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Referência em romantasia, Fernanda Castro lança edição especial na Bienal do Livro de Pernambuco

Autora pernambucana finalista no Prêmio Jabuti em 2024 na categoria "Romance de Entretenimento" lança edição limitada de "Lágrimas de Carne" na Bienal

Por Paloma Xavier Publicado em 30/09/2025 às 14:27 | Atualizado em 30/09/2025 às 14:37

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A romantasia consolidou seu lugar nas estantes e nos corações dos leitores, combinando o melhor de dois mundos: romance e fantasia. Neste subgênero, a trama se equilibra perfeitamente, com a relação amorosa central tendo peso igual ao do universo mágico ou sobrenatural da história.

Em Pernambuco, um nome se destaca neste cenário: Fernanda Castro. A escritora não apenas domina a arte de misturar paixão e magia, como também alcançou um reconhecimento notável, sendo a única mulher finalista do Prêmio Jabuti 2024 na categoria "Romance de Entretenimento" e a primeira a levar o gênero à categoria criada em 2020.

Fernanda Castro será um dos destaques da XV Bienal do Livro de Pernambuco. Além de participar da programação, ela fará o lançamento da versão física comemorativa do livro “Lágrimas de Carne”. A feira acontece de 3 a 12 de outubro no Pernambuco Centro de Convenções, em Olinda.

Transição de carreira

Fernanda é formada em Ciência da Computação, mas sempre teve um pézinho no mundo literário. “Eu sempre escrevi, vendia gibis na escola para as minhas colegas, escrevia fanfics de ‘O Senhor dos Anéis’ em que eu e as minhas amigas casávamos com Legolas, a minha irmã inventava histórias para mim... Só que não havia um caminho profissional no Recife, como um curso na faculdade que ensinasse a trabalhar com livro, então aquilo para mim não era uma carreira", conta.

A pernambucana só cogitou escrever profissionalmente quando estava fazendo doutorado em Ciência da Computação. "Quando eu comecei a fazer blogs de resenhas de livros, comecei a descobrir como é que esse mercado funcionava. Vi que existiam editores, tradutores, diagramadores e outras funções. Fui me interessando e descobrindo caminhos de publicação, como as revistas literárias e os concursos. Então eu fiz: 'Pô, eu vou tentar'", relata.

"No início foi bem complicado. Eu tenho noção de que eu só consegui porque eu tinha o privilégio do meu marido ter um emprego estável, da gente na pandemia poder estar trabalhando de casa. Então isso me deu a segurança de me lançar numa carreira que é muito incerta e nichada. É um mundo de poucas vagas e pouca rotatividade", acrescenta.

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Fernanda deixou a carreira de tecnologia para se dedicar ao mercado literário - Divulgação

A escritora afirma que a oportunidade de ingressar no mundo literário depende de indicações e que a possibilidade é ainda menor para quem não está no Sudeste. "Quando a gente não mora no Rio de Janeiro ou em São Paulo, que é onde tá a maioria das editoras comerciais, é muito difícil conseguir quem te indique. Você não está lá nos eventos olhando olho no olho, cara na cara, conhecendo melhor as pessoas", complementa.

O plano então foi se lançar na carreira literária como voluntária. "Uma grande amiga minha, Jana, que é de São Paulo, fundou a revista Mafagafo. Eu comecei a trabalhar lá como editora e preparadora de texto. Eu fazia de tudo. Fui juntando o portfólio e conhecendo pessoas. Se ia ter um evento, por exemplo a Bienal de São Paulo, eu ia. Pagava do meu próprio bolso só para lá poder apertar a mão das pessoas. Me dediquei até começar a ser indicada para esses trabalhos", relata.

Atualmente, Fernanda não trabalha mais com tecnologia, dedica-se apenas a atividades literárias. "Hoje eu trabalho com tradução e preparação para as editoras ou com direitos autorais. Graças a Deus, posso dizer que tenho a agenda cheia e tô conseguindo me manter com isso", acrescenta.

Influências e obras

Tanto as leituras, quanto as obras de Fernanda são diversificadas em temas, mas possuem uma preferência clara por narrativas que aprofundam o desenvolvimento de seus personagens. Ela se descreve como alguém que aprecia livros "intimistas", que se demoram na "psiquê dos personagens", em vez de tramas focadas em grandes acontecimentos e reviravoltas.

