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Em 'Tremembé', crimes que chocaram o Brasil dão lugar à hierarquia e às disputas de poder dentro do presídio

A minissérie, que estreia na próxima sexta (31), terá cinco episódios focados na vida social e nos jogos de interesse dentro do ‘presídio dos famosos’

Por Laura Martiniano Publicado em 30/10/2025 às 15:21 | Atualizado em 30/10/2025 às 15:23

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Estreia na próxima sexta-feira (31), no Amazon Prime Video, a minissérie original Tremembé, que explora o dia a dia de criminosos que chocaram o Brasil dentro da prisão que deu nome à produção, também conhecida como “o presídio dos famosos". A narrativa, que é baseada no livro homônimo do jornalista Ulisses Campbell, propõe um olhar para os relacionamentos construídos entre os personagens nesse ambiente, relações estas que prometem ser desenvolvidas de maneira realista, movidas por questões que vão muito além de afetos e desafetos. A vida social de Tremembé envolve dinâmicas de interesse e jogos de poder que definem uma espécie de hierarquia dentro da cadeia, facilitando a sobrevivência ou tornando-a um verdadeiro inferno.

Antes da estreia oficial, a produção realizou uma série de premières por diversas cidades brasileiras, apresentando o primeiro dos cinco episódios da minissérie para imprensa e convidados. No Recife, o evento aconteceu na noite da última segunda-feira (27), contando com a participação de Marina Ruy Barbosa, que interpreta Suzane von Richthofen em Tremembé. Conforme a atriz, os capítulos trazem uma abordagem diferente do perfil desses criminosos em relação ao que já foi visto no audiovisual até então, já que, neste caso, não é a narrativa do crime ou das motivações por trás dele que interessam a trama, embora esses aspectos sejam, sim, importantes para a compreensão dos personagens. O que diferencia esta série de tantos outros produtos que já foram lançados sobre essas figuras é justamente o foco na vida no presídio e em como cada uma delas, segundo suas personalidades e particularidades, se adaptam a essa realidade.

A minissérie aborda tanto o presídio masculino quanto o feminino. Suzane é apenas uma das criminosas que norteiam a história. Tremembé traz um recorte em que figuras como os irmãos Daniel e Cristian Cravinhos, Roger Abdelmassih, Alexandre Nardoni, Anna Carolina Jatobá, Elize Matsunaga e Sandrão conviveram, ao mesmo tempo, na prisão, e estabeleceram conexões entre si.

Para amarrar bem essas histórias, a montagem do primeiro episódio é muito ágil, perspicaz e bem-sucedida, intercalando entre esses personagens de uma forma que os valoriza, sem excessos e sem deixar a desejar. Os cortes entre uma trama e outra chegam no momento certo, mantendo a expectativa para a próxima aparição delas, mas sem apelar para interrupções abruptas de situações. Embora, ao menos a princípio, algumas figuras recebam maior destaque, o roteiro é feliz em despertar uma curiosidade por todas elas.

Ambientação e personagens

Divulgação/Amazon Prime Video
No núcleo feminino, a dinâmica entre Suzane von Richthofen e Sandrão é o foco principal do primeiro episódio - Divulgação/Amazon Prime Video

Neste primeiro episódio, também vale ressaltar a direção de arte de Tremembé, especialmente no que diz respeito à caracterização e às locações. A semelhança dos atores protagonistas com seus respectivos personagens já era um ponto bastante discutido mesmo antes das pré-estreias, quando as primeiras imagens da minissérie foram liberadas. O cuidado da equipe em tornar o visual realista é muito perceptível, desde o cabelo e a maquiagem até os detalhes e a atmosfera do ambiente. O presídio, que é considerado um “paraíso” em relação a outros da época, ainda emana tensão e claustrofobia, mas de forma coerentemente contraditória — por incrível que pareça —, em alguns momentos chega a evocar uma certa proximidade, algo de caloroso. No mesmo ambiente em que os presidiários sofrem, brigam e planejam intrigas uns contra os outros, há festas, relacionamentos, instantes de irmandade. O mesmo espaço que oprime, também pelo aperto, tem seus tempos de camaradagem igualmente por esta razão.

A criação dessa atmosfera também é mérito do elenco, que faz um ótimo trabalho nesse início de série. Para além do visual, os atores foram muito bem preparados para esta produção. As próprias obras de Ulisses Campbell, que estiveram acessíveis para eles, serviu como um apoio na construção do perfil psicológico desses personagens. Marina Ruy Barbosa, por exemplo, é competente em nos convencer que é uma mulher fria, manipuladora, que conhece muito bem seus pontos fortes e sabe como utilizá-los para se dar bem, enquanto finge que não tem tanta noção deles.

