Entrevista: Ivan Lins celebra seus 80 anos com turnê comemorativa no Recife
O artista se apresenta no Teatro Guararapes no dia 23 de agosto, com um show que reúne clássicos do seu repertório e canções inéditas

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Em celebração aos seus 80 anos — e 55 de carreira, Ivan Lins entrou em uma turnê comemorativa e traz ao Recife, no dia 23 de agosto, uma apresentação especial que reúne grandes sucessos e canções inéditas. Para ele, esse trabalho parece ser muito mais do que um presente aos fãs, já que ele mesmo considera o contato com o público fundamental para sua arte. É quando ele canta para uma plateia e percebe que ela o acompanha, que chega ao Éden. No palco, músico e ouvinte se tornam cúmplices.
“É um sentimento de cumplicidade que só um artista no palco sabe o que representa. É muito poderoso [...] Eu faço música para o público e para não ficar sozinho. Eu tenho muito medo da solidão. As coisas que eu faço, eu gosto e preciso repartir com as pessoas”, diz Ivan. “Se eu pudesse, eu só fazia show de graça e nem cobraria cachê, se eu pudesse pagar minhas contas e viver em casa tranquilo. Isso seria lindo”, completa.
Nesta nova turnê, o amor é mais do que o combustível que leva Ivan ao palco: é o fio condutor de todo o repertório. Com tantos anos de carreira, fases e composições, ele explica que não foi fácil escolher as canções que fazem parte dessa apresentação. Ao lado do filho, Cláudio Lins, que roteirizou e dirige o espetáculo, ele decidiu utilizar a esperança e a paixão como guias da curadoria, indo para o lado mais lírico e emocional do seu trabalho. “A gente fala muito de amor, principalmente por causa dos tempos que estamos vivendo hoje, tempos muito violentos, com uma intolerância absurda. O mundo está precisando de mensagens assim e queremos passar isso para o público, para que ele não se sinta muito pressionado pela realidade que ele vê nos jornais. Algumas canções estão conectadas. Às vezes cantamos uma parte só da música e ligamos com outra. Mas a mensagem, em geral, ficou muito bonita. Os shows que já fizemos foram ovacionados, as pessoas saem de alma lavada e nós também”, afirma ele.
Em quase duas horas de apresentação, Ivan promete envolver o público com números musicais e conversas: “Eu tenho que falar alguma coisa, são 80 anos, uma vida intensa, 55 anos de carreira, é muita história. Eu tento fazer uma síntese, mas não sou bom de síntese. Falo que nem um louco”.
Curadoria e repertório
Mesmo com a ideia de reunir músicas que girassem em torno de uma temática, selecionar o repertório foi muito difícil. Mas duas canções foram bem fáceis de escolher: Madalena e Vitoriosa. Ivan brinca que o público faria uma “revolução” caso ele não tocasse esses sucessos, e ele mesmo adora levá-los ao palco, porque sabe que não vai cantar sozinho.
Entre as inéditas, está Meninos de Gaza, que, para o artista, representa uma realidade violenta que acontece não só nessa região, mas em diversos países. “A mensagem da música é sobre as crianças morrendo com as guerras [...] A música mostra uma vida que é bonita, pois as crianças representam o futuro, a delicadeza, a beleza e o encantamento, e como tudo isso é destruído por ideias insanas. Não é uma letra pesada, é uma letra bonita, muito poética, mas que deixa um finalzinho salgado”, explica ele. A canção é imediatamente conectada a Aos Nossos Filhos, que através dessa ligação, ganha uma nova leitura. Aqui, Ivan performa ao lado do filho, Cláudio.
A música foi composta para os filhos do cantor: o próprio Cláudio, João, que é seu empresário, e Luciana, sua filha adotiva. Para Ivan, existe uma cumplicidade especial, de pai e filho, quando ele e Cláudio estão no palco. “Como ele já é pai, eu canto para ele e ele canta para o filho dele. Eu canto para o meu neto também. É um momento muito bonito, ter para quem dedicar isso”, diz. Os dois também performam juntos Cartomante. Ambas as canções ficaram conhecidas na voz de Elis Regina, sendo essas apresentações uma maneira de homenageá-la.
São muitos os momentos emocionantes que Ivan preparou para a turnê, e ele tem um favorito: um bloco de músicas “interioranas”. A sonoridade que o artista trouxe para essas canções também é mérito de Vítor Martins, compositor com quem ele trabalha desde os anos 1970. O cantor, nativo do litoral, conta que foi o parceiro que o apresentou ao Brasil do interior, que ele, até então, não conhecia. Vítor trabalhava na gravadora Continental, em São Paulo, quando os dois se conheceram. De lá, Ivan levou diversos discos para casa e começou a ouvir novos gêneros brasileiros. Foi nessa época, e por influência desse conhecimento, que ele lançou o disco Somos todos iguais nesta noite. “Eu resolvi mostrar esse lado no show [...]. São seis canções que eu toco desse jeito e acho que é a parte que eu mais gosto”, revela.
