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Fim do DPVAT: No País que acabou com o DPVAT, SUS tem rombo de R$ 449 milhões com vítimas de trânsito em um único ano

Historicamente, 45% da arrecadação do DPVAT custeava a assistência médico-hospitalar de vítimas de sinistros de trânsito no Brasil

Por Roberta Soares Publicado em 28/07/2025 às 11:22 | Atualizado em 28/07/2025 às 11:30

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Além de deixar milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade, a decisão de extinguir o Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) está gerando um impacto financeiro significativo no Sistema Único de Saúde (SUS).

O SUS sofreu um rombo milionário após o fim da cobrança do seguro, uma de suas mais importantes fontes financeiras. Em 2024, segundo levantamento do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) com base nos dados do DataSUS e divulgado pelo portal G1, o sistema desembolsou R$ 449 milhões com internações de vítimas de sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo o CTB e a ABNT) em todo o Brasil, cobrindo desde atendimentos de emergência até reabilitações prolongadas e o fornecimento de órteses e próteses.

O valor contrasta drasticamente com a perda anual de repasses do DPVAT, que superavam R$ 580 milhões desde o ano de 2021. Historicamente, o DPVAT destinava 45% de sua arrecadação para custear a assistência médico-hospitalar de vítimas de sinistros.

Entre 2011 e 2020, o SUS recebeu mais de R$ 5,8 bilhões por meio da arrecadação do DPVAT, com valores anuais que, por exemplo, atingiram R$ 595 milhões em 2020 e R$ 1,3 bilhão em 2014. A suspensão do DPVAT, autorizada em 2021 pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), foi justificada pela intenção de evitar fraudes e reduzir os custos de supervisão e regulação.

Para tentar preencher essa lacuna, o governo federal propôs em 2024 a criação do SPVAT (Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito). Contudo, a iniciativa foi revogada antes mesmo de entrar em vigor, diante da pressão de governadores e do Congresso Nacional, que se opuseram a um novo encargo obrigatório para os motoristas. Essa revogação foi parte de uma barganha política para aprovar a pauta orçamentária do governo.

GASTOS COM O TRÂNSITO SÓ AUMENTAM

Círio Bezerra/JC Imagem
O SUS sofreu um rombo milionário após o fim da cobrança do seguro, uma de suas mais importantes fontes financeiras - Círio Bezerra/JC Imagem

Os gastos hospitalares com sinistros de trânsito no Brasil têm apresentado uma curva de crescimento quase constante nos últimos 27 anos. Em 1998, o SUS gastou R$ 301,7 milhões com internações decorrentes dessas colisões, quedas e atropelamentos. Em 2024, esse valor atingiu R$ 449,8 milhões, representando um aumento real de aproximadamente 49%. O maior salto foi observado entre 2008 e 2009, quando os gastos passaram de R$ 280 milhões para R$ 386 milhões.

Mesmo durante os anos mais críticos da pandemia de Covid-19, período em que houve uma redução no tráfego de veículos, os gastos com sinistros não diminuíram de forma significativa. Em 2020, por exemplo, o valor foi de R$ 404,9 milhões, apenas 15,8% abaixo do pico de 2014.

Segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), os sinistros de trânsito consumam entre 1% e 3% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países da América Latina, o que, no caso do Brasil, considerando o PIB de R$ 11,7 trilhões em 2024, representaria entre R$ 117 bilhões e R$ 351 bilhões por ano.

O ALTO CUSTO SOCIAL: MILHÕES DE VÍTIMAS DESAMPARADAS E MORTES CRESCENTES

O fim do DPVAT, decidido na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro e não recriado no governo atual do presidente Lula, está custando caro à população brasileira, especialmente a mais pobre e vulnerável. Atualmente, mais de 1,3 milhão de vítimas de sinistros de trânsito estão sem qualquer cobertura financeira para se recuperarem, situação que se arrasta desde 15 de novembro de 2023.

Esse cenário de desamparo é agravado pelo fato de que a maioria das vítimas depende da Justiça para buscar auxílio financeiro, uma batalha que muitos não conseguem bancar. Dados do SUS revelam que 65% das pessoas que sofrem sinistros de trânsito vivem com 1 a 1,5 salário mínimo, evidenciando o perfil de vulnerabilidade. Além disso, menos de 20% dos veículos no Brasil possuem seguro privado, o que significa que a vasta maioria das vítimas não terá cobertura e precisará recorrer ao sistema judiciário.

O DPVAT desempenhava uma função social crucial, oferecendo indenizações que, embora relativamente pequenas, faziam a diferença na recuperação de feridos, mutilados e no apoio às famílias dos que morriam. Antes de ser extinto, o seguro pagava R$ 13,5 mil em casos de morte ou invalidez permanente, e R$ 2.700 de reembolso para despesas médicas.

