Transporte público: Desafio de reverter a crise e transformar transporte público no País precisa de R$ 500 bilhões, aponta BNDES

Se a rede futura for implementada, o número de pessoas atendidas por esses sistemas de alta e média capacidade pode aumentar em até 501%

Por Roberta Soares Publicado em 13/08/2025 às 9:00 | Atualizado em 13/08/2025 às 15:21

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O Brasil enfrenta um desafio monumental no setor de mobilidade urbana, com a necessidade de investimentos bilionários para modernizar e expandir sua infraestrutura de transporte público coletivo. A segunda parte de um estudo abrangente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - Estudo Nacional de Mobilidade Urbana (ENMU) - identificou a urgência de destinar até R$ 500 bilhões até 2054 para praticamente dobrar o tamanho do sistema de metrô e quadruplicar a rede de BRT (Bus Rapid Transit) e veículos leves sobre trilhos (VLT) nas próximas décadas.

O plano faz parte de um mapeamento construído em parceria com o Ministério das Cidades que mapeou 194 projetos de transporte público de média e alta capacidade nas principais regiões metropolitanas do País. Dois desses projetos, entretanto, não foram considerados viáveis, fechando o pacote em 192 iniciativas - todas, vale ressaltar, com viabilidade para concessões públicas.

O detalhamento do estudo foi apresentado por Cleverson Aroeira, técnico da área de Soluções para Cidades do Departamento de Mobilidade Urbana do BNDES, durante o Seminário Nacional de Transporte Público 2025, realizado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) em Brasília.

Atualmente, a rede base de metrô no Brasil, incluindo o que já está construído e em fase de implementação, totaliza 376 km. O plano do BNDES prevê um acréscimo de 323 km. Já a rede combinada de BRT, VLT ou monotrilho, que hoje soma 631 km, passaria para expressivos 2,5 mil km. A ideia é que todas as grandes cidades venham a ter sistemas de BRT e metrô se complementando, bem integrados, aproveitando as vantagens de cada sistema.

ESTUDO BUSCOU PROJETOS EM 21 REGIÕES METROPOLITANAS

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
Foco do estudo é o transporte público coletivo de média e alta capacidade para tentar tirar as pessoas dos automóveis e motos - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

O mapeamento do BNDES buscou projetos em 21 regiões metropolitanas com pelo menos 1 milhão de habitantes - A Região Metropolitana do Recife entre elas. Embora a lista completa ainda não tenha sido divulgada, o BNDES espera fazê-lo em alguns meses. No entanto, já foram analisadas obras como a expansão da Linha 4 do Metrô no Rio de Janeiro (ligando Jardim Oceânico ao Alvorada) e a criação da Linha 3 (do centro de Niterói a São Gonçalo).

Em São Paulo, a primeira filtragem incluiu o crescimento da Linha Verde (de Cerro Corá até Vila Madalena) e a construção da Linha Ônix (entre São Bernardo do Campo e Bonsucesso). Além disso, São Paulo prevê uma ampliação de 96 km em sua malha de trens, somando-se aos 308 km existentes. Os corredores de ônibus também devem crescer de 326 km para 483 km em três décadas.

Se a rede futura for efetivamente implementada, juntamente com incentivos como integração de modais e tarifa única ou reduzida, o número de pessoas atendidas por esses sistemas de alta e média capacidade pode aumentar em até 501%. Em evento do jornal O Globo, o Ministro das Cidades, Jader Barbalho Filho, salientou o compromisso de seu governo em investir R$ 42 bilhões na área em quatro anos, destacando a necessidade de perenidade nas ações.

A pandemia de COVID-19 agravou a crise que o setor de transporte já vivenciava, com a demanda chegando a cair até 80% no pico de março de 2020. Mesmo até meados de 2023, o volume de usuários ainda estava, em média, 15% abaixo do patamar pré-pandemia, indicando uma demanda perdida que migrou para outros modos, como carro próprio, moto ou aplicativos. A exceção notável é o BRT do Rio de Janeiro, que demonstrou recuperação devido a grandes investimentos em sua requalificação.

VISÃO AMBICIOSA PARA 2054: ATRAIR MILHÕES DE PASSAGEIROS

Robson Cesco/Divulgação NTU
Cleverson Aroeira, técnico da área de Soluções para Cidades do Departamento de Mobilidade Urbana do BNDES - Robson Cesco/Divulgação NTU
Robson Cesco/Divulgação NTU
O detalhamento do estudo foi apresentado durante o Seminário Nacional de Transporte Público 2025, realizado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) em Brasília - Robson Cesco/Divulgação NTU
Robson Cesco/Divulgação NTU
O detalhamento do estudo foi apresentado durante o Seminário Nacional de Transporte Público 2025, realizado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) em Brasília - Robson Cesco/Divulgação NTU

O diagnóstico inicial do estudo aponta para uma realidade desafiadora: a maioria das cidades brasileiras possui uma densidade de rede de média e alta capacidade (quilômetros por milhão de habitantes) significativamente baixa, muito aquém de referências internacionais que chegam a 40-50 km por milhão de habitantes.

