Fim do DPVAT: No País que acabou com o DPVAT, SUS tem rombo de R$ 449 milhões com vítimas de trânsito em um único ano
Historicamente, 45% da arrecadação do DPVAT custeava a assistência médico-hospitalar de vítimas de sinistros de trânsito no Brasil

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Além de deixar milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade, a decisão de extinguir o Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) está gerando um impacto financeiro significativo no Sistema Único de Saúde (SUS).
O SUS sofreu um rombo milionário após o fim da cobrança do seguro, uma de suas mais importantes fontes financeiras. Em 2024, segundo levantamento do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) com base nos dados do DataSUS e divulgado pelo portal G1, o sistema desembolsou R$ 449 milhões com internações de vítimas de sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo o CTB e a ABNT) em todo o Brasil, cobrindo desde atendimentos de emergência até reabilitações prolongadas e o fornecimento de órteses e próteses.
O valor contrasta drasticamente com a perda anual de repasses do DPVAT, que superavam R$ 580 milhões desde o ano de 2021. Historicamente, o DPVAT destinava 45% de sua arrecadação para custear a assistência médico-hospitalar de vítimas de sinistros.
Entre 2011 e 2020, o SUS recebeu mais de R$ 5,8 bilhões por meio da arrecadação do DPVAT, com valores anuais que, por exemplo, atingiram R$ 595 milhões em 2020 e R$ 1,3 bilhão em 2014. A suspensão do DPVAT, autorizada em 2021 pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), foi justificada pela intenção de evitar fraudes e reduzir os custos de supervisão e regulação.
Para tentar preencher essa lacuna, o governo federal propôs em 2024 a criação do SPVAT (Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito). Contudo, a iniciativa foi revogada antes mesmo de entrar em vigor, diante da pressão de governadores e do Congresso Nacional, que se opuseram a um novo encargo obrigatório para os motoristas. Essa revogação foi parte de uma barganha política para aprovar a pauta orçamentária do governo.
GASTOS COM O TRÂNSITO SÓ AUMENTAM
Os gastos hospitalares com sinistros de trânsito no Brasil têm apresentado uma curva de crescimento quase constante nos últimos 27 anos. Em 1998, o SUS gastou R$ 301,7 milhões com internações decorrentes dessas colisões, quedas e atropelamentos. Em 2024, esse valor atingiu R$ 449,8 milhões, representando um aumento real de aproximadamente 49%. O maior salto foi observado entre 2008 e 2009, quando os gastos passaram de R$ 280 milhões para R$ 386 milhões.
Mesmo durante os anos mais críticos da pandemia de Covid-19, período em que houve uma redução no tráfego de veículos, os gastos com sinistros não diminuíram de forma significativa. Em 2020, por exemplo, o valor foi de R$ 404,9 milhões, apenas 15,8% abaixo do pico de 2014.
Segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), os sinistros de trânsito consumam entre 1% e 3% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países da América Latina, o que, no caso do Brasil, considerando o PIB de R$ 11,7 trilhões em 2024, representaria entre R$ 117 bilhões e R$ 351 bilhões por ano.
O ALTO CUSTO SOCIAL: MILHÕES DE VÍTIMAS DESAMPARADAS E MORTES CRESCENTES
O fim do DPVAT, decidido na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro e não recriado no governo atual do presidente Lula, está custando caro à população brasileira, especialmente a mais pobre e vulnerável. Atualmente, mais de 1,3 milhão de vítimas de sinistros de trânsito estão sem qualquer cobertura financeira para se recuperarem, situação que se arrasta desde 15 de novembro de 2023.
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Esse cenário de desamparo é agravado pelo fato de que a maioria das vítimas depende da Justiça para buscar auxílio financeiro, uma batalha que muitos não conseguem bancar. Dados do SUS revelam que 65% das pessoas que sofrem sinistros de trânsito vivem com 1 a 1,5 salário mínimo, evidenciando o perfil de vulnerabilidade. Além disso, menos de 20% dos veículos no Brasil possuem seguro privado, o que significa que a vasta maioria das vítimas não terá cobertura e precisará recorrer ao sistema judiciário.
O DPVAT desempenhava uma função social crucial, oferecendo indenizações que, embora relativamente pequenas, faziam a diferença na recuperação de feridos, mutilados e no apoio às famílias dos que morriam. Antes de ser extinto, o seguro pagava R$ 13,5 mil em casos de morte ou invalidez permanente, e R$ 2.700 de reembolso para despesas médicas.
O Brasil, mesmo tendo encerrado o seguro obrigatório, convive com uma realidade alarmante no trânsito, que mata quase 100 pessoas por dia. Após uma redução entre 2014 e 2019, o número de mortes voltou a crescer desde a pandemia de Covid-19. Em 2023, foram registradas 34.881 vítimas fatais, um aumento de 2,91% em comparação com 2022, o que equivale a cerca de 96 pessoas mortas no trânsito diariamente.
