Governo federal vai lançar programa para financiar motos a entregadores em meio à explosão de quedas e colisões nas ruas do País
Em entrevista, o presidente Lula anunciou que o País terá linha de financiamento para compra de motos mesmo com os custos bilionários para o SUS

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta terça-feira (3/6) que o governo federal avalia a criação de uma linha de crédito para financiar motocicletas destinadas a entregadores de aplicativo. A proposta, anunciada durante coletiva de imprensa e reiterada dias antes em uma cerimônia na Paraíba, faz parte de um conjunto de programas previstos para lançamento em 2025. O objetivo declarado do presidente é permitir que esses trabalhadores não passem por privações.
A iniciativa surge em meio a uma realidade alarmante nas ruas do País: uma verdadeira explosão de quedas e colisões envolvendo motocicletas, que impõem um alto custo à saúde pública brasileira. A gravidade da situação que envolve esses profissionais já motivou, em março de 2024, a assinatura do projeto de lei complementar 12/2024, o "PL dos Aplicativos", que busca garantir direitos mínimos aos profissionais que usam carros de aplicativo, como aposentadoria, auxílio por acidente ou doença e pensão por morte.
Embora o PL 12/2024, de autoria do Executivo federal, não inclua os entregadores e motoqueiros de Uber e 99 Moto, é apontado como um modelo a ser seguido quando e se a regulamentação das motos virar realidade no Brasil. O presidente Lula, entretanto, não deu mais detalhes sobre o futuro programa de financiamento de motocicletas.
“Estamos trabalhando com afinco em um programa de crédito para financiar motocicletas para os entregadores de comida”, disse. “E temos que cuidar não apenas da questão do crédito. Temos que garantir que ele tenha um lugar para que possa fazer as necessidades básicas, para que possam se lavar. Hoje eles não têm. Queremos ver se a gente dá conforto a essas pessoas”, afirmou Lula.
O CUSTO BILIONÁRIO DOS SINISTROS DE TRÂNSITO PARA O SUS
Enquanto o governo federal planeja facilitar e estimular a aquisição de motocicletas pela população, a saúde pública brasileira está à beira de um colapso provocado pelas mutilações do trânsito, especialmente de ocupantes de motos - condutores e passageiros.
Os sinistros de trânsito geraram uma despesa de R$ 3,8 bilhões em internações hospitalares no Sistema Único de Saúde (SUS) ao longo de uma década. Entre 2015 e 2024, o sistema público contabilizou 1,8 milhão de internações de vítimas do trânsito.
De acordo com médicos do tráfego e das emergências, que analisaram os dados do Ministério da Saúde, essas ocorrências pressionam cada vez mais os leitos de UTI e resultam em internações mais longas, agregando custos com procedimentos e reabilitação. O impacto financeiro se estende também à previdência e assistência social. Esse alerta foi feito pelas Associações Brasileiras de Medicina do Tráfego (Abramet) e Medicina de Emergência (Abramede), que divulgaram o levantamento em razão do Maio Amarelo 2025, campanha de conscientização pela segurança viária.
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Com os R$ 3,8 bilhões gastos diretamente pelo SUS, seria possível, por exemplo, construir de 32 a 64 hospitais de médio porte, implantar até 35 mil quilômetros de ciclovias urbanas, duplicar cerca de 505 quilômetros de rodovias federais, adquirir mais de 15 mil ambulâncias básicas ou habilitar quase 13 mil novos leitos de UTI.
MOTOS: AS VÍTIMAS QUE MAIS PESAM NO ORÇAMENTO DA SAÚDE
O levantamento da Abramet e Abramede confirmou o cenário vivenciado diariamente nas cidades: são as vítimas de sinistros envolvendo motos que mais custam caro ao SUS. Essa realidade se acentuou nos últimos quatro anos, com a expansão do delivery e, especialmente, a criação do transporte de passageiros por aplicativo, como Uber e 99 Moto, serviço que começou no final de 2021 e já está em aproximadamente 4 mil cidades brasileiras.
