o mesmo período de 2023, época em que os radares estavam em pleno funcionamento na cidade - o desligamento foi descoberto pela imprensa apenas no início de 2024. Com base nos dados abertos do próprio município, foi constatado que de julho de 2023 a maio de 2024, 3.545 pessoas foram vítimas de sinistros de trânsito no Recife (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo o CTB e a ABNT).
Segundo o levantamento da Ameciclo, o crescimento das ocorrências foi mais acentuado no segundo semestre de 2023, com um salto de 73% em relação ao mesmo período de 2022. E que, em 2024, os dados foram ainda mais alarmantes: até maio do ano passado, os sinistros aumentaram 82,9% em relação a 2023 e chegaram a 139% em relação a 2022.
A análise mostra que a explosão dos sinistros coincide com a queda brusca nas autuações por excesso de velocidade, que despencaram pela metade após julho de 2023, quando teve início a desativação dos equipamentos. Antes do desligamento dos radares, a média mensal era de 17.624 autuações.
Devido ao desligamento, no segundo semestre de 2023 as notificações cairam para 8.937. Enquanto isso - aponta o levantamento -, infrações como avanço de semáforo e estacionamento irregular permaneceram estáveis, o que confirma que a redução foi provocada pela desativação da fiscalização eletrônica e, não, por um suposto aumento de consciência dos motoristas para respeitar a velocidade das vias.
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"A fiscalização eletrônica é responsável por garantir o mínimo de segurança em alguns pontos da cidade e o desligamento geral ocorrido entre 2023 e 2024 ampliou os sinistros de trânsito, que já são extremamente altos na nossa cidade. As pessoas que cometem irresponsabilidades ao volante falam de uma suposta indústria da multa, mas, na verdade, o que existe no Recife é uma verdadeira indústria da morte", alerta Daniel Valença, coordenador do grupo de pesquisa da Ameciclo.
MUNICÍPIO AINDA PERDEU R$ 18 MILHÕES EM ARRECADAÇÃO COM MULTAS


Além das consequências negativas para a segurança viária, o levantamento da Ameciclo também constatou que a retirada dos radares provocou um prejuízo financeiro para o município. A arrecadação com multas caiu R$ 18 milhões, o que representa uma redução de 23%.
Por outro lado, enquanto as autuações por velocidade despencaram, houve um aumento de 15% nas autuações por estacionamento irregular, o que, no entendimento da entidade, pode levantar questionamentos sobre uma possível tentativa de compensação.
CONFIRA o estudo completo:
Análise Das Consequências Do Desligamento Da Fiscalização Eletrônica No Recife by Roberta Soares
O levantamento serviu como informação adicional no requerimento que a Ameciclo deu entrada no Ministério Público de Pernambuco (MPPE) pedindo o religamento da fiscalização eletrônica de velocidade à noite e de madrugada. Entre as ações propostas estão o restabelecimento da fiscalização eletrônica em tempo integral, conforme exige a Lei Municipal nº 18.887/2021, a revisão das decisões judiciais que restringem a fiscalização noturna e maior transparência na gestão da segurança viária.
Os radares só começaram a ser reativados no Recife em agosto de 2024.
RECIFE DESLIGA A FISCALIZAÇÃO DE VELOCIDADE À NOITE HÁ 18 ANOS, VALE LEMBRAR
Desde 2006, por força de uma decisão judicial, o Recife passou a desligar todo e qualquer equipamento de fiscalização eletrônica de trânsito à noite, sejam os que controlam a velocidade, como os de avanço de semáforo. Não se tem notícia de outra cidade brasileira que faça o mesmo.
Na época, o juiz José Marcelon Luiz e Silva, então na 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital, determinou o desligamento dos equipamentos das 22h às 5h (em 2006 eram apenas os bandeirões, chamados de lombadas).
O magistrado foi favorável a uma ação civil pública do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), que teve como autora a promotora Andréa Nunes. O Recife tinha apenas três equipamentos (Na Cabanga, na Avenida Alfredo Lisboa e na Avenida Abdias de Carvalho) e o argumento do MPPE era de que havia um aumento no número de assaltos nessas áreas.





Embora os registros não fossem, comprovadamente, nos pontos onde havia fiscalização eletrônica. A CTTU recorreu até onde foi possível, mas em 2012 a apelação foi julgada pela 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), que confirmou a sentença de 1º grau. E, em 2013, a decisão transitou em julgado, ou seja, não cabia mais recursos para modificação da sentença.
O mais grave é que os números da própria gestão municipal mostram o estrago que esse desligamento promove não só moralmente - porque estimula o desrespeito aos limites por condutores infratores -, mas também na prática. O horário das 22h às 5h responde, em média, por até 40% de todas as mortes provocadas por colisões e atropelamentos na cidade.
Para alarmar ainda mais, é importante lembrar que esses índices são registrados quando a frota circulante de veículos sofre uma redução de mais de 60%. Os dados comprovam o que estudiosos da segurança viária alardeiam há anos no País: que a fiscalização eletrônica de velocidade e de avanço de semáforos é ainda mais importante à noite porque é nesse turno quando o condutor mais acelera e ainda arrisca misturar bebida e direção.
A reportagem aguarda retorno da Prefeitura do Recife, através da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU).