Dia do Professor: Valorização da Educação precisa sair do discurso e virar prioridade

Especialistas afirmam que a desvalorização e as condições precárias de trabalho favorecem o abandono da carreira docente no Brasil

Por Mirella Araújo Publicado em 14/10/2025 às 15:26 | Atualizado em 14/10/2025 às 15:30

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Em um país onde apenas 14% dos professores acreditam ser valorizados pela sociedade — segundo a pesquisa Talis (Teaching and Learning International Survey) 2024, da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) —, celebrar o Dia do Professor neste 15 de outubro é, mais do que uma comemoração, um convite à reflexão sobre o futuro da docência no Brasil.

O índice está abaixo da média da OCDE, de 22%, ainda que represente um aumento de três pontos percentuais em relação a 2018. Para a pedagoga e doutora em Educação Catarina Gonçalves, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no Centro de Educação e no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, a profissão tem sido marcada por uma série de conflitos que favorecem o abandono da carreira docente.

“Muitos docentes se sentem vulneráveis e desmotivados diante da falta de valorização e das condições precárias de trabalho”, afirma Catarina, que também é coordenadora do NEPEVE – Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Violência Escolar.

No dia 21 de outubro, será realizado na Adufepe, às 9h, o Seminário Regional Nordeste do ONVE – Enfrentando a violência contra educadoras/es. Na ocasião, será apresentada uma pesquisa inédita, com amostragem nacional, na qual se identificam as principais violências sofridas pelos educadores e os efeitos de tais vivências no cotidiano escolar.

“Então a gente já tem desde a origem uma falta de atrativo da carreira docente, porque a gente sabe que as condições são precárias e a remuneração é muito injusta. E quando as pessoas ingressam [na carreira] elas vão pouco a pouco se desencantando, pelo excesso de cobranças que se tem do professor e da professora, e pela desvalorização social”, afirmou.

Transformação social passa pela escola

Mesmo diante desse cenário, a professora ressalta que a educação continua sendo um espaço de esperança. “A educação não pode tudo, mas pode muito. A escola não muda o mundo sozinha, mas muda as pessoas — e são as pessoas que mudam o mundo”, diz a doutora em Educação, citando Paulo Freire.

A 4ª edição da Talis mostra que 53% dos docentes concordam que, em sua escola, os professores são valorizados pelos alunos — índice também inferior à média da OCDE: 71%.

É importante compreender que a escola é um dos poucos espaços republicanos que garantem direitos fundamentais no Brasil. “É lá que milhões de crianças e jovens convivem, aprendem sobre diversidade e constroem possibilidades de vida. A escola é um lugar onde outros mundos possíveis são imaginados e vividos”, pontuou a pedagoga Catarina Gonçalves.

Dentro dessa perspectiva, a escola se torna o lugar de articulação da garantia de direitos fundamentais e que não se resume só ao direito à educação. “Tudo recai sobre os professores. Todos os dias, meninos e meninas são salvos pela escola, mas isso não dá publicidade, não ganha a mídia. No Brasil, na verdade, se quer construir essa ideia de escola perigosa, mas é no contexto familiar que as crianças e adolescentes são mais vulneráveis. A escola é protetiva”, disse.

Além do papel protetivo que a escola cumpre, os professores enfrentam uma crescente sobrecarga, e a saúde mental é um dos aspectos mais comprometidos. Segundo a Talis 2024, 21% dos docentes no Brasil relatam alto nível de estresse no trabalho, acima da média da OCDE, que é de 19%. Para 16%, a atividade tem impacto muito negativo na saúde mental (média da OCDE: 10%), e 12% afirmam que o trabalho afeta seriamente a saúde física (média da OCDE: 8%).

Docência que inspira e persiste

Foi na antiga 8ª série do Ensino Fundamental II que o professor Gustavo Bezerra teve certeza de que seguiria a carreira docente, inspirado por um professor de matemática. No entanto, ele chegou a ser questionado por outros professores se realmente era isso que queria para o futuro.

Filho de professora — que lecionou por 20 anos e está se aposentando neste ano —, Gustavo contou à coluna Enem e Educação que sua mãe ficou muito feliz ao saber qual profissão ele gostaria de seguir.
"Era como se eu estivesse dando continuidade a uma história que começou com ela", contou.

Criado na zona rural do município de Flores, o educador enfrentou dificuldades financeiras e estruturais até chegar à universidade. “Eu morava longe, precisava atravessar um riacho com água no peito para voltar pra casa. Foi desafiador sair do campo e entrar na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), em Serra Talhada, mas a vontade de ensinar sempre falou mais alto”, relembrou.

Hoje, atua na Escola Técnica Estadual (ETE) Paulo Freire, localizada no município de Carnaíba, no Sertão do Pajeú de Pernambuco, onde desenvolve projetos reconhecidos nacionalmente — como o Filtropinha, um filtro adsorvente à base de cascas de pinha, capaz de reduzir a carga poluente da manipueira. O projeto foi vencedor do Prêmio Criativos Escola + Natureza, do Instituto Alana, e do Solve For Tomorrow Brasil, da Samsung.

“Ver o crescimento dos alunos é a maior recompensa. Eles entram de um jeito e saem transformados pelos projetos. Quando a comunidade reconhece esse trabalho, é gratificante demais”, afirmou Bezerra.

