Raimundo Carrero e a alma da literatura pernambucana: entre memórias, raízes e cultura
O autor retorna à Bienal de Pernambuco em 2025 celebrando meio século de trajetória e reforçando a tradição da cultura pernambucana

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Pernambuco carrega uma tradição literária que atravessa séculos e permanece viva no imaginário coletivo. É terra de vozes que se impuseram pela força da palavra e que ainda hoje ecoam como referências de resistência cultural.
Essa velha guarda, formada por escritores que lapidaram a identidade entre o sertão e o litoral, transformou a experiência nordestina em literatura universal, mantendo acesa uma chama que ilumina gerações inteiras de leitores e autores.
É nesse cenário que Raimundo Carrero, um dos nomes mais emblemáticos dessa linhagem, reafirma presença. Autor de obras densas e provocadoras, mestre que atravessou redações e salas de aula, deixando discípulos por onde passou, Carrero participa da XV Bienal Internacional do Livro de Pernambuco em 2025.
O encontro celebra não apenas a literatura, mas também a permanência de quem ajudou a moldar a história dele no estado.
Entre memórias do regionalismo da década de 1930, o impacto do modernismo e o surgimento do movimento Armorial, Carrero reflete sobre a força da literatura pernambucana no presente.
"Nós temos alguns escritores que são muito fortes e que tão sendo bastante lidos e analisados, sobretudo pelos leitores, não só pela universidade, que já é muito importante, mas também pelos leitores comuns, principalmente o que se diz e costuma dizer no que eu não: que o brasileiro não lê. Eu acho que o Brasil não é erudito, é uma coisa diferente de ler. Lê-se muito, não há erudição, é diferente", diz.
Novidade para a Bienal, o autor apresenta "A Vida e A Traição", lançado em agosto, uma obra que promete dialogar profundamente com o público pernambucano. Carrero ressalta que o livro dialoga diretamente com questões humanas universais, como escolhas, traições e a complexidade das relações sociais, mas sempre com a marca do regionalismo pernambucano que permeia a forma escrita do autor. "Foi o meu maior orgulho literário", afirma.
Com 50 anos de trajetória, Raimundo Carrerro ressalta que um dos livros mais importantes da carreira é, sem dúvida, "A História de Bernarda Soledade". Publicado na década de 1970, o romance consolidou a voz do autor na literatura brasileira, refletindo a preocupação em resgatar as raízes culturais do país. A obra une a força do regionalismo a uma narrativa envolvente, capaz de dialogar tanto com leitores comuns quanto com estudiosos.
Para ele, esse livro não é apenas um marco literário, mas também um ponto de referência de sua identidade como escritor, representando a síntese de própria experiência, influências e dedicação à literatura que valoriza o Brasil nas múltiplas dimensões.
"Falo isso com meu coração, minha alma e meu sangue. 'A História de Bernarda Soledade' é um livro importantíssimo na minha carreira, certamente o mais importante. Com ele, participei do movimento armorial, que ainda hoje tem repercussões muito sérias na literatura e na cultura brasileira, porque envolve não apenas a literatura, mas também a pintura, a música e diversas outras manifestações artísticas", explica.
Mais que uma obra literária, "A História de Bernarda Soledade" é uma ponte entre memória e criação, um retrato sensível da alma brasileira. O livro carrega em si o espírito do movimento armorial, transformando tradições populares, do cordel à música de viola, em experiências literárias capazes de emocionar, inspirar e fazer o leitor sentir a cultura do país pulsando em cada página.
"O movimento armorial atuou de forma muito ampla. O objetivo era justamente esse: recolher a literatura e a cultura brasileiras em suas raízes, nas suas bases, como o folclore de cordel, a música de viola e a música regional, para, por meio desse movimento, criar uma expressão que permitisse ao leitor ou ao admirador de qualquer área compreender, valorizar e interpretar a vida brasileira. Isso é extremamente importante", ressalta Carrero.
Ao participar da XV Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, Carrero não celebra apenas a própria obra, mas a continuidade de uma tradição literária que resiste e se reinventa. Entre livros lançados, encontros com leitores e debates com novos autores, a presença dele reafirma que a literatura pernambucana permanece viva, pulsante e capaz de emocionar gerações, convidando todos a conhecer, valorizar e celebrar a riqueza cultural do estado.