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Greve de ônibus: Entenda os bastidores da negociação para evitar, após anos de paralisações, uma nova greve de motoristas de ônibus no Grande Recife

Estado deixou de lado o cômodo discurso de que a negociação salarial é discussão privada e agiu para evitar o desgaste político de uma greve de ônibus

Por Roberta Soares Publicado em 06/07/2025 às 8:00

A notícia de que, após anos, os passageiros do transporte público da Região Metropolitana do Recife não iriam enfrentar uma greve de ônibus devido à campanha salarial dos rodoviários em 2025, teve um bastidor curioso e que precisa ser apresentado à população. Principalmente para evidenciar que, quando o poder público quer - e a política também -, ele dá um jeito de fazer o que parece difícil virar realidade com facilidade.

Foi exatamente isso o que aconteceu na negociação com os rodoviários de Pernambuco, uma das mais tranquilas e rápidas dos últimos tempos e que marcou a entrada de dois novos atores: o novo comando da Secretaria de Mobilidade e Infraestrutura de Pernambuco (Semobi), pasta que comanda as decisões relacionadas ao transporte público por ônibus na RMR; e a nova direção do Sindicato dos Rodoviários, que enfrentou a primeira campanha salarial da categoria.

Na prática, o que aconteceu foi que, pela primeira vez - ao menos efetivamente -, o governo de Pernambuco assumiu o comando da negociação entre rodoviários e empresários de ônibus. O discurso cômodo e adotado até outro dia por várias e várias gestões - inclusive a atual - de que as negociações salariais são uma relação privada, entre patrões e empregados, e que o Estado nada podia fazer, foi deixado de lado pelo bem dos 1,6 milhão de passageiros que todos os dias usam o transporte público do Grande Recife.

E também, é claro, pelo bem político da gestão da governadora Raquel Lyra (PSD), que já trabalha a todo vapor para a batalha que será a tentativa de reeleição em 2026, tendo que enfrentar a praticamente certa candidatura do prefeito do Recife, João Campos (PSB), ao governo do Estado.

NOVO SECRETÁRIO DE MOBILIDADE ATUOU

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André Teixeira Filho assumiu a Semobi com a missão de acelerar as entregas de infraestrutura de olho em 2026 - Divulgação

Diante da possibilidade de uma nova greve de ônibus, movimento desgastante para todos os lados envolvidos - basta lembrar a paralisação de 2024 - e que seria péssimo para os planos de reeleição da governadora, o governo entrou em campo para acalmar os ânimos e puxar uma conciliação.

E coube ao novo secretário de Mobilidade e Infraestrutura de Pernambuco, André Teixeira Filho, a missão de entrar no circuito e tentar evitar uma paralisação dos motoristas de ônibus. E conseguiu. Atuou como intermediário de um acordo coletivo com o sindicato para aumento salarial em 2025 e 2026, evitando ameaças de greve pela primeira vez em muitos anos.

“Soubemos da assembleia dos rodoviários e os chamamos para conversar. Eu ainda não tinha sido sequer empossado, o que aconteceria algumas horas depois. Vi que a proposta apresentada por eles era aceitável, fazia sentido, consultei a Secretaria da Fazenda para saber se o Estado poderia arcar com o impacto financeiro que já seria nosso de toda forma devido aos subsídios que são colocados no sistema”, contou.

“Em seguida, levamos a proposta ao núcleo de gestão do governo, que concordou. Depois chamei os rodoviários e a Urbana-PE, que concordaram com a proposta. Foi um gesto coletivo que demonstrou a força do diálogo e da boa vontade da gestão”, resumiu André Teixeira Filho, destacando o trabalho de bastidor realizado pela equipe do Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM), na figura do presidente Matheus Freitas.

GANHOS DOS RODOVIÁRIOS VÃO TER IMPACTO DE R$ 1,5 MILHÃO EM 6 MESES

Sidney Lucena/JC IMAGEM
Na prática, o que aconteceu foi que, pela primeira vez - ao menos efetivamente -, o governo de Pernambuco assumiu o comando da negociação entre rodoviários e empresários de ônibus - Sidney Lucena/JC IMAGEM

O novo acordo coletivo entre rodoviários e empresários de ônibus vai representar um impacto financeiro de R$ 1,5 milhão nos próximos seis meses, recurso que o governo já está preparado para cobrir. A partir de 2026 haverá um outro valor, mas que o novo secretário afirmou não poder divulgar agora porque deverá sofrer alterações com o fechamento do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado.

Segundo André Teixeira Filho, a operação financeira ficou mais fácil porque todos os ganhos da categoria ficaram sob o guarda-chuva da inflação, sem os tributos agregados de um reajuste salarial. “O nosso gesto de trazer o problema para nós foi importante, mas também foi fundamental a flexibilização dos rodoviários em abrir mão de um reajuste salarial pela inflação e optar por transferir esses ganhos para o aumento de 75% do tíquete alimentação e a cobertura integral dos planos de saúde”, pontuou o novo secretário.

A flexibilização da categoria em adiar a data base para janeiro, atrelando os reajustes à discussão de possíveis aumentos tarifários, também foi elogiada pelo secretário. Outra novidade da negociação foi a fixação de um reajuste salarial pela inflação, sempre em janeiro, a partir de 2027.

