Mortes no trânsito: taxa de morte de ocupantes de motocicletas aumenta 12,5% e, mais uma vez, puxa tragédia no trânsito brasileiro
Crescimento da taxa de mortes com motocicletas no ano de 2023, apontada no Atlas, reflete os tempos atuais do delivery, do Uber e do 99 Moto

O recorte que, pela primeira vez, o Atlas da Violência fez sobre a mortalidade do trânsito brasileiro mostra que a vulnerabilidade das motos, aliada à má condução e à ausência de fiscalização, puxou para cima a tragédia no trânsito brasileiro. Mais uma vez.
O Atlas da Violência 2025, lançado nesta segunda-feira (12/5), confirma que o usuário da motocicleta é, atualmente, a maior vítima dos sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo o CTB e a ABNT) no Brasil.
Revela que a taxa de mortes provocadas por sinistros de trânsito voltou a crescer de forma geral em 2023 no Brasil e chegou a 16,2 óbitos para cada grupo de 100 mil habitantes. Isso representa uma alta de 2,5% em comparação com 2022, quando o índice era 15,8.
Mas são os ocupantes de motocicletas que dominam a lista de vítimas mortas no trânsito. Não só condutores, mas também passageiros. A taxa atingiu 6,3 mortes por 100 mil habitantes em 2023, o que equivale a alta de 12,5% ante 2022. Desde 2020, a taxa era mantida em 5,6.
CRESCIMENTO COINCIDE COM AMPLIAÇÃO DOS DELIVERS E, PRINCIPALMENTE, COM A CRIAÇÃO DOS APLICATIVOS DE MOTOS
O crescimento dos índices de mortalidade no trânsito brasileiro coincide exatamente com a ampliação e criação dos serviços de aplicativo com duas rodas. Foi em 2020 que o delivery mais cresceu, em plena pandemia de covid-19. E foi em 2021 que a Uber, ainda no auge da perda de demanda dos carros de aplicativo, iniciou a operação pela capital sergipana de Aracaju (SE).
Os números do Atlas mostram que o índice de óbitos em geral no trânsito pulou de 15,5 para cada grupo de 100 mil habitantes em 2020 para 16,2 em 2023. Em 2021 passou para 15,9 e, em 2022, teve uma leve redução, indo a 15,8. E um dos principais fatores relacionados com esse aumento na mortalidade do trânsito é que as mortes de usuários de motocicletas no Brasil cresceram mais de 10 vezes nos últimos 30 anos, culminando no pico de quase 13 mil mortes no ano de 2014.
“Esse fato é consequência direta do grande aumento da frota e uso desses veículos no Brasil. No período de 2014 a 2019, houve uma pequena queda da mortalidade por sinistros envolvendo esse tipo de veículo, tal como ocorreu nos números totais de morte no País. Mas em 2019 voltou a tendência de crescimento das mortes, com uma certa estabilidade nos anos de pandemia (2020 e 2021), seguindo novamente a tendência de aumento da frota e uso de motocicletas observado”, diz o relatório.
O Atlas aponta que esse crescimento se deve, entre outros fatores, ao aumento da frota de veículos, especialmente de motocicletas, sem o acompanhamento proporcional de investimentos em infraestrutura e gestão do trânsito. “Com as politicas de incentivo para aumento da producao e venda de veículos motorizados…, muitas familias pobres passaram a ter acesso a esse bem, principalmente nos 194 mercados do Norte e do Nordeste, e especialmente às motocicletas, que são veículos mais baratos e acessiveis”.
No Piauí, 69,4% dos óbitos no trânsito envolvem motocicletas. Em sete estados brasileiros essa proporção é superior a 50%. Seis deles são do Nordeste - Pernambuco entre eles - e um é da região Norte. No quadro nacional, o Atlas mostra que 16 estados possuem um percentual de óbitos envolvendo motocicletas em relação aos óbitos totais acima da média nacional. “Trata-se de um problema de saúde pública de primeira importância, como já apontado anteriormente”, reforçam os pesquisadores.
