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'Seu Cavalcanti': Leonardo Lacca, Kleber Mendonça Filho e Emilie Lesclaux falam sobre o filme e a experiência de contar a história do personagem da vida real

Em conversa exclusiva, diretor e produtores compartilham memórias, desafios e decisões criativas por trás do docuficção produzido por quase 20 anos.

Por Daniela de Sá Publicado em 08/09/2025 às 8:05

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Com estreia marcada para o dia 11 de setembro, 'Seu Cavalcanti' chega aos cinemas mostrando a vida de Severino Cavalcanti, um senhor de 90 e tantos anos dono de personalidade marcante e carisma único.

Após assistir ao filme na pré-estreia no dia 1º de setembro no Recife, o Social1 teve a oportunidade de conversar com Leonardo Lacca, diretor, roteirista e neto de Seu Cavalcanti; e com os produtores Emilie Lesclaux e Kleber Mendonça Filho para entender os bastidores desse projeto que levou quase 20 anos para ser lançado.

Foto: Divulgação
Pôster do filme 'Seu Cavalcanti'. - Foto: Divulgação

A origem do projeto

Leonardo Lacca começou a filmar seu avô no início dos anos 2000, registrando momentos cotidianos em casa, no carro e na rua, com qualquer câmera disponível. A intenção inicialnão era, de forma alguma, fazer com que essas filmagens se transformassem em um filme.

O cineasta sempre gostou de filmar o avô, pois Seu Cavalcanti não se intimidava com a câmera, e que foi só a partir de meados de 2008 que entendeu que aquelas imagens tinham um potencial maior do que imaginava.

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Cena do filme 'Seu Cavalcanti'. - Foto: Divulgação

"Para a família, ele [Seu Cavalcanti] era considerado uma 'figura', existia essa brincadeira com ele. Mas não sei se eu o via dessa forma. Eu acho que eu o via no sentido de que eu o acompanhava, saía muito com ele... e aí eu sempre percebia na relação dele com as outras pessoas. Ele esbanja muito a saúde, me lembro de ficar com vergonha de que ele falasse demais. Então, nesse lugar, ele era muito comunicativo e muito extrovertido; nesse lugar muito 'engraçado', mas que eu não achava graça literalmente como alguém que está de fora, eu tava naquele furacão", revela Lacca.

Segundo o diretor, o 'estalo' para entender que o avô era esse figurão foi ao observar as imagens que ele gravava de Cavalcanti, como uma descoberta progressiva, no sentido de que ao longo que ele apontava a câmera para o avô, ele também ia se tornando um cineasta.

Para Kleber Mendonça Filho, cineasta que se encarregou da produção do longa, o entendimento de Leonardo para que 'Seu Cavalcanti' se tornasse um filme acontecia diante dos seus olhos: "Quando você está desenvolvendo um filme, você se pergunta se 'isso aqui' é um filme. E eu passei por isso com 'Retratos Fantasmas', um dilema parecido, porque você tem muito material que é íntimo e pessoal, que é da sua família, que mostra a sua casa... e você começa a se perguntar se isso [o filme] vale. E Leo [Lacca] vinha filmando o avô durante muitos anos".

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Cena do filme 'Seu Cavalcanti'. - Foto: Divulgação

Mendonça Filho salienta que foi durante uma das primeiras edições do Janela Internacional de Cinema do Recife, festival idealizado por ele e por Emilie Lesclaux, que nascia o despertar de ter Severino Cavalcanti como estrela: "Acho que foi aí que Leo entendeu que não era só um material íntimo, mas um personagem muito curioso, acho. E ao longo dos anos, acompanhamos Leo trabalhando nesse filme, vimos umas 15 versões desse filme, até que ele terminou com uma versão que eu acho muito linda".

Mistura de realidade e ficção

O longa combina imagens reais com ficção, criando cenas que aconteciam com o próprio Seu Cavalcanti e outras inventadas por Lacca, como a participação de Maeve Jinkings. Sobre essa mistura, Leonardo afirma: "Convidei Maeve e falei para ela: 'é quase um experimento... quero que você improvise à vontade, você vai ser a namorada dele', e disse a ele [Seu Cavalcanti]: 'ela vai ser sua namorada, e vocês vão sair para passear, vocês vão conversar, vocês vão tomar sorvete'. Existiam temas ali para a gente tentar abordar nesse improviso".