A cobertura populacional por esses sistemas (PNT – porcentagem da população próxima a uma estação) também é deficiente, com Salvador e Rio de Janeiro se destacando ligeiramente com aproximadamente 17%. Além disso, o setor enfrenta uma "nova realidade" pós 2015, marcada pelo crescimento de aplicativos de transporte, a pandemia de covid-19 e o forte índice de motorização individual, que impediram e impedem a recuperação dos níveis de demanda prévios.

"A gente está falando de reverter uma tendência com esse macro estudo de projetos de transporte de média e alta capacidade. Na verdade, se nada for feito, o transporte público brasileiro seguirá ladeira abaixo", afirmou Cleverson Aroeira, técnico da área de Soluções para Cidades do Departamento de Mobilidade Urbana do BNDES.

A proposta do BNDES visa mudar radicalmente esse cenário. Os 194 projetos propostos incluem:

• 139 projetos de Corredor de ônibus, totalizando 1.932 km.
• 30 projetos de BRT ou VLT, totalizando 324 km.
• 8 projetos de Trem Urbano, totalizando 96 km.
• 17 projetos de Metrô, totalizando 157 km.

Divulgação NTU
Transporte público tem melhora na demanda de passageiros, mas desafios do setor seguem gigantes - Divulgação NTU

A implantação total da Rede Futura prevê uma ampliação de 2.446 km, o que representa um aumento de 122% na extensão dos sistemas de TPC-MAC (transporte público coletivo de média e alta capacidade) nas 21 RMs. Com a implantação desses projetos, a densidade da rede de transporte coletivo (indicador RTR - km/MM hab) poderia aumentar em cerca de 170% considerando as 21 RMs.

Isso colocaria muitas cidades brasileiras em patamares comparáveis aos de grandes centros globais. O PNT médio para as RMs poderia atingir mais de 30% em mais de 80% das RMs. Um dado notável é o impacto social: em 76% das regiões, o PNT para populações menos favorecidas cresceria mais do que para segmentos mais ricos, direcionando os investimentos para quem mais precisa.

Em termos de demanda, a simples instalação da nova rede de média e alta capacidade (metrôs, BRTs, VLTs) poderia dobrar o número de passageiros (100% de incremento) no Cenário Padrão. Projeções de carregamento diário para 2054 indicam que o Distrito Federal, por exemplo, passaria de uma capacidade diária base de 308.904 passageiros para 949.256, enquanto o Rio de Janeiro saltaria de 1.617.506 para 4.611.927 passageiros por dia. A participação do transporte público coletivo (TPC) na divisão modal urbana, atualmente em média de 33%, poderia alcançar patamares significativamente maiores com a Rede Futura.

ESTRATÉGIAS PARA ATINGIR A META COM CENÁRIO OTIMIZADO

O estudo vai além da infraestrutura, propondo um cenário otimizado que combina a expansão da rede com medidas de gestão e política pública para maximizar a atratividade do transporte coletivo. Essas medidas incluem:

• Modicidade tarifária: Reduzir a passagem do transporte público para um limite de comprometimento da renda média da população de no máximo 6%, alinhado à referência do vale-transporte. Atualmente, muitas tarifas superam essa porcentagem.

• Integração tarifária: Implementar o pagamento de uma única tarifa, independentemente da quantidade de linhas e da rede de transporte público coletivo utilizadas.

• Priorização e maior eficiência do transporte público coletivo: Criação de corredores exclusivos, eliminação de paradas em semáforos, aumento da velocidade operacional, racionalização e melhor coordenação para reduzir a concorrência e o congestionamento no transporte público.

• Desincentivo ao transporte individual: Aumento do valor de estacionamento, redução de vagas, restrição de circulação, e elevação dos custos de propriedade e dos insumos.

CAPACIDADE DE EXPANSÃO DA REDES DE METRÔ, VLTs E BRTs É DE 2,5 MIL KM

GUGA MATOS/JC IMAGEM
Foco do estudo é o transporte público coletivo de média e alta capacidade, como as redes de metrô - GUGA MATOS/JC IMAGEM

Nacionalmente, o estudo do BNDES e do Ministério das Cidades aponta que o Brasil teria capacidade para ampliar significativamente a rede de transporte público de média e alta capacidade. Somadas, as 21 maiores regiões metropolitanas (RMs) do País têm potencial para expandir em 2,5 mil quilômetros as redes de metrôs, trens, Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs), Bus Rapid Transit (BRT) e corredores exclusivos de ônibus. As chamadas Redes Futuras de transporte teriam uma perspectiva para serem implantadas até 2054.

