Transporte intermunicipal de Pernambuco grita por socorro e alerta para risco de colapso sem ação do governo do Estado
Em debate na Rádio Jornal, representantes do setor voltaram a fazer o alerta sobre a situação do sistema, que vem tendo linhas suspensas no interior

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O sistema de transporte coletivo intermunicipal de passageiros em Pernambuco enfrenta uma crise profunda, com o setor à beira do colapso e implorando por uma intervenção imediata do governo estadual. Em debate na Rádio Jornal nesta quinta-feira (21/8), representantes do setor voltaram a fazer o alerta sobre a situação do sistema, que já vinha sendo denunciada e se agravou com a suspensão de linhas de ônibus no interior.
O alerta foi feito, principalmente, pelos representantes das empresas rodoviárias de passageiros. Érica Solto, assessora da presidência do Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários de Passageiros do Estado (Serpe), foi enfática ao afirmar que o setor pede socorro, literalmente, e que a situação pode levar a um colapso em um futuro próximo, começando ainda em 2025, com a suspensão de mais linhas de ônibus que conectam o interior ao Recife e atendem à conexão entre cidades da Zona da Mata, Agreste Sertão pernambucanos.
A falta de apoio financeiro tem levado à redução drástica da frota, com a perda de 350 veículos e o encolhimento do setor pela metade nos últimos nove anos, mas com o maior impacto sendo verificado este ano. Pelo menos 80 cidades do interior já perderam linhas regulares e muitas estão com horários reduzidos, impactando a população que perde o acesso aos serviços e até mesmo o direito à gratuidade.
Com a suspensão de linhas, aumentam as demissões que já alcançam 2.000 postos de trabalho, afetando diretamente a mobilidade da população do interior. E a expectativa é de que novas linhas intermunicipais sejam suspensas novamente em breve.
Vale destacar que a Empresa Pernambucana de Transporte Intermunicipal (EPTI), responsável pela gestão do transporte no interior do Estado, não compareceu ao debate, apesar de convidada. O mesmo aconteceu com a Secretaria de Mobilidade e Infraestrutura de Pernambuco (Semobi), pasta a qual a EPTI está subordinada.
CONTRATO DE CONCESSÃO DESCUMPRIDO, AUSÊNCIA DE SUBSÍDIOS E TRATAMENTO DESIGUAL
Um dos principais desafios enfrentados pelo setor é o descumprimento do contrato de concessão por parte do governo estadual. O setor, que é licitado e possui contrato válido, lamenta a falta de retorno para a implementação de um plano de ação, que desde novembro de 2022 não avança. Este contrato prevê um desenho para um sistema intermunicipal estrutural e complementar, que poderia trazer dinâmica e sustentabilidade ao transporte, mas não está sendo colocado em prática pelo governo de Pernambuco.
Érica Solto destacou que há uma desigualdade de tratamento entre o transporte de passageiros intermunicipal e o metropolitano, que atende ao Grande Recife. “Enquanto o sistema metropolitano recebe subsídios, com cobertura de todos os custos operacionais, o intermunicipal não recebe nenhum subsídio e precisa arcar com todas as despesas. Por isso questionamos ao governo: existem dois tipos de cidadãos, o da cidade e o do interior? Visto que o transporte intermunicipal atende, em sua maioria, à população mais carente que paga suas passagens do próprio bolso”, afirmou.
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Outro argumento apresentado no debate foi que a ausência de subsídios têm sido fatal para o setor, especialmente com os altos custos de insumos como o óleo diesel, que, no caso do sistema da Região Metropolitana do Recife, tem incentivos como a redução de ICMS. “Nós queremos o mesmo tratamento que o Estado dá ao transporte do Grande Recife. É justo. Precisamos. Não é possível mais que o custo da operação seja todo coberto pelo passageiro”, defendeu Érica Solto.
Segundo ela, o setor tem tentado negociar uma fonte de custeio para as gratuidades (idosos, pessoas com deficiência), que são bancadas pelas empresas intermunicipais, mas não obteve resposta até o momento.
OMISSÃO DO ESTADO NA FISCALIZAÇÃO ABRE CAMINHO PARA O DOMÍNIO DO CLANDESTINO


A falta de fiscalização adequada por parte do poder público é apontada como outro grave problema que alimenta a crise financeira e operacional enfrentada pelo transporte intermunicipal de Pernambuco. Isso porque ela tem sido a porta de entrada para o crescimento descontrolado do transporte clandestino. Em 2020, segundo Érica Solto, houve a identificação de 20 mil veículos que faziam o transporte clandestino, mas esse número deve ser muito maior, ainda mais depois da pandemia de covid-19.
“Quem hoje é responsável pelo sistema intermunicipal de Pernambuco é o transporte clandestino, que opera sem capacitação comprovada para motoristas, sem manutenção ou vistoria nos veículos, e não oferece garantias como seguro de responsabilidade civil em acidentes. Além disso, os serviços clandestinos são irregulares, podendo ter horários incertos ou cancelamentos de última hora, com tarifas que não são reguladas e podem dobrar em momentos de alta demanda ou greves”, alertou.
Confira o debate na íntegra (a partir de 3h):
A EPTI, embora seja o órgão responsável, foi apontada como um órgão sem estrutura para fiscalizar, e o governo estadual tem sido criticado por sua omissão. “A falta de fiscalização permite que veículos clandestinos invadam até mesmo o Recife, o que é proibido por lei, prejudicando ainda mais as empresas regulares e, assim, colocando em risco o emprego dos trabalhadores”, alertou o presidente do Sindicato dos Rodoviários do Estado (Sintranstur), José Maria Martins.
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As empresas e o sindicato afirmaram ter mapeamento dos pontos de atuação dos clandestinos e propõem intensificar a fiscalização em parceria com as autoridades, visto que os clandestinos chegam a panfletar seus serviços.
SISTEMA SEM INVESTIMENTOS EM TECNOLOGIA, PERDENDO PASSAGEIROS


A crise é tão severa que, segundo Érica Solto, o setor não tem recursos para investir em modernização ou tecnologia, como a venda digital de passagens. Segundo a empresária, o foco principal do setor está sendo conseguir pagar a folha de pagamento dos funcionários.
Com a suspensão das linhas, ônibus saem de circulação e estão sendo vendidos para poder gerar receita para as empresas. “A situação atual exige uma atitude por parte do governo do Estado para equilibrar financeiramente o sistema porque os operadores já não conseguem repassar os custos altos para o passageiro através das tarifas, já consideradas elevadas”, disse.
O entendimento é que o governo de Pernambuco só precisa dar a ordem de serviço para a implantação da nova rede de transporte que foi licitada, criando o transporte complementar para acomodar parte dos clandestinos e mantendo as empresas regulares com as linhas troncais.
“O sistema licitado é perfeito no papel, mas precisa ser iniciado e ter seus contratos efetivados para que o transporte intermunicipal possa se reerguer e atender à população de Pernambuco”, finalizou Érica Solto.