Questionado pela coluna se já pensou em desistir da carreira, diante das dificuldades relacionadas a recursos, infraestrutura e valorização profissional, Gustavo lembrou do período da pandemia da covid-19, quando o ensino passou a ser remoto.

“Foi um período desafiador para todos os professores. A classe docente foi muito atacada naquele momento. Porém, em nenhum instante pensei em desistir. Foi na pandemia também que percebi ainda mais o quanto o professor é essencial. Sem o professor, o processo de ensino e aprendizagem fica estagnado”, refletiu.

Para ele, cada conquista dos alunos é coletiva. “Quando um estudante vence, é uma vitória da escola, das famílias e da comunidade. A educação transforma — e é isso que me faz continuar todos os dias", disse.

 

Cortesia
Professor Gustavo Bezerra e alunos da ETE Paulo Freire apresrentando o projeto FiltroPinha a moradores do Quilombo do Caroá, em Carnaíba - Cortesia

Incentivo ao futuro profissional e acadêmico

O professor Flavio Brayner, da Escola Técnica Estadual (ETE) Maria José Vasconcelos, localizada no município de Bezerros, encontrou na sala de aula o espaço ideal para unir duas paixões: a tecnologia e o trabalho com projetos. Há quase dez anos dedicado à docência na rede pública de ensino, ele busca incentivar os alunos a alcançarem lugares que, muitas vezes, podem não ser sequer desejados — por não fazerem parte da realidade cotidiana deles.

“Sempre trabalhei com tecnologia na iniciativa privada e trago essa vivência para os alunos. Tento mostrar como o que aprendem na escola será útil na vida profissional e acadêmica”, explica o docente, reconhecendo que a rotina na rede pública exige dedicação extra.

“É um desafio diário, só o professor sabe. Falta material, insumos, tudo o que a gente precisa e que não é fácil de conseguir. A gente vai, digamos assim, tirando dinheiro do próprio bolso e correndo atrás para que tudo dê certo e os alunos consigam realizar as atividades”, conta.

Mesmo diante das limitações, ele destaca que o esforço é recompensado pelo entusiasmo dos estudantes.
“Quando vemos o brilho nos olhos deles, todo o cansaço passa. É isso que motiva.”

Um dos exemplos mais marcantes desse engajamento é o projeto Ecopencil, desenvolvido com 28 alunos. A iniciativa faz parte do programa Minha Empresa Criativa, que estimula estudantes a criarem ideias inovadoras e sustentáveis.

“Eles formam empresas de verdade: têm presidente, vice, setor de marketing, finanças e RH. Este ano, criaram um lápis feito com pó de serra, cola e grafite. No final, colocam uma semente na ponta, para que, quando o lápis acabar, possa ser plantado e dar origem a uma nova planta”, explica o professor, orgulhoso.

O projeto já comercializou mais de 50 unidades do lápis ecológico e vem chamando a atenção da comunidade escolar e de outras instituições. “A gente vai às marcenarias, recolhe o pó de serra, processa o material e produz os lápis na própria escola. É um trabalho coletivo, que ensina sustentabilidade na prática — e também empreendedorismo”, afirma.

 

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Professor Flavio Brayner com alunos da ETE Maria José Vasconcelos, em Bezerros, apresentando o projeto Ecopencil - Cortesia

Políticas públicas pela valorização precisam sair do discurso

Os exemplos vivenciados pelos professores Gustavo Bezerra e Flavio Brayner têm gerado impactos significativos que extrapolam os muros da escola — e mostram o quanto é urgente termos governos que saiam do discurso e coloquem em prática a valorização da Educação.

Outro dado revelado pela Talis 2024 mostra que apenas 14% dos professores acreditam ser valorizados pelas políticas públicas no Brasil — um aumento de 8 pontos percentuais em relação ao último estudo e próximo da média da OCDE, que é de 16%.

Os estudos sobre a realidade brasileira foram conduzidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), com a colaboração das secretarias de educação das 27 Unidades Federativas.

A orientadora educacional Tércia Bezerra, com 44 anos dedicados à educação, reflete sobre os desafios e alegrias de quem escolhe a docência como missão. Entre os desafios, os já citados: a desvalorização salarial e a ausência de políticas públicas que motivem novas gerações a seguir a carreira.

“Precisamos motivar, mostrar o que há de positivo em ser professor. Mas também é urgente cuidar desse profissional — oferecer formação continuada, apoio emocional e, principalmente, uma remuneração justa. O professor brasileiro, tanto da escola pública quanto da privada, ainda é muito mal remunerado”, pontua.

Com mais de quatro décadas de atuação, Tércia lembra que as dificuldades sempre estiveram presentes.
“Na década de 1980, minha professora já perguntava: ‘É isso mesmo que vocês querem?’. Ser professor no Brasil sempre foi um desafio. Falta respeito e reconhecimento das políticas públicas. É preciso olhar para o educador com mais afetividade e importância”, defende.

Mesmo diante dos obstáculos, ela segue inspirando.“Continuo com muita vitalidade e vontade de contagiar as novas pedagogas que estão chegando. O que mantém o professor vivo é a motivação, é sentir que faz diferença na vida das crianças e adolescentes. É disso que eles precisam — de educadores pulsantes, com amor e empatia”, conclui a professora, em entrevista à coluna Enem e Educação.

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