Crise no transporte público: frota de ônibus nunca foi tão velha na Região Metropolitana do Recife
Adiamentos da conclusão da licitação das linhas de ônibus, desde 2013, provoca insegurança no setor e impede investimentos em novos coletivos

A frota de ônibus da Região Metropolitana do Recife nunca esteve tão velha. E, o que é pior: sem perspectiva de ser renovada ou, pelo menos, modernizada. Dados de abril de 2025 obtidos pelo JC mostram que, dos quase 2 mil ônibus em operação na RMR - operados pelas empresas que ainda não têm contrato de operação -, mais de 50% está acima dos sete anos, uma idade considerada perigosa para o transporte coletivo de passageiros.
Uma análise comparativa do cadastro de frota das empresas permissionárias de transporte coletivo (que ainda não têm contrato de operação) revela um cenário de redução no número total de veículos e um significativo envelhecimento da frota entre janeiro de 2023 e abril de 2025. O JC teve acesso aos dados oficiais.
Os números são referentes a 16/01/2023 e 16/04/2025 e mostram que o total de veículos registrados para o STPP (Sistema de Transporte Público de Passageiros da RMR) diminuiu de 1.826 para 1.689. Essa diferença representa uma queda de 137 veículos, equivalente a 7,5% do total.
IDADE MÉDIA DA FROTA AUMENTOU DEMAIS POR FALTA DE INVESTIMENTOS
Além da diminuição quantitativa, a qualidade da frota também apresenta sinais de deterioração. A idade média total dos veículos, que já estava baixa, subiu de 5,37 anos em 2023 para 5,59 anos em 2025. O dado mais alarmante, no entanto, é o aumento expressivo na quantidade de veículos que já operam após sua vida útil.
O número saltou de 568 em janeiro de 2023 para 868 em abril de 2025. Isso significa que, na última data analisada, mais da metade (aproximadamente 51,3%) dos veículos registrados estavam em operação mesmo tendo ultrapassado o período recomendado.
Observando as empresas individualmente, a maioria apresentou um aumento na quantidade de veículos após a vida útil. Empresas como a Borborema viram esse número subir de 136 para 186, a Caxangá passou de 105 para 234, a Empresa Metropolitana de 104 para 241, e a Globo de 27 para 62, entre outras.
Enquanto algumas permissionárias aumentaram a quantidade de coletivos (Borborema, Empresa Metropolitana e São Judas Tadeu), outras diminuíram (Caxangá, Consórcio Recife e Viação Mirim). No entanto, a tendência geral de aumento da idade média total e da quantidade de veículos após a vida útil foi observada na maioria das empresas com dados disponíveis para os dois períodos.
Confira o resumo em áudio da reportagem sobre o envelhecimento da frota de ônibus no Grande Recife:
PASSAGEIRO SENTE O ENVELHECIMENTO DA FROTA NO DIA A DIA
Não é à toa que o passageiro do sistema de transporte público reclama tanto da qualidade dos ônibus em operação no Grande Recife. “De fato, estamos vendo no dia a dia como os coletivos estão velhos. Enquanto muitas cidades do País melhoraram o transporte público, com ônibus novos, rebaixados, alguns até elétricos e a grande maioria com ar-condicionado, nós seguimos sem avançar. Paramos no tempo mesmo e o governo não parece estar preocupado. Essa é a verdade”, critica e lamenta o servidor público Carlos Henrique Silva, que usa ônibus todos os dias para ir e voltar do trabalho.
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E a expectativa é ainda pior do que a realidade porque, sem previsão de investimentos pelo setor operacional que ainda não tem contrato, a previsão é de que, até dezembro de 2025, dos 1.673 ônibus dos permissionários, quase 60% estarão acima dos sete anos de uso. Em reserva, operadores têm afirmado que, sem segurança jurídica e com o pagamento incerto de subsídios, não irão fazer investimentos desse porte. Ou seja, quem vai pagar essa conta é o passageiro.
O cenário de crise no transporte público, inclusive, não está acontecendo apenas no sistema metropolitano. O transporte intermunicipal, também sob gestão do governo Raquel Lyra (PSD), enfrenta muitas dificuldades, chegando ao ponto de linhas regulares terem a operação suspensa. E também afeta o Sistema de Transporte Complementar do Recife e RMR.
CENÁRIO DE ENVELHECIMENTO DA FROTA É NACIONAL
O cenário de envelhecimento da frota de ônibus, embora impressionante no Grande Recife, é um problema nacional. Sem um financiamento social e inovando pouco, os sistemas de transporte público do Brasil também sofrem com a qualidade da frota operacional. Em muitas cidades brasileiras os ônibus em circulação são velhos, quentes e barulhentos.
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O País, inclusive, nunca teve uma idade média da frota de coletivos tão alta. Os ônibus estão, atualmente, com uma idade média de seis anos e cinco meses, considerada a mais alta desde 2012. E seis anos como idade média significa dizer que há coletivos circulando com o aval da gestão pública com dez, até 12 anos em muitos locais.
A constatação faz parte do Anuário 2023/2024 da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). O levantamento aponta que é a frota mais velha dos últimos 27 anos, apesar de os coletivos urbanos responderem por mais de 50% do transporte da população nas cidades.
O governo de Pernambuco não se posicionou sobre o problema de envelhecimento da frota e os adiamentos da licitação remanescente do sistema de ônibus da RMR, que está sob sua gestão. A reportagem tentou ouvir o Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM), mas não obteve retorno.