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CNH sem autoescolas: Serviços de autoescolas pesam mais que taxas governamentais no custo para retirada da CNH

Média nacional aponta que os serviços de CFCs respondem por 67,49% do custo total, enquanto as taxas cobradas pelo poder público correspondem a 32,51%

Por Roberta Soares Publicado em 31/07/2025 às 13:45

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Obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) no Brasil é um processo que envolve diversos custos, e uma dúvida comum entre os futuros motoristas é saber o que realmente impacta mais no valor final: as taxas cobradas pelo poder público ou os serviços prestados pelos Centros de Formação de Condutores (CFCs), as autoescolas.

Uma análise detalhada dos dados disponíveis sobre esses custos revela uma tendência clara de que os serviços dos CFCs representam a maior parcela do investimento necessário para a habilitação. Esse, inclusive, é o argumento principal do Ministério dos Transportes (MTE) para embasar a proposta de desobrigar as aulas em autoescolas para a retirada da CNH.

De forma geral, a pesquisa demonstra que, embora as taxas governamentais sejam um componente importante, são os serviços de formação oferecidos pelos CFCs que representam a maior parte do custo para se obter a CNH no Brasil, uma tendência observada em todas as regiões do País. Esse valor geralmente ultrapassa 5 a 8 vezes o total das taxas cobradas diretamente pelos Detrans.

NA BALANÇA DOS CUSTOS, SERVIÇOS DE CFCs DOMINAM A COMPOSIÇÃO FINAL

Ao analisar a composição percentual do valor final para a obtenção da CNH, que inclui a formação teórica e prática veicular, a média nacional aponta que os serviços de CFCs respondem por 67,49% do custo total, enquanto as taxas cobradas pelo poder público correspondem a 32,51%. Esse percentual médio demonstra que o treinamento oferecido pelas autoescolas, que tem um valor médio de R$ 1.467,20, é o principal fator a pesar no orçamento do candidato.

A predominância dos serviços de CFCs se observa em todas as regiões do País, sem exceção. Não há nenhum estado ou região em que as taxas do poder público superem o valor dos serviços de autoescola na composição percentual do custo total da CNH.

ANÁLISE REGIONAL E ESTADUAL

Embora os serviços de CFCs sejam majoritários em todo o território nacional, a proporção entre taxas e serviços varia de estado para estado.

Estados onde as taxas do poder público têm um peso relativamente maior (mas ainda inferior aos CFCs):
Roraima, na Região Norte, apresenta a maior proporção de taxas, com 46,87% do custo total.
O Distrito Federal, na Região Centro-Oeste, segue de perto, com 46,37% das taxas em relação ao custo final.

Outros estados onde as taxas têm um peso considerável incluem:

- Alagoas (Região Nordeste): 41,65%
- Ceará (Região Nordeste): 39,89%
- Minas Gerais (Região Sudeste): 39,54%
- Rio de Janeiro (Região Sudeste): 39,38%
- Rondônia (Região Norte): 38,91%
- Piauí (Região Nordeste): 38,74%

Em alguns estados, as taxas governamentais, embora não sejam a maioria, representam uma parcela mais significativa do custo total, aproximando-se da metade do valor. Isso significa que, nesses locais, o custo da CNH é mais equilibrado entre as taxas e os serviços.

Em Pernambuco, o custo para retirada de uma CNH varia entre R$?2.500 e R$?3.500, já incluído os custos com as taxas do Detran-PE, que variam entre R$ 400 e R$ 450.

Estados e regiões onde os serviços dos CFCs predominam de forma mais acentuada:

Na Região Sul, o Rio Grande do Sul se destaca por ter a menor porcentagem de taxas (15,51%) e, consequentemente, a maior porcentagem de serviços de CFC (84,49%).

Santa Catarina, também na Região Sul, segue a mesma tendência com 18,58% de taxas e 81,42% de serviços.

Na Região Nordeste, o Rio Grande do Norte (18,19% taxas, 81,81% serviços) e o Maranhão (18,37% taxas, 81,63% serviços) exibem um alto peso dos serviços de CFCs.

Na Região Sudeste, São Paulo apresenta uma das menores porcentagens de taxas (21,17%) e uma alta de serviços (78,83%).

Outros estados com serviços de CFCs significativamente predominantes são:

Acre (Região Norte): 21,42% taxas, 78,58% serviços
Paraná (Região Sul): 21,76% taxas, 78,24% serviços

Em contraste, há estados onde os serviços de autoescola representam uma parcela esmagadoramente maior do custo, com as taxas governamentais respondendo por uma fatia bem menor.

O CUSTO DA HABILITAÇÃO NO BRASIL: ONDE RESIDE O PROBLEMA, SEGUNDO A FENEAUTO

Foto: Divulgação
Pesquisa demonstra que, embora as taxas governamentais sejam um componente importante, são os serviços de formação oferecidos pelos CFCs que representam a maior parte do custo para se obter a CNH no Brasil - Foto: Divulgação

A Federação Nacional das Autoescolas e Centros de Formação de Condutores (Feneauto), através de seu presidente, Ygor Valença, desmistificou a narrativa de que o custo da CNH seria majoritariamente imposto pelas autoescolas. Ele detalha que as taxas do Detran, que incluem exame médico, psicológico e impressão da carteira, somam cerca de R$ 500 ou mais em alguns locais.

