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'Seu Cavalcanti' traz o olhar da velhice vivida de dentro e transforma lembranças pessoais em sentimentos universais

Dirigido por Leonardo Lacca e produzido por Emilie Lesclaux e Kleber Mendonça Filho, o filme mergulha no cotidiano de um homem no auge dos 90 anos.

Por Daniela de Sá Publicado em 08/09/2025 às 8:00

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Com estreia marcada para o dia 11 de setembro, Seu Cavalcanti desembarca nos cinemas para o público brasileiro se apaixonar por um senhor de 90 e tantos anos muito decidido sobre o que quer da vida.

Criado por Leonardo Lacca, com direção e roteiro assinados por ele mesmo, o longa é um "docuficção" de cunho familiar, e apresenta o avô de Lacca, o Seu Cavalcanti, um homem idoso que, depois de sofrer uma grande contrariedade, tenta reconquistar a sua independência e prestígio na sociedade.

Foto: Divulgação
Pôster do filme 'Seu Cavalcanti'. - Foto: Divulgação

Leonardo começou a filmar seu avô no início dos anos 2000, quando teve acesso a uma câmera emprestada da universidade. Desde então, sempre que surgia uma oportunidade, registrava momentos com Seu Cavalcanti.

"Ele começou a perceber a câmera e a aceitou como parte da nossa rotina", relembra o diretor. Com o tempo, o avô tornou-se colaborador ativo e ator de sua própria história. Mesmo após sua morte, no início de 2016, o projeto seguiu, com a ausência de Cavalcanti sendo incorporada à narrativa.

Além de Severino Cavalcanti, protagonista do filme, e de suas filhas, Tereza Cavalcanti e Isabel Novaes, o elenco conta com a participação especial da atriz Maeve Jinkings ('Aquarius', 'Carvão'), que contracena com o avô do diretor em cenas improvisadas filmadas em 2013.

Entre os artistas, também está Tânia Maria ('Bacurau') participando de uma das cenas do longa com sua já característica espontaneidade, e também é destaque em 'O Agente Secreto'.

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Cena do filme 'Seu Cavalcanti'. - Foto: Divulgação

Uma história pessoal que se torna universal

Geralmente, filmes ao estilo memoir podem cair no pecado da previsibilidade: melancolia, taciturnidade e saudosismo são alguns dos exageros que vem a calhar nesses casos. A transformação de um ser humano em mártir diante dos olhos dos espectadores é uma jogada perigosa, e talvez até vaidosa por parte de quem está contando a história.

No entanto, este não é o caso de 'Seu Cavalcanti', filme escrito e dirigido pelo recifense Leonardo Lacca, que conta a jornada do avô, Severino Cavalcanti, no auge dos 90 anos.

O longa-metragem é montado através de imagens feitas a partir de meados de 2003, inicialmente com a camêra emprestada da faculdade de Lacca, até mesmo do próprio celular do cineasta, que costumava desde jovem filmar o avô em momentos cotidianos em casa, no carro, na rua e em qualquer outra ocasião em que uma câmera estivesse disponível.

A obra, apesar de um modelo conhecido como documentário, mistura realidade e ficção, com enredos que aconteciam com o próprio Cavalcanti, e também outros criados por Lacca, como a participação de Maeve Jinkings, por exemplo, que dá vida à uma paquera do personagem principal, resultando em uma das cenas mais divertidas do filme.

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Severino Cavalcanti e Maeve Jinkings em cena de 'Seu Cavalcanti'. - Foto: Divulgação

Mas o divertimento de 'Seu Cavalcanti' é constante durante todo o longa. A personalidade do avô de Lacca é trabalhada não só enquanto personagem, mas também é transpassada em todos os outros aspectos do fillme: na narração perspicaz do diretor; na escolha das cenas; nas falas reais ou ficcionais; e até mesmo nos demais personagens.

Severino Cavalcanti, a estrela do filme, é o que podemos chamar de "figura": meio marrento, cara fechada, mas dono de um carisma sem igual. O neto, responsável por provocar a maioria dos eventos que montam as premissas, gostava de irritá-lo, acompanhá-lo a todos os lugares, e, principalmente, observá-lo através das lentes.

E o que transforma a execução é a maneira que Cavalcanti se porta em frente as câmeras: não se intimida, seja para atuar ou para ser observado.

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Cena do filme 'Seu Cavalcanti'. - Foto: Divulgação

Tereza, mãe de Leonardo, indubitavelmente é a filha preferida de Cavalcanti e também uma peça-chave no roteiro. É com ela que ele tem as maiores desavenças; para quem ele liga quando está com saudades; e de quem ele recebe as maiores ordens, e 'ai' dele se não obedecer.

Isabel, a outra filha, é a ciumenta dessa dinâmica. Quando Severino recebe uma ligação misteriosa, é ela quem tem o plano de seguir o carro do pai assim que ele sai de casa. E quando descobre que ele foi se encontrar com uma mulher, também é ela que quer descer do carro e tirar a história a limpo. Ao final do filme, quando a personagem de Tânia Maria revela que tem uma filha fruto de uma relação com Severino, é ela que chora e pede o DNA. E mesmo com esses mini-enredos sendo a parte ficcional do filme, o espectador consegue perceber que as reações de Isabel seriam reais.

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Tereza Cavalcanti, Severino Cavalcanti e Isabel Novaes em cena do filme 'Seu Cavalcanti'. - Foto: Divulgação

E por falar nela, Tânia Maria, que apesar de poucos minutos de tela, assina mais uma vez seu nome na história do cinema pernambucano com uma partipação marcante, da comédia ao drama em Seu Cavalcanti.

Mas realmente, o mais impactante de toda a premissa, é o Seu Cavalcanti em si. Dirigindo, bebendo, reclamando, sorrindo, ele cativa a câmera e o espectador. Pode-se dizer que ele é o modelo do "avô recifense starter pack": as vestimentas obrigatórias são as camisas de botão e o cinto no meio da barriga; bebe uma dose (no mínimo) de whisky ou cachaça por dia; é um péssimo motorista; dorme com uma camisa velha no rosto; é viciado em ir ao banco; solta alguns 'ora, cebola!' durante o dia; e morre de orgulho da família porque todos estão 'encaminhados na vida'.

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Cena do filme 'Seu Cavalcanti'. - Foto: Divulgação

Outro ponto destaque do filme vai para os elementos técnicos, visto que as filmagens foram feitas em câmeras diferentes: profissionais; amadoras; de notebook e; até de celular. A pós-produção de imagem e som manteve o estilo original do material mas sem o ar de 'amador demais', reafirmando a ideia de particularidade com qualidade.

O longa, produzido por quase 20 anos a contar desde a primeira vez que Severino foi filmado, é o grande projeto de vida de Leonardo Lacca; o seu avô foi o seu primeiro ator; e Seu Cavalcanti é um presente do diretor não só para a própria família, mas para o cinema enquanto arte e instituição. Apesar de pessoal, o projeto retrata um tipo de personagem que existe em muitas casas brasileiras, gerando identificação e afeto do espectador.

É uma obra que emociona, diverte e mostra o olhar da velhice no lugar de quem a vive, e não de quem a espera.

Confira o trailer de 'Seu Cavalcanti':

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