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Fim do DPVAT: Em Pernambuco, fim do seguro das vítimas do trânsito impactou o SUS em R$ 14,5 milhões num ano

Esses valores posicionam Pernambuco como o 12º estado brasileiro com maiores gastos do SUS com vítimas do trânsito em 2024, segundo o IPEA

Por Roberta Soares Publicado em 28/07/2025 às 12:50 | Atualizado em 28/07/2025 às 12:58

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O fim do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) tem impactado financeiramente o serviço de saúde pública dos estados brasileiros. Em Pernambuco, somente em 2024, o Estado arcou com R$ 14.592.760,86 em custos hospitalares para o Sistema Único de Saúde (SUS) decorrentes de sinistros de trânsito.

Esses valores posicionam Pernambuco como o 12º estado com maiores gastos no Brasil no ano passado, dentro de uma escala de despesas que variaram entre R$ 936 mil (do Amapá, o estado que teve o menor custo) e mais de R$ 100 milhões (valor de São Paulo, o líder no ranking de maiores custos). Vale destacar que o DPVAT era uma das mais importantes fontes de recursos do SUS.

Em 2024, o Sistema Único de Saúde desembolsou R$ 449,87 milhões com internações de vítimas de sinistros de trânsito em todo o Brasil, cobrindo desde atendimentos de emergência até reabilitações prolongadas. Este valor contrasta drasticamente com a perda anual de repasses do DPVAT, que superavam R$ 580 milhões desde 2021 e historicamente destinavam 45% de sua arrecadação para custear a assistência médico-hospitalar às vítimas.

Os dados fazem parte de um levantamento do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) com base nos dados do DataSUS e divulgado pelo portal G1.

No Nordeste, Pernambuco só fica atrás do Ceará, que está na quarta posição com o custo das vítimas do trânsito no valor de R$ 27.125.053,69 e da Bahia, em sexto lugar com uma despesa do SUS de R$ 23.882.345,42.

COMO SEMPRE, REGIÃO NORDESTE SE DESTACA NEGATIVAMENTE

WERTHER SANTANA/AE
O JC apresentou por uma semana a série de reportagens Transporte por moto: O Brasil precisa enfrentar, sobre a necessidade de o Brasil enfrentar a criação de regras para o transporte de passageiros com motos - WERTHER SANTANA/AE

A situação do Nordeste é particularmente grave. A região é a mais violenta no trânsito brasileiro, sendo a que mais sofre com o fim do DPVAT. Em 2023, o Nordeste registrou um aumento considerável de 8,40% nas mortes por sinistro, com destaque para Bahia (+15%), Piauí (+14%) e Pernambuco (+11%). As principais vítimas na região são os ocupantes de motocicletas, cujas mortes aumentaram 11,77% em 2023, totalizando 13.477 óbitos e sendo influenciadas pelo crescimento de aplicativos de transporte e entrega. A faixa etária mais atingida entre os motociclistas é a de 20 a 24 anos.

A CRESCENTE CARGA FINANCEIRA NO SUS COM AS VÍTIMAS DO TRÂNSITO

Os gastos hospitalares com sinistros de trânsito no Brasil têm apresentado uma curva de crescimento quase constante nos últimos 27 anos. Em 1998, o SUS gastou R$ 301,7 milhões com internações decorrentes dessas colisões, quedas e atropelamentos. Em 2024, esse valor atingiu R$ 449,87 milhões, representando um aumento real de aproximadamente 49%. O maior salto foi observado entre 2008 e 2009, quando os gastos passaram de R$ 280,37 milhões para R$ 386,19 milhões, um aumento de 38%.

Apesar de uma breve redução nos gastos em alguns anos (como em 2008, 2012, 2015, 2016, 2018 e 2020), a tendência geral é de alta. Mesmo durante os anos mais críticos da pandemia de Covid-19, período em que houve uma redução no tráfego de veículos, os gastos com sinistros não diminuíram de forma significativa, permanecendo em R$ 404,93 milhões em 2020, apenas 15,8% abaixo do pico de 2014.

Historicamente, entre 2011 e 2020, o SUS recebeu mais de R$ 5,8 bilhões por meio da arrecadação do DPVAT, com valores anuais que, por exemplo, atingiram R$ 595 milhões em 2020 e R$ 1,3 bilhão em 2014. A suspensão do DPVAT, autorizada em 2021 pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), foi justificada pela intenção de evitar fraudes e reduzir os custos de supervisão e regulação.

FIM DO DPVAT PROVOCA DESAMPARO SOCIAL E AFASTA BRASIL DAS METAS DA ONU

Acervo JC Imagem
A urgência na recriação do DPVAT acontece porque não há mais recursos para cobrir as indenizações das vítimas do trânsito e a maioria são ocupantes de motos - Acervo JC Imagem

A decisão de extinguir o DPVAT, tomada na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro e não recriada no governo atual do presidente Lula, está resultando em um cenário de desamparo para milhões de brasileiros. Atualmente, mais de 1,3 milhão de vítimas de sinistros de trânsito estão sem qualquer cobertura financeira para se recuperarem, uma situação que se estende desde 15 de novembro de 2023.

Esse desamparo é agravado pelo fato de que a maioria das vítimas depende da Justiça para buscar auxílio financeiro, uma batalha que muitos não conseguem bancar. Dados do SUS revelam que 65% das pessoas que sofrem sinistros de trânsito vivem com 1 a 1,5 salário mínimo, evidenciando um perfil de alta vulnerabilidade. Além disso, menos de 20% dos veículos no Brasil possuem seguro privado, o que significa que a vasta maioria das vítimas não terá cobertura e precisará recorrer ao sistema judiciário.

