Uber e 99 Moto: "A moto não é segura, não existe uma forma segura de circular com ela", alerta especialista da Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária
Aplicativos de transporte com motos são mais baratos, mais rápidos, mas também muito mais letais, alertam especialistas em segurança viária

O uso da motocicleta como veículo para o transporte remunerado de passageiros, como Uber e 99 Moto, segue recebendo críticas de quem luta para ampliar a segurança viária nas ruas e avenidas das cidades brasileiras. Depois de associações médicas se posicionarem sobre a vulnerabilidade a que estão expostos os ocupantes de moto, mais um representante de uma entidade de peso no setor de mobilidade urbana faz alertas sobre os riscos desse tipo de transporte: a Iniciativa Bloomberg para a Segurança Viária Global (BIGRS).
A iniciativa é um programa apoiado pela Bloomberg Philanthropies, dos Estados Unidos, e que busca, através de parcerias com gestões públicas, reduzir o número de mortos e feridos no trânsito. Atualmente, a Iniciativa Bloomberg presta consultoria ao Estado de São Paulo e às cidades de Salvador (BA), Campinas (SP) e também ao Recife.
“A motocicleta não se encaixa no modelo de Sistema Seguro. A moto não é segura, não existe uma forma segura de circular com ela. Mas, infelizmente, vivemos um momento político em que a ciência e o que é o bem para as pessoas não basta. Temos que convencer o cidadão a não morrer. É isso que estamos vivendo agora”, alerta o arquiteto e urbanista Diogo Lemos, coordenador executivo da Iniciativa Bloomberg para a Segurança Viária Global em São Paulo.
O conceito de Sistema Seguro tem como princípio que nenhuma morte ou lesão grave no trânsito é aceitável e, por isso, busca estruturar a mobilidade para proteger vidas e minimizar os erros humanos. Vale destacar que, segundo estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), entre 2007 e 2018, os mortos e feridos no trânsito custaram R$ 136 bilhões por ano à sociedade brasileira. Para se ter ideia do prejuízo provocado pelas mortes e ferimentos evitáveis, a quantia é pouco menos do orçamento total do Ministério da Saúde em 2023, que foi de R$ 194 bilhões.
A batalha judicial travada entre Uber e 99 contra a Prefeitura de São Paulo para liberar o transporte remunerado de passageiros com motocicletas na maior capital do País e, até agora, a única a resistir ao serviço, foi um dos motivadores do posicionamento da entidade.
“A motocicleta expõe seus ocupantes à velocidade alta. Nos últimos 10 anos, a produção de motos aumentou 24 vezes e o número de vítimas delas também aumentou na mesma proporção. Enquanto os automóveis foram adquirindo mais segurança com os anos, as motos seguem com a mesma vulnerabilidade que capacetes, joelheira e cotoveleiras não resolvem. O airbag das motos segue sendo os corpos de seus ocupantes”, alerta.
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GESTÃO CORRETA DOS LIMITES DE VELOCIDADE É ESSENCIAL
Por isso, defende Diogo Lemos, é fundamental, antes de mais nada, fazer a gestão das velocidades corretamente, atendendo o limite máximo de 50 km/h nas vias urbanas, como determina a Organização Mundial da Saúde (OMS).
“O ocupante da motocicleta não está seguro no trânsito, a velocidades de 60 km/h e mesmo de 50 km/h. Ele precisa entender que está circulando em meio a objetos pesadíssimos na mesma velocidade, como os carros, caminhões, ônibus, outras motos e árvores, por exemplo”, insiste no alerta de perigo.
O entendimento da Iniciativa Bloomberg é que as motocicletas apresentam riscos inerentes à segurança no trânsito. Isso porque circulam em altas velocidades e, diferentemente dos carros, que protegem seus ocupantes, elas expõem completamente seus usuários. E, assim, resultam em um número desproporcional de lesões graves e fatais.
Segundo parâmetros da OMS, o corpo humano não suporta impactos acima de 30 km/h sem consequências graves. Qualquer colisão acima dessa velocidade seria fatal. Situação ainda mais perigosa para os motoqueiros, que só têm o capacete como proteção.
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PROIBIR OU REGULAMENTAR? A RESPOSTA NÃO É SIMPLES E PASSA PELO FORTALECIMENTO DO TRANSPORTE PÚBLICO
Diogo Lemos foge da pergunta crucial diante do tema: você defende que o Uber e 99 Moto deve ou não ser proibido?, sob o argumento de que a questão é muito mais complexa do que sim ou não. Para o especialista, o tema chave é a segurança viária. Ela é o ponto principal, o coração do problema.
“Analisando a situação de São Paulo, muitas cidades faziam uso do mototáxi nas periferias, por exemplo, mas São Paulo não tinha essa cultura do serviço de transporte de passageiros com motos. Nunca teve. Mas as plataformas chegaram pelas bordas, com o discurso de que vão oferecer segurança pública na cidade. Enquanto isso, o transporte público fica de fora do debate”, analisa.
Para o especialista, por mais que São Paulo seja a cidade que mais paute políticas públicas no Brasil, a discussão precisa ser feita em nível nacional para que o País consiga chegar a uma equação. “É uma via de dois sentidos. O moto uber está tirando o passageiro do transporte coletivo e levando para a motocicleta sob o argumento de que é mais seguro estar numa moto, mesmo com todos os riscos, do que andando a pé nas ruas à noite”, afirma.
Para o coordenador da Iniciativa Bloomberg em São Paulo, a discussão tem que acontecer, mas o sim ou o não não são suficientes. E se houver uma regulamentação ela precisa ser extremamente complexa para as plataformas, como forma de reduzir mortes e ferimentos. “E não adianta só punir as empresas e os motoqueiros, ou dar-lhes incentivos. É preciso oferecer opções de transporte para a população”, diz.
E segue: “Vivemos uma tragédia subdesenvolvida gigantesca, na qual esses profissionais não têm garantias trabalhistas nem de vida. É um cenário muito pouco esperançoso. Precisamos de uma força nacional, via Ministério dos Transportes e das Cidades, que qualifique e fortaleça o transporte público coletivo com políticas sociais como a Tarifa Zero ou o SUM (Sistema Único de Mobilidade)”, finaliza.
Embora a Iniciativa Bloomberg tenha representante oficial no Recife, o coordenador na capital pernambucana não deu entrevista ao JC. Vale destacar que, diferentemente de São Paulo, a capital pernambucana assiste inerte à explosão do Uber e 99 Moto desde 2022, diante de uma gestão municipal que nem proíbe nem regulamenta o serviço.