"O Último Azul" encanta, emociona e retrata a velhice como um novo ciclo, não o último
Longa-metragem do pernambucano Gabriel Mascaro conquistou o Urso de Prata na 75ª edição do Festival de Berlim. A estreia é prevista para 28 de agosto

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*Esta matéria contém spoilers
Baseado em um mundo distópico, o longa-metragem do pernambucano Gabriel Mascaro chegará muito forte em território nacional. Com uma premissa que envolve questões humanas e morais, "O Último Azul" promete ser um grande filme nas disputas dos festivais de cinema.
Com estreia prevista para 28 de agosto em todos os cinemas brasileiros e classificação indicativa para maiores de 14 anos, o filme mostra um país no qual o controle populacional é feito de uma forma diferente.
Ao chegarem à última fase da vida, o governo transfere idosos para uma colônia habitacional na qual vão "desfrutar" os últimos anos longe da população.
Antes do próprio exílio, Tereza (Denise Weinberg), uma mulher de 77 anos, embarca em uma jornada para realizar os últimos desejos. Rodrigo Santoro, Adanilo e a atriz cubana Miriam Socarrás também fazem parte do elenco.
Uma narrativa distópica, mas perto da realidade
Para os amantes de distopias, "O Último Azul" é um prato cheio e recheado de críticas às ações governamentais, éticas e sociais. É um filme profundo, quase hipnotizante, que conseguiu fazer em - quase - uma hora e meia o que muitos longas com três horas não fazem.
Tereza é uma idosa que não ama o que faz, mas é habituada a trabalhar para o próprio sustento. Ela é uma mulher tranquila, que segue a vida como qualquer outra pessoa: acorda, vai trabalhar, volta para casa, dorme, e repete o ciclo todos os dias.
A questão é: a senhora, achando que ainda desfrutaria mais três anos de "liberdade", recebe a notícia de que o governo antecipou a idade para os idosos serem levados às colônias: 75 anos. Aos 77, Tereza já estaria apta a ceder a própria guarda à filha e se encaminhar para onde todos os mais velhos vivem.
No filme, é mostrado a dor da mulher por perder o direito de agir por conta própria e não poder fazer o que sempre teve condições de fazer: viver.
O governo apresenta essa medida como um tipo de projeto para aumentar a produtividade econômica do país. Já que os filhos não precisam se preocupar com os pais, ou netos não teriam que viver em prol de um avô, teriam mais tempo para que fizessem com que houvesse o crescimento da produção no lugar.
Além disso, quem ficasse com a guarda do idoso, também receberiam um auxílio em dinheiro, o que poderia até aumentar a vontade da população de deixar os pais nas colônias e ter mais ânimo para trabalhar. Dentro do filme, pode até fazer sentido para quem recebe, mas, para os isolados, não é um mar de rosas.
Desde o início, são mostrados protestos nas paredes, pessoas comentando como eles são levados e nunca mais voltam, ou sobre a família não conseguir mais os ver. A população, nesse mundo, tem prazo de validade. E Tereza é uma das que percebem isso.
Enquanto família e amigos a confortam, falando que não vai ser tão ruim, ou que é o melhor a se fazer, a mulher sente que aquele não é o final de vida que ela merece. Assim, ela decide realizar o último sonho antes de se isolar: andar de avião.
Quando a mulher tenta comprar uma passagem e é impedida pela filha, ela resolve buscar outros meios para isso, e andar de ultra-leve se tornou a solução. É aí que ela conhece o personagem de Rodrigo Santoro, um barqueiro, que transportava apenas mercadoria, mas é comprado pelo dinheiro da senhora e a leva até a cidade que deseja.
Eles embarcam em uma aventura pelos rios da Amazônia e a jornada de Tereza começa a partir desse ponto. Tudo dá errado, depois dá certo novamente, depois acaba tudo de novo... É um filme cheio de altos e baixos.
A direção e roteirização de Gabriel Mascaro, junto a Tibério Azul, deixou a trama muito mais fácil de ser assistida, com fluidez e leveza, apesar do cenário crítico, e muito confortável para os olhos.
Quando o trabalho é feito com delicadeza, cuidado e paixão, os telespectadores percebem, e isso ocorreu em "O Último Azul".
Os cenários são muito bem pensados, gerando um pequeno desconforto em cenas que, até então, seriam sutis, como foi o exemplo da caminhada de Tereza pela cidade, com muros grafados com "Devolvam meu avô", ou "Idoso não é mercadoria".
Ou quando a Tereza pede ajuda às pessoas, mas elas preferem não se envolver para "não dar ruim para o lado delas", conforme dito no filme. É bonito, é poético, é intrigante, é alucinante (e como é alucinante). E o desfecho consegue ser muito mais emocionante.
A atuação de Denise Weinberg é absurda, com certeza foi a pessoa ideal para esse papel. O elenco todo se encaixa muito bem, faz parecer que a conexão que os personagens têm nas telas também existe na realidade.
Rodrigo Santoro fez um grande retorno ao Festival de Berlim com esse longa-metragem. Apesar de não ser o principal, ele tem uma postura tão boa atuando que faz parecer que sim. Quando ele contracena com Denise, dá a entender que os dois irão seguir a aventura juntos, só pela conexão que eles tiveram. É uma breve passagem, mas que marca demais o enredo.
Um ponto a destacar são os personagens coadjuvantes, não os que estão junto a Tereza, mas os que vão lidando com a mulher ao longo do filme, com cenas breves. A forma com que eles são introduzidos é, de primeira, incômoda, mas, quando o telespectador se acostuma, se torna um elemento muito legal.
Eles dão um ar muito caricato ao filme, como se todos fossem propagandas ambulantes do governo. Essas pessoas reforçam bastante à crítica de que não existe mais escolhas, as pessoas vivem conformem elas podem e como as autoridades as permitem viver.
"O Último Azul" é um filme que vai alfinetar bastante os conceitos etaristas da população, que costuma desumanizar os idosos. Com uma narrativa brilhante, bem escrito e dirigido, e cheio de reflexões, dá vida àqueles que merecem viver do jeito que bem entenderem.
E fica a dica: é ainda melhor quando você assiste ao filme sem ver o trailer ou saber muitos spoilers sobre o enredo. A experiência muda.
Confira o trailer: