SEGURANÇA VIÁRIA | Notícia

SUS paga a conta da imprudência no trânsito: são duas vítimas por minuto e a grande maioria de motos

Levantamento de médicos do tráfego e de emergências revela que essas situações evitáveis custaram ao País R$ 3,8 bilhões em uma década

Por Roberta Soares Publicado em 11/05/2025 às 7:00

Os sinistros de trânsito, especialmente os de motocicletas, seguem sendo um peso gigante para a saúde pública brasileira. Dados do Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS), analisados por médicos do tráfego e das emergências, apontam para um dado assustador: a cada dois minutos, duas pessoas vítimas de sinistros de trânsito nas ruas, avenidas e estradas são internadas em hospitais do País.

É uma guerra civil a olhos vistos, sem quase nenhuma reação do poder público e da sociedade. E uma guerra onde quem mais têm morrido são condutores e passageiros de motos.

O alerta é feito, mais uma vez, pelas Associações Brasileiras de Medicina do Tráfego (Abramet) e Medicina de Emergência (Abramede), com base em um levantamento realizado a partir dos dados do DataSUS. E está sendo divulgado agora devido ao Maio Amarelo 2025, campanha de conscientização pela saúde e segurança no trânsito.

Só em 2024, foram registradas 227.656 internações hospitalares no SUS por sinistros terrestres (como o sinistro de trânsito é definido na base de dados da saúde), o equivalente a uma vítima recebendo atendimento de emergência a cada dois minutos. E 60% delas são condutores e/ou passageiros de motos.

INTERNAÇÕES DE VÍTIMAS DO TRÂNSITO GERAM CUSTO DE R$ 3,8 BILHÕES AO SUS

REPRODUÇÃO
Brasil registra uma vítima de trânsito nas emergências do SUS a cada 2 minutos, alertam sociedades médicas - REPRODUÇÃO
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De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 1,35 milhão de pessoas morrem anualmente em sinistros de trânsito no mundo. No Brasil, a taxa é de 16,1 mortes por 100 mil habitantes - CBMPE/DIVULGAÇÃO
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É uma guerra civil a olhos vistos, sem quase nenhuma reação do poder público e da sociedade. E uma guerra onde quem mais têm morrido são condutores e passageiros de motos - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

O que mais assusta os médicos é que são vítimas de doenças evitáveis. O levantamento mostra que o impacto sobre o SUS dessa multidão ferida e que, em muitos casos, vai a óbito, é alarmante: nos últimos dez anos, o SUS contabilizou 1,8 milhão de internações por sinistros de trânsito, segundo as bases oficiais do Ministério da Saúde.

Isso totaliza R$ 3,8 bilhões em despesas hospitalares diretas em uma década. Segundo os médicos, essas ocorrências pressionam cada vez mais os leitos de UTI e prolongam as internações, agregando outros custos com múltiplos procedimentos e reabilitação, com impacto também sobre a previdência e a assistência social.

Roberta Soares/JC
Perfil das vítimas hospitalizadas por trânsito - Roberta Soares/JC
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Óbitos por arma de fogo vs. trânsito em 2023 - Roberta Soares/JC
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Perfil das vítimas hospitalizadas por trânsito - Roberta Soares/JC

Com os R$ 3,8 bilhões gastos diretamente pelos SUS com internações por sinistros de trânsito, calculam as entidades, seria possível construir de 32 a 64 hospitais de médio porte, implantar até 35 mil quilômetros de ciclovias urbanas, duplicar cerca de 505 quilômetros de rodovias federais, adquirir mais de 15 mil ambulâncias básicas ou habilitar quase 13 mil novos leitos de UTI.

“O trânsito brasileiro é uma epidemia silenciosa. As emergências estão lotadas de vítimas de circunstâncias evitáveis, com um custo humano, social e econômico altíssimo”, destaca o presidente da Abramet, Antonio Meira Júnior.

“Atuamos diariamente nas emergências e vemos o peso dessa tragédia nos hospitais. Isso exige resposta do Estado, da sociedade e de todos os atores do sistema de mobilidade”, reforça a presidente da Abramede, Camila Lunardi.