ALERTA PARA QUE O BRASIL REAJA ÀS MORTES PROVOCADAS PELAS MOTOS
Carlos Henrique Carvalho, pesquisador que coordenou o Atlas, adverte que os dados sobre sinistros e mortes causadas por motocicletas devem ser "colocados em debate" no momento em que as cidades discutem a regulamentação do serviço de transporte de passageiros por esse veículo.
Em São Paulo, por exemplo, a questão virou batalha na Justiça, com a prefeitura contrária à liberação do serviço. Mas em quase 4 mil cidades - incluindo as capitais - o Uber e 99 Moto operam sem qualquer obstáculo. De acordo com Carvalho, na década de 2000, "15% das mortes no trânsito no Brasil eram de usuários de motocicleta. Em 2010, pulou para quase 35%".
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Ele descreve o veículo como inseguro. "Não oferece nenhuma proteção ao usuário. Quando há algum tipo de sinistro ou queda, a probabilidade de ocorrer algo grave ou óbito é muito grande", afirma. É bastante questionável para ser considerado no transporte comercial de passageiros", conclui.
PROBLEMA DAS MOTOS É ANTIGO E BRASIL FINGE QUE NÃO VÊ
O destaque negativo do índice de sinistros com motos também fica flagrante quando se observa um período de comparação mais longo: de 2013 a 2023.
Mortes gerais no trânsito: recuo de 21,2 para 16,2 mortes por 100 mil habitantes – redução de 23,6%;
Mortes de ocupantes de motos: aumento de 6 para 6,3 mortes por 100 mil habitantes – alta de 5% (chegou a cair para 5,3 em 2019)
O anuário registrou 34,9 mil sinistros de trânsito envolvendo morte em 2023. No ano anterior foram 33,9 mil. Na série apresentada pelo Atlas da Violência, o ano com mais casos foi 2014, com quase 43,8 mil.






Já em relação ao número de acidentes com óbito que envolveram motocicletas, 2023 teve quase 13,5 mil, ante 12 mil no ano anterior. Em 2014 foram registrados 12,6 mil, pico do período de 2013 a 2023.
As informações de 2023 indicam que as motos estão envolvidas em 38,6% dos acidentes com mortes no trânsito. Essa proporção varia enormemente quando se analisam dados dos estados.
Em sete deles, os sinistros com motocicletas são mais da metade:
Piauí: 69,4%
Ceará: 59,5%
Alagoas: 58,4%
Sergipe: 57,8%
Amazonas: 57,3%
Pernambuco: 54,4%
Maranhão: 52,2%
As unidades da federação com menores proporção são:
Rio de Janeiro: 21,4%
Amapá: 24,1%
Rio Grande do Sul: 24,5%
Distrito Federal: 24,5%
Minas Gerais: 25,9%
Paraná: 30,7%
De acordo com o pesquisador do Ipea Carlos Henrique Carvalho, o crescimento do número de mortes no trânsito em sinsitros de moto é consequência direta do aumento da frota e uso desses veículos no Brasil.
"A frota de moto vem aumentando muito, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, nos estados mais pobres, já que é um veículo mais acessível, de custo operacional baixo", disse.
Maiores taxas de mortes por sinistros com motos por 100 mil habitantes:
Piauí: 21
Tocantins: 16,9
Mato Grosso: 14,7
Rondônia: 12,6
Maranhão: 11,2
Sergipe: 11,2
Menores taxas de mortes por acidentes com motos por 100 mil habitantes:
São Paulo: 3,6
Rio Grande do Sul: 3,7
Acre: 3,7
Distrito Federal: 2,4
Rio de Janeiro: 2,4
Amapá: 2,3
O Atlas da Violência é elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao governo federal, e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Com informações da Agência Brasil