“A nossa gestão é do diálogo. Tivemos dificuldades em 2023, mas depois avançamos no diálogo com todas as categorias. Essa é uma marca da governadora Raquel Lyra. E, de fato, uma greve de ônibus não é bom para ninguém. Nem para a população, nem para os rodoviários, nem para os empresários e muito menos para o governo. Entendemos que podíamos adiantar o processo e evitar uma paralisação ou a ameaça dela. Até porque, de um jeito ou de outro, a conta volta para o Estado”, afirmou.

ENTENDA A NEGOCIAÇÃO ENTRE RODOVIÁRIOS E EMPRESÁRIOS DE ÔNIBUS

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Rodoviários aprovam proposta da Urbana-PE por unanimidade e Grande Recife não terá greve de ônibus este ano relacionada à campanha salarial - Divulgação

Após anos enfrentando greves anuais - e, às vezes, movimentos pontuais mais de uma vez por ano -, o transporte público por ônibus da Região Metropolitana do Recife não sofrerá com a paralisação dos motoristas em 2025. Na quarta-feira (2/7), a categoria aprovou, por unanimidade, a proposta apresentada pelos empresários do setor, eliminando qualquer possibilidade de greve.

A aprovação aconteceu em assembleia geral da categoria realizada em dois turnos (manhã e tarde), na sede do Sindicato dos Rodoviários de Pernambuco, em Santo Amaro, área central do Recife. Motoristas, mecânicos e fiscais de ônibus concordaram com o que foi proposto pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Pernambuco (Urbana-PE).

A proposta prevê um reajuste de 75% no tíquete alimentação, que passará de R$ 400 para R$ 700; plano de saúde integral para todos os rodoviários a partir de janeiro de 2026; manutenção do pagamento da dupla função no valor de R$ 180; e liberação do cartão rodoviário (que dá direito a oito passagens por dia) para os profissionais que estiverem afastados pelo INSS.

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Interferência do governo também foi pelo bem político da gestão da governadora Raquel Lyra (PSD), que já trabalha a todo vapor para a batalha que será a tentativa de reeleição em 2026 - Reprodução TV Cultura

Segundo os rodoviários, o reajuste salarial pela inflação será a única solicitação que ficará para ser discutida em novembro com uma possível validação em janeiro de 2026. Os rodoviários também pediram que o tíquete alimentação fosse para R$ 800, conseguindo R$ 100 a menos.

Mas o entendimento é de que os trabalhadores saíram ganhando com a proposta aprovada e, principalmente, sem o desgaste de um movimento grevista. O plano de saúde da categoria custa hoje em dia R$ 330 para cada trabalhador e passará a ser integralmente pago pelas empresas para todos os rodoviários, a partir de janeiro de 2026.

FIM DA DUPLA FUNÇÃO DOS MOTORISTAS FICOU DE FORA DAS REIVINDICAÇÕES

A dupla função dos motoristas - que começou em 2015 e se mostrou um caminho sem volta nos últimos anos - não foi questionada na campanha salarial deste ano, como vinha acontecendo sob a antiga gestão sindical. A dupla função, inclusive, era um ponto crucial nas reivindicações dos rodoviários, mas tem perdido força porque a circulação de dinheiro nos coletivos tem sido reduzida ano após ano.

De acordo com números da Urbana-PE, apenas 5% das tarifas são pagas em dinheiro atualmente nos coletivos do Grande Recife. O VEM Trabalhador responde por 32,8%, o VEM Estudante por 6,8%, o VEM Comum por 11,6%, enquanto os passageiros com gratuidades ou benefícios tarifários representam 50%.

A categoria e os empresários de ônibus tiveram três rodadas de negociação antes da realização da assembleia nesta quarta. A Urbana-PE não se posicionou sobre o assunto.

CLIMA APARENTEMENTE MAIS TRANQUILO COM NOVA GESTÃO DO SINDICATO DOS RODOVIÁRIOS

Em dezembro de 2024, os rodoviários derrubaram o comando do sindicato no Grande Recife, que por cinco anos ficou sob a gestão do motorista Aldo Lima. Num resultado que não era esperado - esse foi o sentimento no setor -, a Chapa 2 (Chapa da Mudança), que fazia oposição à atual direção, venceu a eleição da categoria. E com uma boa margem de votos: 635 votos contra 411 da Chapa 1 (O Guará), que buscava a primeira reeleição de Aldo Lima.

O novo presidente eleito do Sindicato dos Rodoviários foi o também motorista Roberto Carlos Torres, que trabalhava na empresa Globo e presidia a Associação dos Rodoviários de Pernambuco (Abirpe). Roberto Carlos foi eleito para um mandato de quatro anos porque o estatuto do sindicato foi alterado para que houvesse uma redução de um ano no período.

Aldo Lima, originalmente motorista da empresa Caxangá, chegou no setor de transporte com a missão, conquistada em 2014, de retirar Patrício Magalhães do poder após mais de 30 anos à frente do sindicato. Não conseguiu assumir em 2014 porque teve a candidatura impugnada, mas foi o responsável por eleger a chapa na época, que teve Benilson Custódio como presidente.

Mas, de parceiros, os dois viraram rivais. Em 2019, Aldo Lima se candidatou pela oposição e foi eleito, com a expectativa de que cumprisse, ao menos, dois mandatos. Mas não foi o que aconteceu.

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