Recife: onde o Brasil se vê
Novo livro de Ubiratan Muarrek traz uma tragicomédia em dois atos e meio, e será lançado na cidade nesta segunda, 30, na Livraria do Jardim

Ao lado de filmes como os de Kleber Mendonça Filho e das séries e novelas de TV que ganham sotaques verdadeiros de artistas pernambucanos, a literatura brasileira contemporânea também oferece o caldo de cultura, história e fazer criativo do Recife e de outros cantos do estado. É a vez de “Meio do céu”, de Ubiratan Muarrek, publicado pela Assírio & Alvim, ganhar a atenção nacional. A obra terá lançamento com a presença do autor, que é paulista, na capital pernambucana nesta segunda, 30.
A cidade cortada por pontes e insurreições serve de inspiração para a escrita em forma de diálogo teatral, apresentada como um novo tipo de prosa. Sem narrador, o drama tragicômico se mostra aos leitores através de vozes, na maioria das vezes, dissonantes. De “personagens com comportamentos que, de tão exacerbadamente normais, parecem loucos e a mescla pulsa em uma situação pouco abordada, ainda que comum: tresloucados recifenses em Londres. Estranhos familiares, como diria Freud”, afirma na orelha do livro o dramaturgo Leo Lama.
O lançamento será na Livraria do Jardim, a partir das 7 da noite. O autor conversa com Fernanda Pessoa, antes dos autógrafos. Para o JC, Muarrek concedeu a entrevista que segue, onde defende “o Recife como parâmetro central da cultura brasileira”.
Por que o Recife? Como a cidade surgiu pra você na forma de imaginário literário?
Ubiratan Muarrek - Em primeiro lugar pelo seu sotaque. Sou apaixonado pelo português falado aqui, sua musicalidade e ritmo, suas expressões e dramaticidade, seu apego tanto à tradição quanto ao futuro. Escrever em “recifês” revolucionou minha escrita, e agora tenho um problema: escrever na minha própria língua de paulista se tornou unidimensional e até monótono! Surgiu também pela força de sua cultura, tanto tradicional quanto para o Brasil de hoje. Meu livro embute uma ideia literária: o Recife como parâmetro central da cultura brasileira.
A realidade em "Meio do céu" é partida, separada em dois mundos, segundo Angélica de Moraes. O Recife é uma parte ou síntese dessa cisão?
Ubiratan Muarrek - Ambos. Certamente. E daí vem a sua força. Isso a meu ver tem raízes históricas, do modelo econômico brasileiro que nasce aqui – o latifúndio, a escravidão, a disparidade -e que se espraia numa história de lutas e insurreições. Tudo isso promove um caldo de cultura quase insano. Há uma insanidade bem-vinda que emana dessa cidade – falo de um Recife quase mítico, que é o que me encanta aqui.
A narrativa em fluxo de diálogos exprime uma necessidade de comunicação que, por paradoxal que pareça, não é atendida em nosso tempo de comunicação instantânea?
Ubiratan Muarrek - Vejo isso mais em termos literários do que propriamente sociológicos. O desafio de escrever bons diálogos num trabalho de dramaturgia é informar o leitor do que se passa com os personagens ao mesmo tempo em que se avança na questão dramática. Criar essa tensão permanente é a maior dificuldade – e também a maior alegria, quando se consegue.
O que o diálogo oferece aos leitores?
Ubiratan Muarrek - Como o diálogo é ação, ele revela o caráter do personagem; se você é bem-sucedido, o leitor reconhece isso, e estabelece uma relação emocional imediata com ele. Se passarmos isso para uma análise mais ampla e social, como sua pergunta induz, eu diria que ao nos afastarmos dessa comunicação face a face, da conversa com o outro pura e simplesmente, nos afastamos de sua alma e de seu caráter. E isso cria o caos das relações em que estamos vivendo.
Qual sua expectativa para a leitura de "Meio do céu" no Recife?
Ubiratan Muarrek - Eu estava um pouco apreensivo, pra ser sincero. Há essa conversa toda do lugar de fala, de apropriação cultural e coisa e tal, que sinceramente não me diz nada em termos artísticos. Mas felizmente as leituras de recifenses sobre meu trabalho vão no sentido oposto. A cultura, como diz Susan Sontag, é um vírus. Eu fui contaminado pela cultura de Recife e Pernambuco para este trabalho, e o povo daqui está reconhecendo isso. O Brasil afinal é um só, e essa riqueza deve estar acessível e ser compartilhada por todos.
Nurit Bensusan e o futuro
A bióloga e doutora em Educação Nurit Bensusan é a convidada desta segunda, 30, no Sempre Um Papo Paracatu. A conversa sobre “O presente é uma máquina de fazer futuros” com Afonso Borges será na Casa de Cultura, no centro da cidade mineira, às 19h30. Na ocasião, ela autografa “Nuances: respostas inteligentes para perguntas inquietantes”, publicação da MilFolhas.
A vida é traição
Raimundo Carrero lança o seu novíssimo livro pela Record nesta quinta, 3, no Recife. “A vida é traição” chega como uma carta ao mundo, segundo o autor. O romance aborda temas como a memória e as perdas, por meio de um personagem atormentado pela morte da mãe. Na Livraria Jaqueira do Recife Antigo, a partir das 5 da tarde.
Castro Neves na ABL
Será na sexta, 11 de julho, a posse do novo integrante da Academia Brasileira de Letras (ABL), José Roberto de Castro Neves. A recepção será feita pelo pernambucano Joaquim Falcão. No Salão Nobre da entidade, no Rio de Janeiro, a partir das 8 da noite.
Encontro na livraria
Em sua noite de autógrafos de “Devocional + Forte na fé”, publicado pela Editora Vida, na Livraria da Vila do Shopping JK, em São Paulo, a escritora, atriz e influenciadora Karina Bacchi se encontrou com a empresária Liana Nunes. “Eu me senti como se fosse da família! A minha conexão espiritual com a Karina foi simplesmente mágica”, disse Liana.
O pequeno herói preto
A editora Malê traz a versão literária do espetáculo infantojuvenil “O pequeno herói preto”. O livro é escrito por Junior Dantas e Cristina Moura, com ilustrações de Rodrigo Andrade. As aventuras de um menino de 10 anos são inspiradas “nas infâncias negras e na força das raízes brasileiras”.
Mumbo Jumbo
A Zain publica no Brasil a obra afro-surrealista de Ishmael Reed. “Mumbo Jumbo” foi publicado originalmente em 1972, e faz uma mistura de gêneros textuais tida como referencial por grandes críticos, como Harold Bloom. A tradução é de João Vitor Schmidt, e a data para chegada às livrarias é nesta terça, 1 de julho.
Mais amigos, menos romantismo
A jornalista Rhaina Cohen publica pela Vestígio o livro “A vida é melhor com amigos”. Para a autora, o amor romântico deve abrir espaço para a parceria transformadora que pode ser conquistada por amizades profundas. Esse novo foco seria inclusive alternativa ao “casamento obrigatório, a norma social que estabelece o par romântico como o único modelo legítimo de parceria adulta”.
Tudo gira e passa
Samantha Harvey, em “Orbital”, publicado pela DBA com tradução de Adriano Scandolara: “Tudo, tudo gira e passa. (...) Como estamos escrevendo o futuro da humanidade? Não estamos escrevendo coisa alguma, nós é que estamos sendo escritos. Somos folhas sopradas pelo vento. Pensamos que somos o vento, mas somos apenas a folha”.