Você também pode ser feliz: como Pedro Rhuas ressignifica desfechos LGBTQIAP+ nos livros
O autor traz narrativas mais próximas do público, misturando vivências pessoais e ficção para mostrar que a comunidade também tem finais felizes

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Explorar cenários e se imaginar nos livros é um meio que os leitores têm de fugir da própria realidade. Porém, ao mesmo tempo em que se tenta a fuga, também apostam em uma narrativa próxima eles mesmos. Pode parecer contraditório, mas a literatura é exatamente isso: se transportar para um novo universo, mas sem perder a essência da própria identificação.
Para o público LGBTQIAP+, um desses quesitos costumavam não ser tão bem representados. Ao querer ler uma nova obra, era preciso fazer uma baita escolha: ou você foge da realidade e perde a identificação, ou você tem a identificação, mas não foge tanto assim da realidade. Histórias que abordavam a comunidade queer tinham o costume de não trazer tantos finais felizes.
E como as pessoas vão se identificar apenas com tristeza, caos e morte? É nessa que Pedro Rhuas entra: o primeiro livro do autor potiguar desfaz o pensamento de que um romance LGBTQIAP+ precisa acabar infeliz. "Enquanto eu não te encontro" é um best-seller que não só traz um romance queer, mas também muita representatividade nordestina, já que a obra se passa no Rio Grande do Norte.
E, por falar em nordeste, o autor celebra com entusiasmo a presença na XV Bienal do Livro de Pernambuco, reconhecendo o evento como um espaço de encontro, exaltação da literatura e conexão com os leitores. Após ter participado da Bienal da retomada pós-pandemia em 2023, ele retorna este ano destacando a evolução da programação e da comunicação do evento, especialmente nas redes sociais, e reforçando a energia única do público pernambucano.
"A gente chega numa Bienal onde é fácil visualizar um evento com uma comunicação ainda mais forte, principalmente nas redes sociais. Uma Bienal que demonstra ouvir as demandas do público e que traz uma programação vasta e bastante potente. Então, para mim, é sempre uma oportunidade de estar com leitores vibrantes, energéticos e tão incríveis quanto os leitores de Pernambuco. É mágico", exalta.
A troca com o público tão presente e calorosa durante o evento acaba reforçando, também, a importância de Pedro reafirmar o propósito da própria escrita. Ao estar em contato direto com leitores que se reconhecem nas páginas escritas pelo autor, ele percebe ainda mais a força das narrativas ao construírem um espaço de acolhimento e pertencimento.
"Considerando que a comunidade LGBTQIAP+, para quem eu escrevo de forma ainda mais intensa, embora minhas obras ressuem com qualquer pessoa, a gente escuta com muita frequência um discurso de que nós não merecemos ser feliz, de que a nossa maneira de existir é errada, que a nossa forma de amar errada. O meu discurso é contrário a tudo isso, é dizer que merecemos o amor, que nós somos o amor e que não estamos apartados dele", explica Pedro Rhuas.
O autor também publicou um romance intitulado "O mar me levou a você", enquanto estava no processo de escrita do primeiro livro. Esses dois romances representam momentos diferentes da trajetória dele, mas dialogam entre si ao trazer temas comuns, como os sentimentos humanos e as relações que transformam o público. Cada obra tem uma identidade própria, mas juntas ajudam a mostrar a versatilidade do autor e como ele traduz em palavras experiências e emoções do dia a dia.
"As questões, nos meus livros, eram questões que me atravessavam. As paixões, os personagens eram paixões que eu tinha. Os temores eram temores que também espelhavam os meus temores e o desejo de crescer e de expandir a visão de mundo também eram pontos meus, borbulhando ali dentro de mim. Então, eu constantemente entregava partes minhas para esses personagens", diz.
A entrega pessoal aos personagens fez com que a escrita se tornasse, além de uma expressão artística, uma forma de resistir e de respirar. Ao transformar sentimentos íntimos em narrativa, Pedro encontrou um caminho para lidar com as próprias inquietações e, ao mesmo tempo, refletir sobre o contexto em que vivia.
Essa conexão acabou se transformando no que era o "interno" e o que era o "externo". No caso, o que estava acontecendo ao redor começou a moldar a atmosfera das primeiras obras. Elas surgiram tanto quanto um reflexo da vida pessoal do autor quanto o momento em que ele estava passando.