Essa situação afasta o País das metas da Organização das Nações Unidas (ONU) para a 2ª Década de Ação para Segurança no Trânsito (2021-2030), que prevê uma redução de 50% no total de mortos. Para 2023, o Brasil deveria ter registrado um máximo de 27.811 óbitos, ou seja, 25,4% a menos do que o efetivamente alcançado. As projeções para 2024 são ainda mais sombrias, com estimativas de 38.256 mortes. Com uma taxa de 16,48 mortes a cada 100 mil habitantes, o Brasil continua entre os cinco países com mais mortes por sinistros de trânsito no mundo.
A situação é particularmente grave na Região Nordeste, que é a mais violenta no trânsito e, por isso, a que mais sofre sem o DPVAT. O Nordeste apresentou um aumento considerável de 8,40% nas mortes por sinistro em 2023, com destaque para Bahia (+15%), Piauí (+14%) e Pernambuco (+11%). Entre as principais vítimas estão os ocupantes de motocicletas, cujas mortes aumentaram 11,77% em 2023, totalizando 13.477 óbitos, influenciados pelo crescimento de aplicativos de transporte e entrega. A faixa etária mais atingida entre os motociclistas é a de 20 a 24 anos.
GASTOS COM INTERNAÇÕES POR SINISTROS DE TRÂNSITO NO SUS (2004-2024)
A despesa total para o SUS com internações por sinistros de trânsito chegou a R$ 449,87 milhões em 2024. Abaixo, a série histórica dos gastos e suas variações:
2004: R$ 318,01 milhões
2005: R$ 330,36 milhões (Variação: 4%)
2006: R$ 326,42 milhões (Variação: -1%)
2007: R$ 340,45 milhões (Variação: 4%)
2008: R$ 280,37 milhões (Variação: -18%)
2009: R$ 386,19 milhões (Variação: 38%)
2010: R$ 445,34 milhões (Variação: 15%)
2011: R$ 460,68 milhões (Variação: 3%)
2012: R$ 457,26 milhões (Variação: -1%)
2013: R$ 477,77 milhões (Variação: 4%)
2014: R$ 480,94 milhões (Variação: 1%)
2015: R$ 433,78 milhões (Variação: -10%)
2016: R$ 419,41 milhões (Variação: -3%)
2017: R$ 420,41 milhões (Variação: 0%)
2018: R$ 407,46 milhões (Variação: -3%)
2019: R$ 423,14 milhões (Variação: 4%)
2020: R$ 404,93 milhões (Variação: -4%)
2021: R$ 406,00 milhões (Variação: 0%)
2022: R$ 413,36 milhões (Variação: 2%)
2023: R$ 434,45 milhões (Variação: 5%)
2024: R$ 449,87 milhões (Variação: 4%)
CUSTOS HOSPITALARES ESTADUAIS COM VÍTIMAS DO TRÂNSITO EM 2024
O levantamento do Ipea detalha os custos hospitalares causados por sinistros viários em cada estado brasileiro em 2024. A escala de valores varia de R$ 0,94 milhão a R$ 100,175 milhões.
A seguir, a lista dos estados e seus respectivos gastos totais em milhões de reais:
1) São Paulo: R$ 100.175.944,40
2) Minas Gerais: R$ 51.169.312,40
3) Rio de Janeiro: R$ 30.252.188,94
4) Ceará: R$ 27.125.053,69
5) Paraná: R$ 24.138.420,34
6) Bahia: R$ 23.882.345,42
7) Santa Catarina: R$ 21.573.764,50
8) Pará: R$ 20.160.485,28
9) Espírito Santo: R$ 18.380.221,65
10) Goiás: R$ 18.260.672,27
11) Mato Grosso do Sul: R$ 16.992.349,58
12) Pernambuco: R$ 14.592.760,86
13) Paraíba: R$ 11.422.249,45
14) Rio Grande do Sul: R$ 11.097.490,31
15) Piauí: R$ 9.855.810,91
16) Rio Grande do Norte: R$ 8.187.772,24
17) Maranhão: R$ 7.293.473,35
18) Alagoas: R$ 6.583.666,82
19) Distrito Federal: R$ 5.767.141,90
20) Mato Grosso: R$ 5.174.910,77
21) Tocantins: R$ 4.764.153,75
22) Sergipe: R$ 4.652.575,76
23) Rondônia: R$ 2.880.170,49
24) Acre: R$ 2.346.342,67
25) Amazonas: R$ 1.733.684,73
26) Roraima: R$ 1.473.818,29
27) Amapá: R$ 936.599,01