Amor pelo Recife e relação com a música nordestina
Com o Recife, Ivan conta que tem uma relação singular. “Recife é impressionante. Todo mundo fala que o carnaval de Recife é o melhor do Brasil, e é mesmo, porque se tem contato com a cultural regional do estado, onde se produziu muita coisa. A diversidade cultural de Pernambuco é uma coisa absurda. [Recife] é um lugar muito especial para estar e compartilhar intelectualmente e sentimentalmente coisas da vida. Eu acho uma cidade essencial”, diz ele.
Esse relacionamento com o município perpassa por algumas situações inusitadas. Um deles envolve apresentações no Teatro Santa Isabel e a interferência de uma rádio, localizada ao lado. “Uma vez eu fui assistir a um show do Paulinho da Viola na véspera do meu. Teve uma hora que entrou Maria Bethânia cantando mais alto do que ele [na rádio]. Ele teve que parar a apresentação. O público começou a cantar a música da Maria Bethânia junto com ela, enquanto a equipe foi até a rádio pedir para eles pararem com o programa. Ela estava cantando um tremendo sucesso”, brinca.
A região Nordeste é uma das inspirações de Ivan no quesito musicalidade. Por aqui, ele se apaixonou pelo xote e diz que aprendeu a tocar o ritmo com João do Vale. Seu primeiro xote foi Forró do Largo, mas é com a canção É ouro em pó que ele homenageia o amigo. “Eu tenho várias, e elas fazem um sucesso incrível lá fora”, explica. Segundo o cantor, o xote surgiu graças aos marinheiros escoceses que iam ao Recife no final do século XIX e no início do século XX. Ele finaliza: “Na noite eles iam para os bares tocar e levavam a bebida nacional deles, que era o xote. E a palavra xote vem de schottisch. Os locais não sabem falar schottisch e falavam: 'dá um xote aí'”.
Brasileiro por natureza
Para Ivan, sua música reflete seu tempo, sua história e a história da sua terra, transmitindo tudo o que o cerca, tanto nos aspectos políticos e sociais quanto nos amorosos. Antes de finalizar um som, ele e seus parceiros de composição conversam muito sobre o Brasil. Embora tenha críticas ao país, ele exalta a paixão dos brasileiros: “Somos um povo muito intenso. A gente também fala muito disso na nossa música, do lirismo, do amor, da esperança, da vontade de ser feliz, de melhorar a vida. [...] O Brasil poderia ser um outro país, infinitamente melhor que esse. Ele já é lindo, um dos mais lindos do planeta, um dos que tem a maior diversidade em todos os sentidos, de cultura, fauna, flora, geografia. É tudo lindo. O Brasil é um país incrível, chega a ser quase surreal, tem um povo genial”.
Esses seus posicionamentos e críticas, segundo ele, são bastante claros: “Eu não preciso mais fazer discurso em show, a minha obra já fala por si [...] Minha visão social e política está toda contida na minha obra, eu não me escondo atrás dela. Se você entende a minha música, você me entende”.
Carreira internacional
O trabalho de Ivan Lins não se limita aos corações dos brasileiros. Suas canções são sucesso internacional, e ele explica o motivo: “O que acontece comigo acontece também com vários compositores, principalmente da minha geração, porque nossa música é surpreendente [...] Nós somos imprevisíveis. Ninguém sabe o que vem da gente. Eles vão assistir ao nosso show sem saber o que vem aí. Não somos óbvios. A música brasileira tem isso. Quando a gente chega lá e toca um xaxado o cara sai se perguntando: ‘Que p*rra é essa?’ Milton lota qualquer lugar do mundo. Gil e Caetano também. Djavan, João Bosco… Todos esses saem daqui e quando chegam lá é tudo lotado”.
O artista reconhece que foi a Bossa Nova que abriu essas portas. Foi graças ao gênero que, segundo ele, sua geração de músicos conseguiu chegar ao exterior da forma como chegou nas décadas de 1970 e 1980. “[A Bossa Nova] foi a primeira vitrine do Brasil em qualidade, sofisticação e novidade”, afirma ele.
Passado e futuro
Foram a autoestima e o amor pelo ofício que impulsionaram Ivan, desde o início da carreira, a chegar onde chegou. Para ele, gostar de si é fundamental para o sucesso. “Eu fiz isso. Escolhi a música contra o meu pai, ele ficou dois anos muito zangado comigo, mas depois ele reconheceu. No dia que ele ouviu Bandeira do Divino, ele falou que era minha maior obra prima. Eu canto essa música até hoje por causa dele”, revela o cantor.
Com um passado brilhante, ele ainda acredita muito no futuro — está finalizando um projeto de samba tradicional e não abandonou seus sonhos: “Eu tenho um sonho de fazer um disco de jazz instrumental, de fazer um disco com um coral, de fazer um disco só com minhas músicas interioranas”. Ele diz que é um sonhador. Sempre foi, e sempre será.