Prometeu e o professor
Imaginem que nós pudéssemos, com a autorização de Ésquilo, claro, mudar o enredo de sua famosa tragédia...........................

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Certamente vocês sabem que o irmãozinho desastrado dele, Epimeteu, encarregado pelos Deuses do Olympo de distribuir virtudes entre os seres vivos - o perfume das flores, a força do leão, a esperteza da raposa, a fidelidade do cão...- esvaziou sua caixinha de virtudes e, pasmem!, esqueceu de atribuir virtudes ao Homem!
O irmão dele, Prometeu, resolveu o assunto roubando o fogo do Olympo para distribuir entre os humanos. Estava criada uma situação inusitada: o fogo não é uma VIRTUDE que possuímos em nossa "natureza" interior, mas algo que nos permite modificar a Natureza externa e produzir, assim, a Cultura.
Mas eis que Prometeu, em nossa versão modificada versão - e com autorização de Ésquilo-, antes de ser acorrentado no Cáucaso por ordem de Zeus, onde um abutre vinha comer-lhe o fígado, que logo se regenerava, deu o fogo do Olympo a um... PROFESSOR! Como não se tratava de uma "virtude" moral ou intelectual, ele, o Professor, teve que fazer daquele presente, o fogo, um meio de transformar o mundo e os homens que estivessem sob sua responsabilidade.
E ele o fez!
Com o fogo olímpico, o Professor usou de sua capacidade de DIÁLOGO para, junto com seus alunos, "iluminar" as diferentes significações que atribuímos ao Mundo e podermos nos localizar nele como "humanos"; usou a sua MEMÓRIA para "esclarecer" o que outros homens fizeram e pensaram para que a própria Condição Humana permanecesse entre nós como um "patrimônio"; "acendeu", junto aos seus alunos, a ESPERANÇA de que eles poderiam se dar um destino autônomo e consciente;
fez daquele fogo divino, um instrumento de transição entre aquilo que não depende de nós - a condição trágica de toda vida!- e aquilo que podemos fazer por nós mesmos, quer dizer, a passagem de condição de Objeto para aquela, tão moderna, de SUJEITO "esclarecido".
E, finalmente, disse Prometeu àquele Professor, no momento da entrega do fogo, que ele nunca saberia com certeza o que seus alunos fariam de sua própria vida. Essa INCERTEZA, aliada à ESPERANÇA de que eles fizessem algo digno do sacrifício do próprio Prometeu, seria sua herança.
O professor soube, mais tarde, do acorrentamento daquele que lhe oferecera o FOGO. Tentou muitas vezes subir o Cáucaso para libertar seu libertador. Nunca conseguiu chegar lá e terminou aceitando que na origem de toda Cultura há um ato violento que a inaugura, e que não pode ser abolido nem esquecido. Há um sacrifício original que nos torna propriamente "homens"!
Voltou à planície e tentou dizer aos seus alunos que, se há uma violência primordial, que eles tentassem, pela educação, tomar consciência de que o gesto sacrificial do início precisa ser lembrado para que possamos, TODOS, ser dignos da herança que ele, Prometeu, nos deixou. E não precisar repetir nem reproduzir aquela original violência.
PROMETEU É O PRIMEIRO PROFESSOR: SUA RESISTÊNCIA EM NOME DA CULTURA E DA POSSIBILIDADE DE NOS FAZERMOS POR NÓS MESMOS É A DIVISA DE TODA EDUCAÇÃO.
Minha humilde homenagem a todos os professores, no seu dia.
Flávio Brayner também é Professor!