Crise no transporte intermunicipal: concorrência dos clandestinos, falta de fiscalização do Estado e crise financeira provoca suspensão de linhas de ônibus ligando Recife ao interior de Pernambuco
As empresas Rodoviária Borborema Ltda. e Expresso 1002 anunciaram a suspensão temporária de diversas rotas ligando o Recife à região da Zona da Mata

O sistema de transporte coletivo intermunicipal de passageiros em Pernambuco enfrenta um cenário crítico que se agravou nos últimos anos e que, mais do que nunca, está prejudicando os passageiros. Empresas responsáveis pela operação de linhas que ligam a capital, Recife, a cidades do interior, principalmente da Zona da Mata pernambucana, como a Rodoviária Borborema Ltda. e a Expresso 1002, anunciaram a suspensão temporária de diversas rotas a partir dos dias 3 e 8 de junho. A decisão drástica é motivada por um grave desequilíbrio econômico-financeiro e, de forma destacada, pelo avanço descontrolado do transporte clandestino.
As empresas de transporte intermunicipal apontam uma série de fatores que tornam a operação financeiramente insustentável. Em documento encaminhado à Empresa Pernambucana de Transporte Intermunicipal (EPTI) e cujo teor foi confirmado ao JC por fontes, um dos principais problemas é a defasagem tarifária, com tarifas que não são atualizadas desde 2007. Há registros de intervalos de até 41 meses sem reajustes e, mais recentemente, 22 meses sem qualquer atualização tarifária oficial. A Rodoviária Borborema, por exemplo, projetava uma receita de aproximadamente R$ 65 mil mensais por veículo para manter suas linhas, mas a arrecadação real não ultrapassa R$ 30 mil mensais por veículo, o que representa uma redução de cerca de 54%.
Além disso, as operadoras intermunicipais não contam com subsídios que auxiliem na manutenção das linhas. Diferentemente do que ocorre na Região Metropolitana do Recife, onde empresas recebem isenção de ICMS sobre diesel e complementação de receitas para linhas deficitárias, os operadores do sistema intermunicipal não recebem essa complementação. No documento, a Borborema também teria mencionado que investimentos feitos para atender às exigências da licitação de 2014 nunca foram ressarcidos, acumulando uma frustração de receita que, segundo a empresa, ultrapassa R$ 500 milhões. A falta de cumprimento do calendário anual de revisões também contribui para o desequilíbrio.
O transporte intermunicipal é operado por sete empresas (Progresso, 1002, Borborema, Rodotur, Astrotur, Coletivos, Joalina e Logo Transporte) que transportam 1,3 milhão de passageiros por mês.
TRANSPORTE CLANDESTINO E AUSÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO PELO GOVERNO DE PERNAMBUCO
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Um fator determinante para o colapso financeiro das operações é o avanço do transporte clandestino e de linhas concorrentes que operam indevidamente no mesmo território, operadas por automóveis e vans, por exemplo. Esse crescimento descontrolado de serviços não autorizados tem como consequência a redução drástica do número de passageiros pagantes.
As empresas afirmam que o transporte clandestino agrava ainda mais o desequilíbrio na remuneração das linhas. Tanto a Rodoviária Borborema quanto a Expresso 1002 relataram ter enviado diversas denúncias e pedidos de intensificação da fiscalização às autoridades competentes, como a EPTI e o governo do Estado, mas até o momento não obtiveram respostas efetivas ou providências adotadas. A falta de controle desse fenômeno torna a manutenção dos serviços regulares "inviável".
Diante do cenário considerado "insustentável", as empresas decidiram suspender as operações em algumas rotas. A Rodoviária Borborema suspendeu temporariamente as linhas que ligam Vitória de Santo Antão ao Terminal Integrado de Passageiros (TIP), no Recife, e à cidade de Escada, a partir de 8 de junho. A empresa esclareceu que a suspensão é temporária até que sejam restabelecidas condições operacionais que garantam a viabilidade econômica-financeira. Para obter recursos e manter a continuidade da operação em outras linhas, a concessionária precisou descredenciar parte de sua frota a fim de viabilizar a venda de veículos.