Os ocupantes de veículos de duas rodas são os mais vulneráveis, representando 60% de todos os casos de internação por sinistros de trânsito. Em 2024, o número de internações de motociclistas chegou a 150 mil, superando o total combinado de pedestres e ciclistas no mesmo período. Os pedestres são o segundo maior grupo (16%), seguidos por ciclistas e ocupantes de automóveis (ambos com 7%).
CENÁRIO PREOCUPANTE EM PERNAMBUCO E NO NORDESTE
A situação das internações e seus custos também é grave em nível regional. Em Pernambuco, nos últimos dez anos, o SUS gastou mais de R$ 79 milhões com vítimas do trânsito. Apenas em 2024, os custos no Estado ultrapassaram R$ 10 milhões, o maior valor desde 2015.
O número de internações em Pernambuco teve um salto significativo em 2024, chegando a 7.320, um aumento de 34,2% em relação a 2023 e o maior registro da série histórica analisada (2015-2024). Esse aumento quebrou uma sequência de anos mais estáveis, sinalizando um alerta para a segurança viária no estado. Do total de internações em Pernambuco na década, 60% eram ocupantes de motocicletas, incluindo passageiros de serviços de aplicativo.
No Nordeste, a região apresentou uma escalada nos atendimentos por sinistros de trânsito desde 2021. Em 2024, foram 65.788 internações. No acumulado da década (2015-2024), a região registrou mais de meio milhão de internações (514.702), uma parcela significativa do total nacional. Essa realidade pressiona o orçamento de urgência e emergência. Os custos com internações na Região Nordeste alcançaram quase R$ 98 milhões em 2024, o maior valor da série, totalizando quase R$ 1 bilhão na década. O aumento dos custos no Nordeste reflete tanto o crescimento das internações quanto a maior complexidade dos atendimentos e tempo de permanência hospitalar, majoritariamente devido às vítimas de motocicletas.
Números do Trânsito em Destaque
1,8 milhão de internações hospitalares nos últimos 10 anos
R$ 3,8 bilhões gastos com despesas diretas para o SUS no período
A cada 2 minutos uma pessoa dá entrada nas emergências do SUS após trauma em sinistro de trânsito
6 dias é o tempo médio que uma vítima do trânsito passa hospitalizada para tratamento
R$ 1.680 é a despesa diária e direta
O trânsito mata mais que armas de fogo em 14 estados
Em 71% dos municípios, as mortes no trânsito superam as causadas por armas
Em 2023:
30.254 óbitos por arma de fogo
34.810 óbitos por sinistro de trânsito
Perfil dos hospitalizados
60% são vítimas das motos
16% são pedestres
7% são ciclistas
7% são condutores de carros
49% são adultos entre 20 e 39 anos
26% têm entre 40 e 59 anos
15% têm até 19 anos
9% têm mais de 60 anos
78% são homens
22% são mulheres
O que poderia ser feito com R$ 3,8 bilhões pelo Brasil?
- Construir de 32 a 64 hospitais de médio porte
- Implantar entre 17 mil e 35 mil km de ciclovias
- Duplicar 505 km de rodovias federais
- Adquirir 15 mil ambulâncias básicas (tipo A)
- Adquirir mais de 2 milhões de doses de vacina contra o Vírus Sincicial Respiratório (VSR), que provoca, por exemplo, a pneumonia
Dados de Internações e Custos no SUS por Sinistros de Trânsito, 2015 a 2024)
Pernambuco:
Total Internações (2015-2024): 56.340
Internações 2024: 7.320 (Maior valor da série histórica)
Total Custos (2015-2024): R$ 79.159.638,13
Custos 2024: R$ 10.308.958,31 (Maior valor da série histórica)
60% das vítimas internadas na década eram ocupantes de motocicletas.
Região Nordeste:
Total Internações (2015-2024): 514.702 (Mais de meio milhão)
Internações 2024: 65.788 (Tendência de alta desde 2021)
Total Custos (2015-2024): R$ 877.775.814,91 (Quase R$ 1 bilhão)
Custos 2024: R$ 97.781.403,37 (Maior valor da série histórica)