O estudo prevê mais 323 km de linhas de metrô, 96 km de trens urbanos, 1.930 km de sistemas de BRT, VLT ou monotrilho, e 157 km de corredores de ônibus. Atualmente, as 21 regiões metropolitanas pesquisadas, distribuídas nas cinco regiões do País, têm 2.007 km de rede de transporte público nesses modais.

São elas: Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Santos, Campinas, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória, Goiânia, Distrito Federal, Salvador, Maceió, Recife, João Pessoa, Natal, Teresina, São Luís, Fortaleza, Belém e Manaus.

Segundo o BNDES, nesta etapa foram avaliados 400 planos e projetos identificados no Boletim Informativo nº 3, divulgado em março deste ano. Do total, quase 200 projetos com foco em sistemas de média e alta capacidade têm demanda suficiente e serão capazes de ampliar o acesso da população nos próximos 30 anos.

“Estamos fortalecendo o planejamento urbano com base em dados concretos, que nos permitem identificar prioridades e orientar ações de médio e longo prazo. Nosso foco, com a mobilidade urbana, é tornar o transporte coletivo mais eficiente, dinâmico e sustentável. Reduzir o tempo de deslocamento, com conforto e segurança, transforma a forma como as pessoas vivem, acessam oportunidades e se relacionam com as cidades”, afirmou o ministro das Cidades, Jader Filho, na época da divulgação da segunda parte deste estudo, em julho.

DECISÃO POLÍTICA ANTES DE MAIS NADA

FELIPE RIBEIRO/ACERVO JC IMAGEM
O plano faz parte de um mapeamento de 194 projetos de transporte público de média e alta capacidade nas principais regiões metropolitanas do País - FELIPE RIBEIRO/ACERVO JC IMAGEM

O estudo aponta que, em todas as regiões metropolitanas, as simulações sugerem que as políticas públicas são necessárias para elevar a utilização do transporte público coletivo. Em determinadas localidades, as medidas seriam determinantes, pois não bastaria o aumento da extensão da rede de transporte de massa para reverter a tendência de queda no uso dos sistemas em todo o País.

Manter a participação do transporte público coletivo nos deslocamentos urbanos, aliás, é um grande desafio. O estudo aponta que essa queda foi verificada na maioria das RMs. A redução média é de 20%, mas em algumas RMs chega a 60%.


Destaca, ainda, que esse comportamento ocorreu também em cidades como Cidade do México (México), Santiago (Chile), Nova York (EUA) e Londres (Inglaterra). E que, como já se sabe, as principais causas são o crescimento da motorização individual, tarifas elevadas, baixa qualidade do serviço público, expansão urbana dispersa, concorrência com aplicativos de transporte, a pandemia da Covid-19 e as mudanças de comportamento da população.

Diante desse cenário, o estudo destaca que os projetos e propostas do ENMU visam preservar ou aumentar a participação do transporte público coletivo com uma mobilidade urbana mais eficiente. “Com a Rede Futura, espera-se a redução do tempo de deslocamento das pessoas, dos congestionamentos, do número de sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo o CTB e a ABNT), das emissões de poluentes e GEE, bem como de uma melhor utilização do espaço público”, consta no estudo.

Com a implantação das Redes Futuras propostas pelo ENMU, mais de 80% das RMs atingiriam PNTs acima de 30%, sendo que as RMs da Baixada Santista (SP), Belo Horizonte (MG), Fortaleza (CE), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP) atingiriam PNTs acima de 40%.

“Com a ampliação da cobertura do transporte público de massa, haveria um impacto social progressivo. 76% das RMs teriam incrementos de PNT mais elevados em segmentos menos favorecidos da população, com destaque para Campinas (SP), Goiânia (GO), Recife (PE), e Rio de Janeiro (RJ)”, reforça o estudo.

PRÓXIMAS ETAPAS DO ESTUDO DE MOBILIDADE

Entre junho e agosto, o foco do ENMU será a elaboração do Banco de Projetos, com o detalhamento dos quase 200 projetos de transporte público de média e alta capacidade que compõem as Redes Futuras. Essa etapa será divulgada no Boletim Informativo nº 5 e incluirá as estimativas de investimentos, custos, receitas, benefícios e as avaliações econômicas e financeiras preliminares.

Esse conjunto de informações contribuirá para o planejamento de médio e longo prazo dos entes públicos, permitindo uma análise estratégica para priorização dos investimentos em cada localidade.

Confira o Boletim Informativo nº 4, com os resultados parciais do ENMU, no endereço www.bndes.gov.br/enmu.

 

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