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Já a Expresso 1002 suspendeu quatro linhas intermunicipais a partir do dia 3 de junho. São elas: Recife x Machados, Recife X São Vicente (via Timbaúba), Recife x São Vicente (via Buenos Aires) e Timbaúba x Itambé. A empresa justificou que a decisão "visa preservar a sustentabilidade da empresa e garantir a continuidade dos serviços nas demais linhas".
SINDICATO DOS OPERADORES CONFIRMA CRISE FINANCEIRA DO SETOR
A situação de entrega das linhas e a crise vivida pelo setor foi confirmada pelo Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários de Passageiros do Estado de Pernambuco (SERPE), que destacou, em comunicado, o assustador crescimento do transporte clandestino, especialmente nas rodovias PE-90 e BR-408 e em áreas da Região Metropolitana do Recife (RMR). Até mesmo no Terminal de Santa Rita, no Centro do Recife, é possível encontrar automóveis oferecendo corridas para Porto de Galinhas (Ipojuca), por exemplo.
E listou os mesmos fatores apontados pelas empresas: desequilíbrio financeiro (defasagem tarifária, ausência de subsídios, descumprimento do calendário de reajustes), concorrência do transporte clandestino e incertezas jurídicas e contratuais. O sindicato também mencionou que, apesar de uma decisão judicial favorável à retomada dos contratos de concessão, o Estado ainda não implementou as medidas necessárias, prejudicando o planejamento das operadoras.
Confira o posicionamento oficial do SERPE:
“O Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários de Passageiros do Estado de Pernambuco (SERPE) informa que, a partir do dia 3 de junho de 2025, algumas linhas operadas pela Expresso 1002 terão suspensão temporária, em razão do cenário crítico enfrentado pelo Sistema de Transporte Coletivo Intermunicipal de Passageiros de Pernambuco (STCIP/PE), que se agravou nos últimos anos.
A decisão foi comunicada formalmente à Empresa Pernambucana de Transporte Intermunicipal (EPTI) por meio de ofício enviado em 15 de maio de 2025, e se baseia em três fatores principais:
Desequilíbrio financeiro do sistema
A defasagem tarifária, a ausência de subsídios operacionais e isenções fiscais, além do descumprimento do calendário oficial de reajustes, comprometem a sustentabilidade econômica das operadoras. A Expresso 1002, por exemplo, está há 22 meses sem reajuste tarifário oficial.
Concorrência do transporte clandestino
O crescimento descontrolado de serviços não autorizados, especialmente nas rodovias PE-90 e BR-408 e em áreas da Região Metropolitana do Recife (RMR), tem reduzido drasticamente o número de passageiros pagantes. A empresa já apresentou diversas denúncias e relatórios ao Governo do Estado e à EPTI, mas até agora nenhuma providência foi adotada.
Incertezas jurídicas e contratuais
Apesar da decisão judicial favorável à retomada dos contratos de concessão do subsistema estrutural do STCIP/PE, o Estado ainda não implementou as medidas necessárias, prejudicando a previsibilidade e o planejamento das operadoras.
Para preservar as operações nos principais polos de demanda, a Expresso 1002 suspenderá temporariamente algumas rotas, incluindo as linhas Recife/São Vicente (via Buenos Aires), Recife/São Vicente (via Timbaúba), Recife/Machados e Timbaúba/Itambé. A empresa manterá a avaliação contínua da demanda nas demais linhas e realizará ajustes operacionais conforme necessário.
O SERPE reforça seu compromisso com a transparência e o diálogo constante com a população. A partir de junho, o canal de comunicação via WhatsApp (81) 99936-6308 terá um papel ainda mais ativo na recepção, encaminhamento e acompanhamento das denúncias sobre transporte clandestino nas linhas intermunicipais. O sindicato atuará em parceria com a Ouvidoria da EPTI para cobrar respostas rápidas e ações efetivas.
O sindicato segue cobrando do Governo do Estado ações efetivas no combate ao transporte clandestino e a urgente revisão da estrutura de financiamento do sistema, garantindo um transporte intermunicipal regular, seguro e sustentável em Pernambuco.”