“Eu tenho uma preferência muito grande por obras centradas em desenvolvimento de personagem. Prefiro livros como ‘Oração para desaparecer’, de Socorro Acioli, que gira em torno do mistério da vida dela. Se você for tentar explicar para uma pessoa em termos de fatos o que acontece, não tem muita coisa realmente, é mais centrado no desenvolvimento da personagem”, explica.

As principais influências literárias de Fernanda são majoritariamente mulheres, incluindo autoras contemporâneas brasileiras e de horror latino-americano, como Leila Martins e Mariana Enriquez respectivamente. Essa inclinação se reflete em suas próprias histórias, que frequentemente exploram a complexidade da experiência feminina.

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Fernanda revela que prefere livros que se demoram na "psiquê dos personagens" - Divulgação

Na escrita, a fantasia é regra: as três principais obras da autora pertencem ao gênero. Em sua obra de estreia, a noveleta de fantasia "Lágrimas de Carne", a autora usa elementos da sua infância com um forte sabor nordestino para conduzir a jornada de uma carpideira Na missão sombria de "expurgo das almas", auxiliada por seus filhos seres-míticos, Carcará (metade falcão) e Suindara (metade coruja)

A trama mergulha em temas pessoais e complexos sobre famílias difíceis e relações entre mãe e filhos. A obra conquistou o Prêmio Odisseia de narrativa curta de fantasia em 2021 e ganhará uma edição física comemorativa e artesanal que será lançada durante a Bienal do Livro de Pernambuco.

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Fernanda Castro em sessão de autógrafos de 'O Fantasma de Cora' - Divulgação

Já o “O Fantasma de Cora” é descrito por Fernanda como seu "livro feliz" e mais "solar e alegre" em comparação com suas obras posteriores. A principal inspiração para a obra são as novelas das seis, sendo uma "grande carta de amor" a esse formato. O enredo gira em torno da investigação de um assassinato onde uma das investigadoras é o próprio fantasma da vítima.

Com “Mariposa Vermelha”, a autora conquistou a indicação ao Prêmio Jabuti na categoria “Romance de Entretenimento” em 2024. A romantasia acompanha o arco de corrupção de uma mocinha que, para vingar a morte da mãe, faz um pacto com um demônio, e segundo Fernanda, se dando o direito de ser uma pessoa "raivosa".

Para a escritora, a obra representa uma maturidade na sua prosa, que ela descreve como mais rebuscada e trabalhada, e subverte a ideia tradicional da mocinha que precisa ser salva por um herói: “Eu planejei cada detalhezinho da história. Tudo teve muito propósito. Esse alcance também se deu porque o livro passa por temas que têm muito interesse, principalmente temas políticos. É um livro que trata muito da questão da liberdade, de governos autoritários e ele saiu na época da pandemia”, comenta.

“Além disso, é muito forte essa questão da mulher com raiva. É uma tendência que a gente tá vendo inclusive lá fora, das autoras subverterem essa ideia do monstro. Antes a gente tinha histórias em que a mocinha é salva por um homem de um monstro. E agora a gente tem a mocinha que resolve que quer ser tão monstruosa quanto, se relaciona com o monstro e nega o homem”, acrescenta.

Literatura escrita por mulheres e para mulheres

Fernanda destaca que o sucesso comercial de autores de fantasia e romantasia, que hoje dominam as listas de mais vendidos, tem forçado o mercado a dar mais respeito e espaço a essas escritoras. Esse sucesso financeiro, segundo ela, ajuda a abrir portas em outras áreas, como em prêmios que avaliam o mérito literário.

“A gente ainda tem um longo caminho, mas eu vejo um cenário muito melhor do que uns anos atrás. As pessoas não estão conseguindo ignorar mais as autoras porque elas estão alcançando um grande sucesso comercial. A gente vivia uma fase em que histórias muito parecidas com ‘Game of Thrones’ ou ‘Senhor dos Anéis’ eram as mais vendidas, e agora a gente está vendo a fantasia e a romantasia conquistar espaço nas listas de mais vendidos. E essas histórias de fantasia geralmente são escritas por mulheres, como o fenômeno mundial ‘A Quarta Asa’”, pontua.