O Brasil, mesmo tendo encerrado o seguro obrigatório, convive com uma realidade alarmante no trânsito, que mata quase 100 pessoas por dia. Após uma redução entre 2014 e 2019, o número de mortes voltou a crescer desde a pandemia de Covid-19. Em 2023, foram registradas 34.881 vítimas fatais, um aumento de 2,91% em comparação com 2022, o que equivale a cerca de 96 pessoas mortas no trânsito diariamente.

Essa situação afasta o País das metas da Organização das Nações Unidas (ONU) para a 2ª Década de Ação para Segurança no Trânsito (2021-2030), que prevê uma redução de 50% no total de mortos. Para 2023, o Brasil deveria ter registrado um máximo de 27.811 óbitos, ou seja, 25,4% a menos do que o efetivamente alcançado. As projeções para 2024 são ainda mais sombrias, com estimativas de 38.256 mortes. Com uma taxa de 16,48 mortes a cada 100 mil habitantes, o Brasil continua entre os cinco países com mais mortes por sinistros de trânsito no mundo.

A situação é particularmente grave na Região Nordeste, que é a mais violenta no trânsito e, por isso, a que mais sofre sem o DPVAT. O Nordeste apresentou um aumento considerável de 8,40% nas mortes por sinistro em 2023, com destaque para Bahia (+15%), Piauí (+14%) e Pernambuco (+11%). Entre as principais vítimas estão os ocupantes de motocicletas, cujas mortes aumentaram 11,77% em 2023, totalizando 13.477 óbitos, influenciados pelo crescimento de aplicativos de transporte e entrega. A faixa etária mais atingida entre os motociclistas é a de 20 a 24 anos.

GASTOS COM INTERNAÇÕES POR SINISTROS DE TRÂNSITO NO SUS (2004-2024)

Foto: Brenda Alcântara/JC Imagem
Segundo levantamento do IPEA, o sistema desembolsou R$ 449 milhões com internações de vítimas de sinistros de trânsito - Foto: Brenda Alcântara/JC Imagem

A despesa total para o SUS com internações por sinistros de trânsito chegou a R$ 449,87 milhões em 2024. Abaixo, a série histórica dos gastos e suas variações:

2004: R$ 318,01 milhões
2005: R$ 330,36 milhões (Variação: 4%)
2006: R$ 326,42 milhões (Variação: -1%)
2007: R$ 340,45 milhões (Variação: 4%)
2008: R$ 280,37 milhões (Variação: -18%)
2009: R$ 386,19 milhões (Variação: 38%)
2010: R$ 445,34 milhões (Variação: 15%)
2011: R$ 460,68 milhões (Variação: 3%)
2012: R$ 457,26 milhões (Variação: -1%)
2013: R$ 477,77 milhões (Variação: 4%)
2014: R$ 480,94 milhões (Variação: 1%)
2015: R$ 433,78 milhões (Variação: -10%)
2016: R$ 419,41 milhões (Variação: -3%)
2017: R$ 420,41 milhões (Variação: 0%)
2018: R$ 407,46 milhões (Variação: -3%)
2019: R$ 423,14 milhões (Variação: 4%)
2020: R$ 404,93 milhões (Variação: -4%)
2021: R$ 406,00 milhões (Variação: 0%)
2022: R$ 413,36 milhões (Variação: 2%)
2023: R$ 434,45 milhões (Variação: 5%)
2024: R$ 449,87 milhões (Variação: 4%)


CUSTOS HOSPITALARES ESTADUAIS COM VÍTIMAS DO TRÂNSITO EM 2024

O levantamento do Ipea detalha os custos hospitalares causados por sinistros viários em cada estado brasileiro em 2024. A escala de valores varia de R$ 0,94 milhão a R$ 100,175 milhões.

A seguir, a lista dos estados e seus respectivos gastos totais em milhões de reais:

1) São Paulo: R$ 100.175.944,40
2) Minas Gerais: R$ 51.169.312,40
3) Rio de Janeiro: R$ 30.252.188,94
4) Ceará: R$ 27.125.053,69
5) Paraná: R$ 24.138.420,34
6) Bahia: R$ 23.882.345,42
7) Santa Catarina: R$ 21.573.764,50
8) Pará: R$ 20.160.485,28
9) Espírito Santo: R$ 18.380.221,65
10) Goiás: R$ 18.260.672,27
11) Mato Grosso do Sul: R$ 16.992.349,58
12) Pernambuco: R$ 14.592.760,86
13) Paraíba: R$ 11.422.249,45
14) Rio Grande do Sul: R$ 11.097.490,31
15) Piauí: R$ 9.855.810,91
16) Rio Grande do Norte: R$ 8.187.772,24
17) Maranhão: R$ 7.293.473,35
18) Alagoas: R$ 6.583.666,82
19) Distrito Federal: R$ 5.767.141,90
20) Mato Grosso: R$ 5.174.910,77
21) Tocantins: R$ 4.764.153,75
22) Sergipe: R$ 4.652.575,76
23) Rondônia: R$ 2.880.170,49
24) Acre: R$ 2.346.342,67
25) Amazonas: R$ 1.733.684,73
26) Roraima: R$ 1.473.818,29
27) Amapá: R$ 936.599,01

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