Dia Mundial das Vítimas do Trânsito: Brasil só tem o que lamentar e vive quinto ano consecutivo de alta nas mortes no trânsito
Com 36.403 óbitos preliminares em 2024, o País volta a falhar na redução da mortalidade, registrando uma taxa oito vezes maior que a referência global
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Na data em que o planeta celebra e chora seus mortos no trânsito - o Dia Mundial em Memória das Vítimas do Trânsito, lembrado sempre no terceiro domingo do mês de novembro -, dados oficiais revelam que o Brasil volta a falhar na redução da mortalidade em suas ruas, avenidas e estradas. Números preliminares e alarmantes, divulgados recentemente pelo Ministério da Saúde (MS) e analisados pela organização global de saúde Vital Strategies, mostram que, em 2024, o País registrou, pelo quinto ano consecutivo, um aumento no número de mortes no trânsito.
O número preliminar de vítimas fatais em 2024 atingiu 36.403 pessoas, marcando um aumento de 4,4% em relação aos 34.881 óbitos contabilizados em 2023. O ciclo de crescimento sucessivo começou em 2019, quando o País registrou 31.945 mortes. Em comparação a 2020, ano em que o Brasil somou 32.716 mortes - mesmo no auge da pandemia de Covid-19, que trancou a população em casa -, o crescimento em 2024 foi de 11,3%.
“Essa escalada coloca em xeque a política pública de segurança viária do Brasil, que tem como meta reduzir pela metade a taxa de mortalidade até 2030, em comparação com 2020, e registrar cerca de 16 mil mortes por ano”, alerta Dante Rosado, gerente sênior de Programas de Segurança no Trânsito, da Vital Strategies, autor da análise dos dados, destacando o fracasso das políticas atuais.
As 36.403 mortes registradas em 2024 (dados preliminares) representam uma taxa de mortalidade de 17,1 óbitos para cada grupo de 100 mil habitantes. Essa proporção é drasticamente alta quando comparada a referências globais.
A Suécia, por exemplo, que é um modelo em segurança no trânsito, tem uma taxa próxima a suas mortes para cada 100 mil habitantes, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). “Proporcionalmente, o trânsito brasileiro mata 8 vezes mais do que o sueco, por exemplo", expõe Rosado.
MAIS UMA VEZ, OCUPANTES DE MOTOS SÃO AS MAIORES VÍTIMAS: QUASE 42% DE TODAS AS MORTES
A análise dos dados preliminares de 2024 indica que a expansão do uso de motocicletas - puxado, não duvide, pelos aplicativos de transporte remunerado de passageiros com motos, como o Uber e 99 Moto - tem impulsionado a insegurança.
Os ocupantes de motocicletas representaram 41,2% de todas as mortes no trânsito em 2024, subindo de 38,8% no ano anterior. Em números absolutos, o grupo com maior alta de vítimas foi o de ocupantes de motocicletas, cuja mortalidade subiu 10,9% em apenas um ano. Foram cerca de 1.500 mortes a mais, saltando de 13.521 em 2023 para 14.994 em 2024, o maior valor já registrado na série histórica.
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O crescimento do uso de motocicletas, impulsionado pela agilidade, baixo custo, expansão dos serviços de entrega e políticas econômicas, tem gerado impactos significativos na saúde pública. Em dezembro de 2024, o Brasil contava com 35 milhões de motocicletas registradas.
O aumento da insegurança não se reflete apenas no número absoluto de mortes, mas na letalidade proporcional à frota. "Além do aumento no total das mortes, o número proporcional à frota também aumentou. Isso é um indicativo de que pilotar motocicleta no Brasil está se tornando cada vez mais perigoso", afirma Rosado.
Ele ainda completa: "O grupo com maior alta no número de vítimas foi o de ocupantes de motocicletas, cuja mortalidade subiu 10,9% em um ano". As demais vítimas em 2024 incluíram ocupantes de automóveis e caminhonetes, que representaram 20,9% das mortes (com leve aumento de 0,6% em relação a 2023), e pedestres, com 15,1% das mortes (apresentando uma queda de 2,9%).
O CUSTO BILIONÁRIO DAS MORTES NO TRÂNSITO
A análise da Vital Strategies também deixa evidente que o impacto dos sinistros de trânsito transcende as estatísticas. Além da perda irreparável de vidas, as colisões e quedas geram altos custos sociais e econômicos, sobrecarregando o sistema de saúde, a previdência e as famílias das vítimas. Segundo estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 2007 e 2018, os mortos e feridos no trânsito custaram em média R$ 136 bilhões por ano à sociedade brasileira.