"Nesses dois primeiros romances, eu me vi em um lugar da minha vida, onde focar no positivo, focar no colorido era uma estratégia de não afundar em um mundo que parecia cinzento de muitas maneiras", relembra Pedro. "Do ponto de vista político, essas obras são escritas em um momento histórico onde há um fortalecimento muito grande do conservadorismo e de movimentos de extrema-direita com pautas que buscam justamente nos calar, nos invisibilizar na sociedade, mas também momentos sociais de ebulição como a pandemia, que nos isola e que nos tira um pouco o senso de comunidade que até então a gente conseguia estabelecer presencialmente".
É nesse contexto, entre as vivências pessoais e o cenário social e também político da época, que a escrita assumiu um papel ainda mais simbólico para Pedro. O que nascia dos sentimentos mais internos e íntimos do autor se transformava em um gesto de afirmação, de resistência. Cada página era como se fosse uma forma de dizer aos leitores que ainda era possível sonhar.
Criar e acreditar em novas perspectivas, mesmo diante das adversidades, é um dos focos principais do autor. Esse equilíbrio entre o individual e o coletivo, o sonho e a realidade, e tudo se misturando dentro das obras, é o que dava força a Pedro para dar vida aos livros.
"Então, no meio disso tudo, eu sentia que eu precisava estar junto as obras que representassem o contrário, representassem acolhimento, amor, luz. Então, como uma estratégia de sobrevivência, eu me eu mergulhei nas comédias românticas. Pareciam ser essa forma de estar fazendo da literatura um espaço seguro onde eu pudesse encontrar, para mim e para minha comunidade, possibilidades de finais felizes", ressalta o autor.
Com o movimento de buscar acolhimento e finais diferentes dos que já eram retratados com muita angústia e tristeza, Pedro passa a enxergar a literatura como um espaço capaz de ultrapassar a experiência pessoal e transformar a maneira como as pessoas se percebem, se entendem, e que, muitas vezes, não encontram reconhecimento ou celebração em outros lugares na realidade.
"Pode parece ser uma expressão exagerada, dizer que livros salvam vidas, mas quando a gente está falando com públicos que sofrem estigmas, ainda mais em fases como a adolescência e a infância, a gente tá falando de pessoas sensibilizadas, de pessoas feridas, de pessoas que o comum é que elas escutem mensagens de ódio", afirma. "Então, no momento em que elas se deparam com narrativas onde a identidade delas é celebrada, onde o amor delas é celebrado, isso gera todo um movimento de celebração do eu e gera um sentimento de pertencimento".
O impacto das narrativas transcende o ato de ler e se torna um espaço também de empoderamento. Personagens e histórias que celebram a identidade dos leitores faz com que a valorização do eu seja permitido, algo que muitas vezes é negado na vida cotidiana.
Segundo Pedro Rhuas, ao perceber que a própria existência é reconhecida e celebrada, os leitores podem ganhar força para olhar o mundo de outra forma. Essa representação possibilita novas possibilidades de acreditar em si e transformar o ambiente ao redor. Para ele, esse efeito é o real poder da literatura e existir é, por si só, um ato de resistência.
"Quando a gente se vê representado em uma obra, quando a gente percebe que existe, porque a nossa existência é bastante negada, isso nos dá uma força para olhar para a sociedade, para olhar para o mundo de outro ângulo, porque no momento em que a gente existe, a gente percebe que a gente também pode mudar o mundo, que a gente também pode impactar o que está ao nosso redor", finaliza Pedro.
A literatura é muito mais que apenas contar histórias, é uma ferramenta de afirmação. Quando aquele que é invisibilizado se sente visto ou ouvido, nasce um sentimento de pertencimento e força para enfrentar o mundo fora das páginas lidas.
Pedro Rhuas diz que pode parecer exagerada a expressão de que livros salvam vidas, mas, podem até não salvar, mas são capazes de dar vida àqueles que não se sentiam vivos. De fazer o outro enxergar que a vida também vale a pena ser vivida, assim como é mostrada nas narrativas. De mostrar que a própria existência importa, assim como qualquer uma. A literatura é capaz de mostrar que você também pode ser feliz, como deveria, como poderia e como gostaria.