Entre fantasia e realidade: o mundo sáfico que Giu Domingues desenha na literatura
Best-seller nacional, a autora escreve romances entre duas mulheres com leveza e sensibilidade, trazendo a representatividade que a comunidade merece

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Nos momentos de descoberta da própria sexualidade, mulheres adolescentes buscam em romances homoafetivos um conforto que algumas histórias heterossexuais podem não transmitir. Histórias gays acabam se tornando um ponto de escape da realidade para as meninas que estão começando a se descobrir. Pode não fazer sentido, mas a literatura gay ganhou um espaço muito grande entre as mulheres LGBTQIAP+, afinal, era o que chegava a ser mais próximo da própria realidade.
Ver como dois homens se relacionam acaba se tornando uma maneira de se afirmar como "eu também posso ter isso", ou "duas pessoas do mesmo sexo se amando não é errado". Porém, a conta não fecha: por que dois homens, mas não duas mulheres? A resposta é simples: não era tão visibilizado quanto o romance homossexual. Ou, quando era, traziam vivências estereotipadas ou limitadas a um contexto pornográfico.
A literatura sáfica - termo usado para designar a relação entre duas mulheres - alguns anos atrás, não era tão forte quanto sempre pareceu, o movimento foi crescendo aos poucos. Primeiro, livros estrangeiros traduzidos apareciam mais nas livrarias. Grande recepção e a procura aumentou. Depois, livros nacionais surgiram no mercado da literatura com uma recepção maior ainda. E o melhor de tudo: com mais identificação.
Com base nisso e a fim de fazer com que a literatura sáfica fosse ainda mais forte em solos brasileiros, Giulliana Domingues dá a vida a "Luzes do Norte", um romance entre duas mulheres em um mundo de fantasia, tema que não era tão explorado nas narrativas LGBTQIAP+.
"A literatura sáfica já existia bem antes de mim, feita por vozes que nunca tiveram a chance de ganhar a visibilidade merecida. Em termos de romances sáficos, é impossível não citar Conectadas, da Clara Alves, que abriu espaço para esse tipo de história em moldes mais comerciais. Eu nunca quis escrever nada primeiro, nem ser pioneira: o que eu queria era escrever uma história que fosse autêntica para mim", revela Giu Domingues.
Ao refletir sobre a presença de outras autoras e a importância da representatividade, ela destaca que a escrita também carrega um desejo de diálogo. Para ela, a literatura não é apenas um espaço de criação individual, mas uma ponte que permite que experiências e vivências da própria autora encontrem eco em diferentes leitores da comunidade.
"Escrever é um processo muitas vezes solitário, mas quando o livro está no mundo, ele não é mais só meu. E saber que minha história é capaz de me conectar com pessoas dessa forma é uma das partes mais gratificantes do processo", diz.
Esse movimento de partilha transforma a escrita em algo bem maior que o simples ato de colocar palavras no papel. Quando o livro encontra o leitor, ele passa a ganhar novos sentidos e acaba se tornando um reflexo das experiências e emoções de quem o lê.
Para a autora, essa troca está diretamente ligada à representatividade. Ao se ver nas personagens e ao reconhecer se reconhecer nelas, o leitor encontra acolhimento e identificação. E é justamente nessa interseção entre o pessoal e o coletivo que a literatura sáfica ganha força.
"No fundo, eu escrevo sempre o que eu gostaria de ler, e é muito especial saber que outras pessoas são tocadas por essas histórias. Eu escrevo histórias representativas por que é isso que eu quero ler. Eu escrevo mulheres gordas, ansiosas, cheias de dúvidas, mas também corajosas, românticas e esperançosas. Tudo isso são coisas que me atravessam, de uma forma ou outra e acho que é isso que torna minhas histórias tão minhas", ressalta.
Falando em representatividade e leituras compartilhadas, Giu Domingues estará presente na Bienal Internacional do Livro de Pernambuco de 2025. O evento é um espaço que costuma celebrar a diversidade, um encontro de leitores, e fazer com que novas vozes tenham um alcance maior. A autora diz estar muito animada para a participação no primeiro final de semana da Bienal.
"É a minha primeira vez em Pernambuco, e dizer que eu estou animada é um eufemismo! Eu mal posso esperar para estar com os meus leitores nordestinos, que sempre abraçaram minhas histórias e por quem eu tenho tanto carinho. Essa Bienal significa um momento histórico para literatura brasileira, e pessoalmente eu tenho um orgulho imenso de fazer uma parte mesmo que pequena disso", comenta.
Em relação à literatura, a autora já possui quatro títulos na carreira: "Luzes do Norte", "Sombras do Sul", "Finalmente 15" e o mais recente "Canção dos Ossos", que ela já revelou ser uma releitura do livro "O Fantasma da Ópera", um clássico que sempre esteve presente na vida de Giu. Dessa forma, o livro nasceu de um desejo de revisitar uma narrativa marcante sob uma nova perspectiva, deixando a homenagem ainda maior.
"O Fantasma da Ópera é um livro e um musical que significam muito para mim, então eu tinha muita vontade de fazer jus a essa história ao mesmo tempo que eu acrescentava algo novo. Para mim, a razão de fazer uma releitura, ao invés de uma história completamente nova, é poder explorar temas que você sente que não tiveram espaço na obra original, e era isso que eu queria com Canção. Foi um processo que exigiu muita pesquisa, um mergulho na obra original, e depois um retorno aos meus motivos para contar essa história", explica a autora.
Nessa pegada entre revisitar clássicos e criar algo novo, Giulliana revela que a escrita está sempre em movimento. Sem deixar de olhar para as histórias que a marcaram, ela não deixa de abrir novas possibilidades, experimentando caminhos diferentes daqueles de costume nas próprias narrativas, deixando um espaço em aberto para o inesperado.
E o que seria de um autor se não existisse a versatilidade da escrita? Giu não se limita a um único gênero ou fórmula: para ela, cada nova ideia é um convite a explorar novos territórios e a descobrir até onde a própria imaginação vai.
"Eu acho que existe uma ficção científica no meu futuro! Mas tudo depende do que me chamar a atenção em um devido momento. Desde que tenha elementos fantásticos, eu tô dentro", finaliza.
Entre projetos já publicados e ideias que ainda não nasceram, Giu Domingues se consolida como uma das vozes em ascensão da literatura brasileira. Com obras que unem emoção, identidade e imaginação, a autora ressalta que ainda existem muitas histórias a caminho.
Para ela, escrever é um constante exercício de liberdade. E não existe nada mais lindo no mundo que ser livre para fazer o que ama - e fazer com que os leitores sintam um pouco desse amor, também.