Homem é absolvido depois de passar 13 anos preso por crime que não cometeu no Grande Recife
Condenação inicial ocorreu com base apenas em 2 testemunhas que "ouviram dizer" que acusado participou de duplo homicídio no Cabo de Santo Agostinho

Clique aqui e escute a matéria
Durante 13 anos, Antônio (nome fictício) viveu atrás das grades e com o sentimento diário de injustiça. Preso em 2011 após o relato de duas testemunhas que "ouviram dizer" que ele participou de duplo homicídio no Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife, ele acabou condenado a 50 anos de reclusão pelo crime que não cometeu. Somente após o trabalho da Defensoria Pública do Estado, ele foi inocentado em novo júri, realizado na última semana.
O crime aconteceu na tarde de 19 de junho de 2011. Na ocasião, dois homens morreram e dois ficaram feridos. Antônio foi acusado de ser o mentor intelectual do crime, fazendo com que as vítimas permanecessem no local até a chegada dos executores. Momentos antes, ele saiu para atender um telefonema. No entendimento da polícia à época, aquele foi um pretexto para avisar aos outros comparsas onde o grupo estava.
A acusação contra o réu se baseou unicamente na interpretação de que ele teria contribuído para que as vítimas permanecessem no local pouco antes do ocorrido. No entanto, ele sempre negou envolvimento e afirmou que havia saído da área após receber um telefonema sobre um imóvel - versão confirmada pela pessoa que fez o contato.
O primeiro julgamento, realizado em 2015, ignorou testemunhos e contradições da acusação.
"O processo foi eivado de erros. Ele foi condenado sem nenhuma prova. Apenas um 'ouvir dizer' de duas pessoas que ouviram dizer que ele teria participação nesse crime. Só que o ouvir dizer dessas pessoas, a história que elas contavam, não batia nem com a história das pessoas que estavam no local do fato", explicou a defensora pública Bruna Leite, em entrevista ao JC.
Além das falhas processuais, a Defensoria Pública não foi intimada oficialmente da sentença condenatória, o que impediu o exercício do direito ao recurso dentro do prazo legal. O erro foi identificado em 2020, em atendimento realizado na Penitenciária Professor Barreto Campelo, na ilha de Itamaracá, onde ele cumpria a pena.
ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA
Na época, a defensora pública Mariana Resende interpôs apelação. O juiz de primeiro grau, no entanto, negou seguimento do recurso sob o argumento de que já havia passado o prazo para isso. O defensor público Dennis Borges interpôs novamente a apelação com as razões defensivas e despachou com o magistrado, demonstrando as ilegalidades processuais ocorridas, o que foi determinante para o recebimento do recurso.
A decisão do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) pela anulação do júri só veio em março deste ano, reconhecendo que a condenação havia sido contrária às provas dos autos. Ele foi solto.
O novo júri foi realizado no último dia 14 de julho. Na ocasião, a defensora pública Bruna Leite demonstrou a inconsistência das acusações e a ausência de provas que ligassem o acusado ao crime. O Ministério Público também se manifestou pela absolvição. Ao final, o Conselho de Sentença acolheu a tese da defesa e o réu foi inocentado.
"O processo trazia uma narrativa sem sustentação, baseada em boatos e ilações. Não havia provas materiais ou testemunhais que indicassem qualquer envolvimento do acusado. Depois de quase 13 anos preso, ele teve a sua dignidade recuperada. Um senhor que nunca respondeu a nenhum processo criminal na vida. A decisão do júri representa não apenas a correção de uma injustiça, mas a reafirmação do papel da Defensoria Pública na garantia de direitos fundamentais", afirmou Bruna Leite.
RECOMENÇO E PEDIDO DE INDENIZAÇÃO
Agora livre de qualquer acusação, Antônio tenta voltar aos poucos à rotina. Segue com medo. Tanto que, em contato com o JC, afirmou que preferia não conceder entrevista - mesmo na condição de anonimato.
O próximo passo, agora, é ingressar com uma ação indenizatória contra o Estado. Ele está sendo acompanhado pelo Núcleo da Defensoria no Cabo de Santo Agostinho.
"Casos como esse mostram o quanto é urgente e essencial o olhar atento da Defensoria Pública. Somos a voz dos que muitas vezes não têm voz e o amparo de quem mais precisa. Reverter uma condenação injusta é mais do que corrigir um erro: é reafirmar o compromisso do Estado com os direitos humanos e com a verdadeira justiça", declarou Henrique Seixas, defensor público-geral do Estado de Pernambuco.