O DPVAT desempenhava uma função social crucial, oferecendo indenizações que, embora relativamente pequenas, faziam a diferença na recuperação de feridos, mutilados e no apoio às famílias dos que morriam. Antes de ser extinto, o seguro pagava R$ 13,5 mil em casos de morte ou invalidez permanente, e R$ 2.700 de reembolso para despesas médicas.

Para tentar preencher a lacuna deixada pelo DPVAT, o governo federal propôs em 2024 a criação do SPVAT (Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito). Contudo, a iniciativa foi revogada antes mesmo de entrar em vigor, diante da pressão de governadores e do Congresso Nacional, que se opuseram a um novo encargo obrigatório para os motoristas, como parte de uma barganha política para aprovar a pauta orçamentária do governo.

O Brasil, mesmo sem o seguro obrigatório, convive com uma realidade alarmante no trânsito, que mata quase 100 pessoas por dia. Após uma redução entre 2014 e 2019, o número de mortes voltou a crescer desde a pandemia de Covid-19. Em 2023, foram registradas 34.881 vítimas fatais, um aumento de 2,91% em comparação com 2022, o que equivale a cerca de 96 pessoas mortas no trânsito diariamente.

Essa situação afasta o País das metas da Organização das Nações Unidas (ONU) para a 2ª Década de Ação para Segurança no Trânsito (2021-2030), que prevê uma redução de 50% no total de mortos. Para 2023, o Brasil deveria ter registrado um máximo de 27.811 óbitos, ou seja, 25,4% a menos do que o efetivamente alcançado. As projeções para 2024 são ainda mais sombrias, com estimativas de 38.256 mortes.

Com uma taxa de 16,48 mortes a cada 100 mil habitantes, o Brasil continua entre os cinco países com mais mortes por sinistros de trânsito no mundo. Segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), os sinistros de trânsito consomem entre 1% e 3% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países da América Latina, o que, no caso do Brasil, considerando o PIB de R$ 11,7 trilhões em 2024, representaria entre R$ 117 bilhões e R$ 351 bilhões por ano.

CUSTOS HOSPITALARES ESTADUAIS COM VÍTIMAS DO TRÂNSITO EM 2024

O levantamento do Ipea detalha os custos hospitalares causados por sinistros viários em cada estado brasileiro em 2024. A escala de valores varia de R$ 0,94 milhão a R$ 100,175 milhões.
A seguir, a lista dos estados e seus respectivos gastos totais em milhões de reais:

São Paulo: R$ 100.175.944,40
Minas Gerais: R$ 51.169.312,40
Rio de Janeiro: R$ 30.252.188,94
Ceará: R$ 27.125.053,69
Paraná: R$ 24.138.420,34
Bahia: R$ 23.882.345,42
Santa Catarina: R$ 21.573.764,50
Pará: R$ 20.160.485,28
Espírito Santo: R$ 18.380.221,65
Goiás: R$ 18.260.672,27
Mato Grosso do Sul: R$ 16.992.349,58
Pernambuco: R$ 14.592.760,86
Paraíba: R$ 11.422.249,45
Rio Grande do Sul: R$ 11.097.490,31
Piauí: R$ 9.855.810,91
Rio Grande do Norte: R$ 8.187.772,24
Maranhão: R$ 7.293.473,35
Alagoas: R$ 6.583.666,82
Distrito Federal: R$ 5.767.141,90
Mato Grosso: R$ 5.174.910,77
Tocantins: R$ 4.764.153,75
Sergipe: R$ 4.652.575,76
Rondônia: R$ 2.880.170,49
Acre: R$ 2.346.342,67
Amazonas: R$ 1.733.684,73
Roraima: R$ 1.473.818,29
Amapá: R$ 936.599,01

GASTOS COM INTERNAÇÕES POR SINISTROS DE TRÂNSITO NO SUS (2004-2024)

A despesa total para o SUS com internações por sinistros de trânsito chegou a R$ 449,87 milhões em 2024. Abaixo, a série histórica dos gastos e suas variações:

2004: R$ 318,01 milhões
2005: R$ 330,36 milhões (Variação: 4%)
2006: R$ 326,42 milhões (Variação: -1%)
2007: R$ 340,45 milhões (Variação: 4%)
2008: R$ 280,37 milhões (Variação: -18%)
2009: R$ 386,19 milhões (Variação: 38%)
2010: R$ 445,34 milhões (Variação: 15%)
2011: R$ 460,68 milhões (Variação: 3%)
2012: R$ 457,26 milhões (Variação: -1%)
2013: R$ 477,77 milhões (Variação: 4%)
2014: R$ 480,94 milhões (Variação: 1%)
2015: R$ 433,78 milhões (Variação: -10%)
2016: R$ 419,41 milhões (Variação: -3%)
2017: R$ 420,41 milhões (Variação: 0%)
2018: R$ 407,46 milhões (Variação: -3%)
2019: R$ 423,14 milhões (Variação: 4%)
2020: R$ 404,93 milhões (Variação: -4%)
2021: R$ 406,00 milhões (Variação: 0%)
2022: R$ 413,36 milhões (Variação: 2%)
2023: R$ 434,45 milhões (Variação: 5%)
2024: R$ 449,87 milhões (Variação: 4%)

 

 

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