“Como médicos, estamos profundamente preocupados com a preservação da vida e da saúde dos brasileiros. Ver tantos recursos sendo consumidos por tragédias evitáveis no trânsito é frustrante, porque sabemos que esse valor poderia estar sendo investido em melhorias que beneficiariam todo o sistema de saúde e salvariam ainda mais vidas”, afirma Meira Júnior.

EM TEMPOS DE APLICATIVOS DE MOTOS, OCUPANTES DAS DUAS RODAS SÃO AS VÍTIMAS QUE MAIS CUSTAM CARO

Guga Matos/JC Imagem
O levantamento aponta que os ocupantes dos veículos duas rodas são os mais vulneráveis: representam 60% de todos os casos. Em 2024, o número chegou a 150 mil internações, mais do que o total somado de pedestres e ciclistas no mesmo ano - Guga Matos/JC Imagem
Guga Matos/JC Imagem
Trânsito: SUS paga a conta da imprudência no trânsito, principalmente praticada por condutores e passageiros de motos em tempos de Uber e 99 Moto - Guga Matos/JC Imagem

O levantamento da Abramet e Abramede também constatou o que o Brasil vivencia diariamente nas ruas das grandes e médias cidades: são as vítimas das motos que mais custam caro ao SUS.

Ainda mais nos últimos quatro anos, quando, além do delivery, as plataformas criaram o transporte de passageiros com motos via aplicativo, como Uber e 99 Moto. Um serviço que começou no País no fim de 2021 e que, atualmente, está presente em praticamente 4 mil cidades brasileiras.

O levantamento aponta que os ocupantes dos veículos duas rodas são os mais vulneráveis: representam 60% de todos os casos. Em 2024, o número chegou a 150 mil internações, mais do que o total somado de pedestres e ciclistas no mesmo ano.

Os pedestres formam o segundo maior grupo de vítimas atendidas nas emergências por sinistros de trânsito, com 16% dos casos no período. Em seguida, aparecem os ciclistas e ocupantes de automóveis, ambos com 7% do total de sinistros registrados entre 2015 e 2024.

QUEM ESTÁ SE FERINDO E GERANDO MAIOR CUSTO AO SUS SÃO JOVENS E DE MOTO

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Dados de internações de vítimas do trânsito no SUS - Divulgação
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Dados de internações de vítimas do trânsito no SUS - Divulgação

O conjunto desses dados confirma que os sinistros seguem um padrão de vitimização que afeta majoritariamente homens jovens, mas também impõe riscos a crianças, adolescentes e idosos. Do total de internações registradas nos últimos dez anos, 78% foram de pessoas do sexo masculino, enquanto apenas 22% envolveram mulheres.

Em relação à faixa etária, o maior volume de internações está entre os jovens de 20 a 29 anos, que totalizaram cerca de 28% de todas as internações. Em seguida, aparecem os adultos de 30 a 39 anos e os de 40 a 49 anos. Somadas, essas três faixas etárias respondem por mais de 65% de todas as hospitalizações.

Mas a exposição ao risco no trânsito começa desde os primeiros anos de vida, muitas vezes associada à ausência de equipamentos de retenção infantil ou a comportamentos inadequados: 15% dos casos estão entre menores de 20 anos. Embora representem uma fatia menor em termos absolutos (9%), os idosos são mais vulneráveis à gravidade das lesões e à evolução desfavorável dos traumas.

PROBLEMA SÓ CRESCE, ANO A ANO: AUMENTO DE 44%

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Dados de internações de vítimas do trânsito no SUS - Divulgação

O mais assustador do levantamento feito pelas duas entidades com base nos dados do DataSUS é que o problema do impacto da sinistralidade e fatalidade do trânsito - especialmente das motocicletas - só se agrava. Entre 2015 e 2024, o crescimento no número de internações por sinistros de trânsito foi contínuo, com um aumento de 44% no período: de 157.602 em 2015 para 227.656 em 2024.

Os dados também revelam um cenário preocupante e crescente em todas as regiões do País, com destaque para o impacto expressivo em estados com maior frota de veículos circulante - principalmente de motos.
O Sudeste lidera com folga em números absolutos, somando 747.757 internações no período, o que representa mais de 40% do total nacional. O Estado de São Paulo, sozinho, responde por 387.991 dessas ocorrências, sendo o maior número do País.