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Severino Cavalcanti e Maeve Jinkings em cena de 'Seu Cavalcanti'. - Foto: Divulgação

Sobre o processo de decidir mesclar os dois estilos, Lacca adimite: "Foi muito natural. No começo, eu queria fazer só ficção, acredite se quiser {...} E em algum momento, eu me libertei desse rótulo e comecei a olhar para as imagens para o que elas realmente são mesmo, sem rotulá-las, sem julgá-las. E deixar para o mercado e para as pessoas, para quem quiser dizer que é documentário, para quem quiser dizer que é ficção".

Apesar de ser conhecido como um homem teimoso e de opiniões firmes, Seu Cavalcanti conquistava todos ao seu redor com um carisma inegável. Esse traço não era invenção da ficção, mas parte essencial de quem ele era na vida real: "Seu Cavalcanti era uma figura, sempre muito divertido estar perto dele. Ele falava coisas muito engraçadas".

Sobre a pessoalidade do filme, Kleber comentou: "[O filme] não é só sobre o avô dele, na verdade. É sobre um tipo de família. Não digo que é a família brasileira por excelência, eu acho que é um tipo de família onde o pai é o avô; uma família onde você vê o tempo passando; onde o avô é um policial aposentado mas é de esquerda", que complementa: "São vários elementos que eu acho que fazem o filme ter um sabor muito particular; e eu acho que o bom cinema é o que tem o sabor particular". 

Os desafios da produção

Durante quase duas décadas, o projeto passou por diferentes formatos de gravação: câmeras profissionais, amadoras, de notebook e celular. Sobre a pós-produção, Emilie Lesclaux comentou que até chegar ao corte final, várias versões do filme foram rodadas.

"Ao longo desses anos, tinham vários cortes. Quando entramos [na produção] já existiam uns cortes do filme, Seu Cavalcanti, inclusive, ainda era vivo na época. A gente não tinha a dimensão de tudo que existia de material, porque Leo filmava muita coisa. Mas toda vez que tinha um novo corte, a gente opiniva, dávamos anotações sobre a estrutra do filme: o que funcionava e o que não funcionava tanto. Até hoje não tenho noção da quantidade de coisas que Leo filmava".

Já Lacca, define o processo de início da pré-produção como um rascunho do que viraria um produto real: "Imagine você começar a pintar um quadro sem nenhum esboço, sem nenhum figura... Aí você começa. Eu não estava observando nada. No processo de montagem, eu tinha nada. Não tem roteiro, não tem nada escrito. É um processo de escavação, descoberta, tentativas, ideias {...} São quase 20 anos de um bloco de notas só para ele [Seu Cavalcanti]".

Kleber Mendonça Filho ainda acrescentou: "Esse tipo de filme você meio que chega a um ponto que você tem que abandonar o filme, porque se não você vai continuar... As possibilidades são infinitas. É um pouco diferente da ficção. A ficção você realmente chega no 'final do processo'. E Leo trabalhou muutos anos nesse filme, e é assim que a gente trabalha".

O impacto da história

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Cena do filme 'Seu Cavalcanti'. - Foto: Divulgação

Além de mostrar a vida de um homem idoso e suas particularidades, o filme aborda temas universais, como família, independência e envelhecimento. Leonardo, que também é preparador de elenco, admite que seu avô seu foi primeiro ator; a primeira pessoa que teve que preparar para trabalhar em frente às lentes, transformando temáticas cotidianas em um material cinematográfico.

Enquanto Kleber Mendonça Filho comentou: "Eu quero muito que esse filme seja descoberto; quero que as pessoas digam 'Caramba, fui ver um filme ontem completamente fora do que eu esperava!'".

Com uma mistura de sensibilidade, humor e autenticidade, 'Seu Cavalcanti' é um projeto que conecta memórias familiares com experiências universais. Como destacaram Leonardo Lacca e os produtores, reforçando a ideia de que a velhice, a família e a vida cotidiana podem se tornar matéria-prima para a arte.

Confira o trailer de 'Seu Cavalcanti':

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