“Apenas a impressão do documento físico pode custar entre R$ 300 e R$ 400, valor que poderia ser reduzido se a emissão digital fosse a única opção, aproveitando ferramentas como o Gov.br e o aplicativo da Senatran”, pontua.

Segundo o presidente da Feneauto, a maior parte do valor da CNH corresponde, de fato, aos serviços prestados pelas autoescolas, devido à extensa carga horária e à complexa estrutura exigida. “Os Centros de Formação de Condutores (CFCs) são obrigados a oferecer um curso teórico de 45 horas-aula, considerado o único momento em que o cidadão tem conhecimento sobre técnicas de direção defensiva, legislação de trânsito e primeiros socorros", afirmou.

Além disso, são necessárias 20 aulas práticas com veículos específicos, com ar-condicionado, ano de fabricação, vistoriados anualmente, com duplo comando de freio, que custam caro para aquisição e manutenção.

A Feneauto destaca que a Resolução 789 do Contran, de 2018, impõe uma estrutura física rigorosa para os CFCs, incluindo salas de aula com mais de 40m², ar condicionado, projetores e cadeiras, além de recepção e equipamentos específicos, e a exigência de quatro a seis vagas de garagem para as metrópoles.

Valença enfatiza que as autoescolas operam como um serviço público delegado e precisam cumprir todas essas exigências, o que demanda imóveis de porte médio a grande e justifica os custos. Ele argumenta que, ao dividir o valor total pela quantidade de horas-aula, o preço por hora-aula (R$ 70 a R$ 80) não é nada caro e está muito abaixo do mercado.

FENEAUTO PEDE DIÁLOGO E FLEXIBILIZAÇÃO REALISTA

Ygor Valença denuncia que a Feneauto teve mais de seis pedidos de reunião não atendidos nos últimos dois anos e meio, e que a proposta do governo foi divulgada sem qualquer diálogo prévio com a categoria. Ele critica as declarações do ministro Renan Filho, que teriam, infelizmente, levado a esses impasses, e ressalta a disposição da Federação em dialogar para promover a modernização e a desburocratização do processo.

A Feneauto propõe modernizações que poderiam reduzir custos e facilitar o acesso, como a regulamentação definitiva do curso remoto, que foi utilizado na pandemia e depois suspenso pela Senatran. Valença questiona por que a estrutura física obrigatória das salas de aula não pode ser diminuída, considerando que o ministro justifica a medida pela necessidade de deslocamento dos candidatos.

A Federação defende a flexibilização da carga horária, sugerindo que parte do curso teórico seja remoto, com exceção de aulas essenciais como primeiros socorros e legislação de trânsito. Contudo, ressalta a importância de tecnologias como reconhecimento facial e biometrias aleatórias para garantir a segurança e a presença real dos candidatos em cursos remotos, contrastando com a falta de fiscalização e fraudes em modelos de EAD sem supervisão adequada.

CRÍTICAS AOS EXAMES ATUAIS

O presidente da Feneauto é enfático ao afirmar que o modelo do Brasil de exames é fracassado. Ele descreve as provas de moto como um simples "zigue-zaguezinho" e as de carro como "duas manobras" que "parecem mais um parque, uma praça". Para Valença, essa fragilidade dos exames faz com que os alunos se preparem apenas para esses testes básicos, e não para o cotidiano do trânsito.
A Federação defende a implementação de um modelo único de exame teórico e um modelo único de exame prático em nível nacional, que realmente testem a capacidade de dirigir do candidato. Isso incluiria:

- Exame prático em via pública, filmado e com inteligência artificial para monitorar desempenho.
- Utilização de telemetria para avaliar acertos em manobras e trocas de marcha.
- Salas de prova monitoradas com câmeras, reconhecimento facial e inteligência artificial para detectar fraudes, movimentos e sono.

Valença argumenta que a flexibilização das aulas só fará sentido se houver um exame rígido e seguro que comprove a real habilidade do condutor. Ele reitera que, se o exame for robusto e exigir proficiência, as autoescolas estariam dispostas a flexibilizar as aulas, pois a demanda por cursos para aprovação em exames complexos naturalmente aumentaria.

Ele cita o exemplo de Pernambuco, onde a Feneauto denunciou à Senatran, há três anos, que exames estavam sendo feitos sem prática em vias públicas, e agora o governo federal propõe tirar as aulas, mas manter um exame que ele considera deficiente.

“A acessibilidade à CNH deve vir acompanhada da garantia da qualidade e segurança na formação, e qualquer mudança deve ser resultado de um diálogo construtivo, focado na modernização dos exames e da estrutura, e não na supressão da educação para o trânsito. Sem um Detran com condições de fiscalizar e aferir exames de forma rigorosa, a flexibilização significará uma piora gigantesca na segurança viária”, finalizou Ygor Valença.

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