Mais recentemente, o Banco Mundial estimou esse custo em 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do País, ou cerca de R$ 320 bilhões. “Individualmente, a perda de uma vítima fatal pode comprometer a estabilidade de todo o núcleo familiar, especialmente entre as famílias mais vulneráveis, perpetuando o ciclo de pobreza por gerações”, segue alertando Dante Rosado.
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Para reverter o quadro e ter chances de alcançar as metas de 2030, o Brasil precisa agir com urgência. É fundamental que a segurança no trânsito se torne prioridade e um imperativo ético de qualquer gestor público. Isso exige uma inversão na lógica de gestão. "A gestão do trânsito precisa inverter a lógica atual que foca em garantir a fluidez, em condições aceitáveis de segurança para uma que foque em maximizar a segurança em condições aceitáveis de fluidez", defende Dante Rosado.
As ações necessárias para salvar vidas incluem o controle rigoroso da velocidade, o aprimoramento da infraestrutura, investimentos em transporte público de qualidade e acessível, em transporte ativo (caminhada e bicicleta), campanhas educativas permanentes e fiscalização efetiva.
“Outro ponto crucial é a regulamentação das atividades sobre duas rodas porque, se seguir no modelo atual, o País corre o risco de perpetuar um sistema de mobilidade que sacrifica vidas, lares e gerações inteiras”, alerta Rosado.
ENTENDA O QUE É O DIA MUNDIAL DAS VÍTIMAS DO TRÂNSITO
O Dia Mundial em Memória das Vítimas de Trânsito foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para fazer um alerta global pela segurança viária. Busca transformar a dor das famílias em um apelo por menos violência no trânsito e condutores mais responsáveis.
É uma data celebrada anualmente no terceiro domingo de novembro. Longe de ser apenas um momento de luto, a data tenta ser um poderoso chamado à ação contra o uma das maiores causas de mortes, lesões e mutilações no mundo. Por isso, ao oficializar o dia, a ONU eleva o tema do trânsito à pauta da saúde pública e dos direitos humanos, reconhecendo a natureza traumática, repentina e evitável das fatalidades - o que mais indigna.
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No Brasil, o movimento foi trazido pelo SOS Estradas e a Trânsito Amigo, entidades de vítimas do trânsito e seus familiares. O objetivo do Dia Mundial em Memória das Vítimas de Trânsito, como afirma a ONU, é triplo: lembrar as vidas perdidas, apoiar as vítimas e seus familiares, e exigir ação dos governos e da sociedade para prevenir novos sinistros de trânsito.
A iniciativa nasceu em 1995, impulsionada pela sociedade civil organizada, vítimas e suas famílias. A ONG britânica RoadPeace, liderada por Brigitte Chaudhry, foi uma das pioneiras no movimento, que ganhou reconhecimento formal da Assembleia Geral da ONU em 2005, por meio de resolução.
A data busca sempre reforçar os pilares das Décadas de Ação pela Segurança no Trânsito - a segunda de 2021 a 2030 -, que visa reduzir em 50% as mortes e lesões no trânsito globalmente e da qual o Brasil está muito distante.
O DIA MUNDIAL DAS VÍTIMAS NO RECIFE
No Recife, a data terá diversas ações para chamar a atenção da população para o tema. A Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU), em colaboração com a Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária Global (BIGRS), programou a instalação de painéis informativos e de reflexão a partir do dia 16 de novembro em pontos estratégicos de alta visibilidade do Recife, como as vias do Cabanga e o Viaduto Capitão Temudo, na área central.
O objetivo é alertar a comunidade sobre as 149 vidas perdidas em sinistros de trânsito em 2024 e a necessidade do respeito ao limite de velocidade. Blitzes educativas também estão programadas, tendo os motociclistas como o principal alvo.
MORTES NO TRÂNSITO AUMENTARAM NO RECIFE, MAS DADOS TAMBÉM INDICAM UMA DESACELERAÇÃO DA VIOLÊNCIA VIÁRIA
Segundo dados preliminares da CTTU, as 149 mortes em sinistros de trânsito em 2024 representaram um aumento de 3,5% em relação a 2023. Motociclistas e pedestres seguem representando os grupos mais vulneráveis: 42% das 149 mortes foram de ocupantes de motocicletas, enquanto 40% foram de pedestres, o que reforça a urgência de ações direcionadas.
O perfil sociodemográfico também segue alarmante, indicando que 87% das vítimas fatais são homens e que jovens entre 20 e 29 anos representam 33% de todas as mortes no trânsito da cidade.
Apesar do aumento, a leitura da CTTU é de que os números apontam para uma desaceleração da violência no trânsito. “Entre 2022 e 2023, por exemplo, o crescimento das fatalidades havia sido de 37%. Enquanto agora, de 2023 para 2024, foi de 3,5%. Essa contenção da curva de crescimento indica que as intervenções de segurança viária adotadas estão no caminho certo para reverter o quadro”, defende a autarquia.