Minas Gerais também se destaca com 218.402 internações no período, seguido do Rio de Janeiro (94.895). Em 2024, a região alcançou seu pico, com 92.754 internações.

NORDESTE É A SEGUNDA REGIÃO QUE MAIS TÊM VÍTIMAS

Guga Matos/JC
Brasil tem duas vítimas do trânsito internadas no SUS por minuto. E 60% são ocupantes de motocicletas - condutores e passageiros - Guga Matos/JC

O Nordeste é a segunda região com maior volume, totalizando 514.702 internações nos dez anos analisados. Estados como Bahia (107.820), Ceará (107.107) e Piauí (72.140) concentram os maiores números. A região apresentou crescimento constante, com destaque para a Paraíba e Sergipe, que praticamente dobraram seus registros entre 2015 e 2024.

No Sul, foram registradas 208.698 internações no período, com certa estabilidade e leve tendência de alta. O Paraná lidera na região com 98.539 casos, seguido por Santa Catarina (71.794), que apresenta alta incidência proporcional à sua população. Em 2024, a região registrou 24.670 internações, o maior número da série histórica local.

A Região Centro-Oeste também apresentou crescimento significativo, com 208.173 internações entre 2015 e 2024. O número anual praticamente dobrou em uma década, passando de 12.859 para 25.407. Goiás lidera com 98.343 registros, seguido por Mato Grosso (43.466). O Distrito Federal teve evolução constante, alcançando 4.182 internações em 2024, mais do que o triplo registrado em 2015.

Já a Região Norte totalizou 157.656 internações no período, com crescimento mais gradual. O Pará concentra quase metade das ocorrências da região, com 71.087 internações. Tocantins e Roraima também apresentam crescimento expressivo. Em especial, o Amapá registrou um salto em 2024, com 1.001 internações — quase três vezes mais que a média dos anos anteriores.

MAIORIA DAS VÍTIMAS, COMO ESPERADO, SÃO HOMENS JOVENS, E MAIS DA METADE ESTAVAM EM MOTOS

Segundo o estudo, 78% dos hospitalizados são homens e 49% têm entre 20 e 39 anos, evidenciando o impacto sobre a população economicamente ativa. As motocicletas concentram mais da metade dos atendimentos – foram mais de 150 mil internações de motociclistas em 2024.

CONFIRA O ESTRAGO QUE O TRÂNSITO PROVOCA EM NÚMEROS

1,8 milhão de internações hospitalares nos últimos 10 anos

R$ 3,8 bilhões gastos com despesas diretas para o SUS no período

A cada 2 minutos uma pessoa dá entrada nas emergências do SUS após trauma em sinistro de trânsito

6 dias é o tempo médio que uma vítima do trânsito passa hospitalizada para tratamento

R$ 1.680 é a despesa diária e direta

O trânsito mata mais que armas de fogo em 14 estados

Em 71% dos municípios, as mortes no trânsito superam as causadas por armas

Em 2023:

30.254 óbitos por arma de fogo
34.810 óbitos por sinistro de trânsito

Perfil dos hospitalizados

60% são vítimas das motos
16% são pedestres
7% são ciclistas
7% são condutores de carros

49% são adultos entre 20 e 39 anos
26% têm entre 40 e 59 anos
15% têm até 19 anos
9% têm mais de 60 anos

78% são homens
22% são mulheres

O que poderia ser feito com R$ 3,8 bilhões pelo Brasil?

- Construir de 32 a 64 hospitais de médio porte
- Implantar entre 17 mil e 35 mil km de ciclovias
- Duplicar 505 km de rodovias federais
- Adquirir 15 mil ambulâncias básicas (tipo A)
- Adquirir mais de 2 milhões de doses de vacina contra o Vírus Sincicial Respiratório (VSR), que provoca, por exemplo, a pneumonia

Elaboração: Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) e Associação Brasileira de Medicina de Emergência (Abramede)

Fonte: SIH/SUS - Ministério da Saúde

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