A autora relembra que foi a única mulher finalista no Prêmio Jabuti 2024 na categoria "Romance de Entretenimento" e a primeira a ser indicada por uma romantasia e que quer ver mais mulheres nestes espaços. “Fui a primeira finalista de entretenimento com uma romantasia e eu não só queria ver mais mulheres conquistando esses espaços, eu queria ver mais mulheres escrevendo livros que são considerados pelas pessoas ‘livro de mulher’, porque isso acontece muito, sabe?”.

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Fernanda Castro em sessão de autógrafos de 'Mariposa Vermelha' - Divulgação

Ela ressalta que as obras de autoria feminina de gêneros como fantasia e romance são vistas como inferiores em comparação às escritas por homens: “Há uma diminuição dessa literatura feminina do tipo ‘homens escrevendo para homens’, que todo mundo lê, e ‘mulheres escrevendo para mulheres’, que só mulheres podem ler.”

Embora afirme nunca ter sofrido preconceito aberto, ela relata notar uma certa condescendência e microviolências. Isso se manifesta tanto por parte do público, que pode diminuir sua obra por ser "romance" ou "livro de mulher", quanto em comentários com um "tom paternalista" de pessoas do mercado literário. Ela descreve essas atitudes como algo estrutural e "tão sutil que as pessoas nem percebem"

"Uma vez um leitor chegou para mim e disse assim: 'Olha, eu achei, eu detestei Mariposa Vermelha, mas continue, você é muito boa, você vai chegar lá, o seu próximo livro vai ser muito bom'", conta.

Bienal do Livro

Para Fernanda, a XV Bienal do Livro de Pernambuco será ainda mais especial: além de participar de painéis, a autora lançará edição comemorativa e física de “Lágrimas de Carne” na feira.

“É o mais nordestino das coisas que eu escrevi, é o que carrega mais coisa da minha infância, da casa da minha avó. Como ele só tinha edição digital, muitas pessoas não têm noção que esse livro existe. Vamos lançar uma versão especial, com capa dura de tecido, feita à mão. Uma edição linda”, detalha a autora.

Ela conta também que a editora de “Lágrimas de Carne” é do Sul e que, por isso, as primeiras pessoas a receberem os exemplares são as do Sul e Sudeste. “Desta vez, as pessoas em Pernambuco vão ser as primeiras a receber o livro. Tô bem feliz porque é quase um carinho que eu faço pros leitores daqui”, comemora.

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Além de integrar a programação da Bienal do Livro de Pernambuco, Fernanda estará circulando pela feira - Divulgação

Nesta sexta-feira (3), às 15h, Fernanda participa do painel “Nossas raízes são fantásticas: Um papo com quem produz Fantasia no Nordeste” com Lais Lacet, Anna Andrade e mediação de Maria Anna Martins no espaço Círculo das ideias.

No domingo (5), às 14h, a escritora estará no espaço Conexão Petrobras no painel “Romantasia: A importância do romance nas narrativas de alta fantasia” com Giu Domingues, Liny Douglas e Marina Dutra e mediação de Alessandra Queiroz. Neste dia, será lançada a edição especial do livro “Lágrimas de Carne”.

No dia seguinte, a autora pernambucana participa do painel “A importância das novelas na formação de novos autores” com Anna Martino e Italo Damasceno e mediação de Larissa Viana às 15h no espaço Círculo das Ideias. Além disso, Fernanda estará pela feira nos dias 4, 7, 8, 10 e 12.

Fernanda conta que as expectativas para a Bienal estão altas: “Eu já tinha participado tanto da programação da Bienal de Pernambuco, quanto dos outros estados, mas essa é a Bienal mais importante da minha carreira. Porque foi feita justamente uma movimentação para que ela abraçasse não apenas a visão comercial da literatura - trazendo autores badalados para o Nordeste -, mas também dar uma visibilidade para quem é daqui.”

“Eu sou uma autora do Nordeste, quero ser reconhecida lá fora, mas eu também quero que o meu estado tenha eventos grandes, eventos relevantes de peso. Então, esse ano eu sinto que a Bienal se reestruturou e que a gente vai fazer uma edição assim muito histórica”, finaliza.

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