Bianca Comparato e Lucas Oradovschi, que vivem, respectivamente, Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni, também se destacam no episódio, ainda que apareçam pouco. É perceptível o quanto os dois tiveram cuidado na retratação dos presidiários que interpretam, mesmo nos detalhes, como o sotaque ou pequenas nuances nas expressões faciais dessas figuras que, diferente de outras, são mais introspectivas e contidas.

Kelner Macêdo, como Cristian Cravinhos, ao lado de Felipe Simas, como Daniel Cravinhos, talvez representem o maior contraste no quesito atuação. A interpretação de Simas é meio perdida, especialmente quando comparada a de Macêdo. Por enquanto, ele parece ser o elo mais fraco do elenco.

Como Tremembé é uma série, basicamente, sobre relacionamentos, a importância das boas atuações é ainda mais evidente. Se são as trocas entre eles que vão provocar os principais acontecimentos da trama, é importante que elas pareçam genuínas, naturais. A dinâmica entre Suzane e Sandrão, vivida aqui por Letícia Rodrigues, é uma das principais. As ações dessas personagens parecem ser a força motriz da teia de ocorrências do núcleo feminino, e elas são divertidas e curiosas de se acompanhar.

A princípio, Sandrão está “casada” com Elize Matsunaga, interpretada por Carol Garcia, mas a chegada de Suzane em Tremembé, ponto de partida da trama, vai desordenar esse relacionamento. De cara, a assassina dos pais entende que é Sandrão quem está no topo da hierarquia do presídio e sabe o que fazer para chamar sua atenção. As duas se envolvem em uma série de provocações, encontrando na figura da outra algo de desejável, seja sexo, seja poder.

No presídio masculino, também há hierarquias, disputas de interesse e relacionamentos movidos a desejo e conveniência. Duda, um dos personagens desse núcleo, é um recém-chegado em Tremembé e já precisa se adaptar a esse tipo de dinâmica, observando de quem ele deve se aproximar para obter vantagens. Mostrar esse ingresso de presidiários nesse ambiente é uma estratégia interessante adotada pela minissérie, porque, junto com eles, os espectadores passam também a entender como as coisas funcionam por lá.

Divulgação/Amazon Prime Video
A minissérie coloca personagens recém-chegados em 'Tremembé' para auxiliar o espectador no entendimento do sistema do presídio - Divulgação/Amazon Prime Video

Ainda, vale apontar para a aposta de Tremembé no humor ácido, presente em interações simples e pequenos acontecimentos do cotidiano. A forma como esse elemento é abordado realmente consegue arrancar sorrisinhos por meio do inusitado. E toda essa graça soa natural, enfatizando, novamente, o bom trabalho dos atores.

Responsabilidade do true crime

O primeiro episódio de Tremembé é, sim, muito bem realizado, cumpre a função de entreter. Um bom produto audiovisual para o streaming é, dentre tantas coisas, também diversão. No entanto, para além das qualidades óbvias da minissérie, pensar um pouquinho mais a fundo sobre a temática pode despertar algumas questões morais, uma reflexão sobre a nossa obsessão em espetacularizar tragédias. Mesmo que a produção tenha sua licença para criar novos diálogos e situações, ficcionalizar em cima do real, esses personagens cujas relações e decisões estão nos servindo de entretenimento — e colocando muito dinheiro no bolso de uma grande empresa — existem às custas do sofrimento de pessoas reais. Explorar até a última gota da história desses criminosos não é, de certa forma, transformar a dor de uns no prazer — e no patrimônio — de outros?

Claro que essa discussão vai muito além de Tremembé, que é só um sintoma de algo muito maior. Há muito tempo, a indústria cultural transforma crime em mercadoria, construindo narrativas que se aproveitam de uma curiosidade mórbida que é até natural, mas é importante que seja alvo de questionamentos e reflexões. Analisando toda a espetacularização em volta do caso da própria Suzane von Richthofen, as estratégias da mídia ficam bem óbvias. O julgamento dela e dos irmãos Cravinhos foi acompanhado como uma novela pelos brasileiros, e chegaram a acontecer sorteios de convites para assistir ao tribunal. De lá para cá, pouca coisa parece ter mudado. O mesmo streaming que está por trás desta minissérie produziu, em 2021, dois filmes sobre esse mesmo caso: A menina que matou os pais e O menino que matou meus pais. Precisamos mesmo de mais mercadorias sobre Suzane? Tremembé ao menos tem o mérito de trazer uma perspectiva mais original. Ponderar sobre essas problemáticas não é, necessariamente, acreditar que essas produções devem ser censuradas ou boicotadas, é colocar o pé no chão e ter um olhar mais crítico sobre as coisas que estão nos entretendo, sem demonizar nossa curiosidade inevitável pelo chocante e pelo inusitado.

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