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Inteligência artificial e o futuro do trabalho: especialistas debatem riscos, oportunidades e necessidade de regulação

Especialistas destacam que a IA não deve ser vista como inimiga, mas como ferramenta de transformação que exige pensamento crítico e requalificação

Por Maria Clara Trajano Publicado em 24/10/2025 às 15:21

As máquinas já escrevem, falam, produzem imagens e até simulam emoções humanas. Em poucos segundos, elas executam tarefas que antes exigiam horas. Mas, por trás da eficiência e da velocidade, há uma inquietação crescente: quem vai perder o emprego para a inteligência artificial?

A pergunta norteou o debate promovido nesta quinta-feira (23) pela Rádio Jornal, que reuniu especialistas para discutir o impacto da IA no mercado de trabalho e nas relações humanas.

Participaram do programa Bruno Cunha, administrador, psicanalista e especialista em carreiras; Mônica Queiroz, coordenadora nacional de pós-graduação do grupo Ser Educacional; e Reinaldo Melo, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados, Informática e Tecnologia da Informação de Pernambuco (SindPD). A mediação foi conduzida pela jornalista Natália Ribeiro.

Ao longo da conversa, os convidados refletiram sobre o medo da substituição por máquinas, o papel da educação, a necessidade de regulação e os caminhos para um futuro em que tecnologia e humanidade caminhem juntas.

O medo e o aprendizado de conviver com as máquinas

“Esse tema não é somente tecnológico, é um tema profundamente humano, porque envolve transformação cultural, das formas de pensar, sentir e agir”, afirmou Bruno Cunha, logo no início do programa.

Para ele, a chegada da inteligência artificial representa uma nova revolução industrial, que exige adaptação, aprendizado e coragem para deixar a zona de conforto.

“O profissional que não desenvolver as principais competências do futuro, como o pensamento crítico, vai ficar fora do mercado. As atividades repetitivas estão sendo automatizadas. É hora de sair desse lugar e buscar valor agregado, inovação e propósito”, alertou.

Bruno destacou que a tecnologia, por si só, não tem consciência e, portanto, não pode substituir o que é essencialmente humano. “Enquanto as tecnologias tentam se tornar humanas, nós precisamos resgatar o que é verdadeiramente ser humano. A inteligência artificial não pensa, quem pensa somos nós”.

Para ele, o maior risco não é ser substituído por uma máquina, mas deixar de se atualizar. “Quem realiza tarefas repetitivas está no lugar do robô. A saída é aprender a colaborar com a tecnologia, não competir com ela”, resumiu.

Educação e requalificação: chaves para o futuro

Se o trabalho muda, a educação precisa mudar junto. Essa foi a principal defesa de Mônica Queiroz, que destacou o papel das instituições de ensino na formação de profissionais capazes de refletir, analisar e usar as novas ferramentas com responsabilidade.

“Estamos ensinando para uma nova geração. O modelo conteudista já não funciona mais. O professor precisa lidar com múltiplos estímulos e usar a tecnologia como aliada, sem demonizá-la”, afirmou.

Para Mônica, a inteligência artificial pode ser uma grande aliada na personalização do ensino, permitindo que professores compreendam melhor o ritmo e as dificuldades de cada aluno. “A IA nos ajuda a entender o ritmo de aprendizagem dos estudantes. É uma tecnologia que, usada de forma responsável, pode contribuir para uma educação mais justa e eficiente”.

Mas o entusiasmo vem acompanhado de cautela. “A IA ainda está em evolução. Ela erra, e é preciso analisar os dados de forma crítica e reflexiva. Não podemos terceirizar o pensamento humano”, alertou.

Ela lembrou um caso recente, em que uma consultoria internacional precisou indenizar o governo australiano em mais de 400 milhões de dólares por causa de relatórios incorretos gerados por IA. “Isso mostra que o ser humano continua indispensável. A tecnologia é uma ferramenta, não uma solução autônoma”.

A professora reforçou que a revolução digital não deve ser tratada como ameaça, mas como oportunidade.

“Mais do que informar, é preciso formar pessoas. E formar significa ensinar a pensar. Quem não se adapta, desaparece, como aconteceu com as locadoras de vídeo, os CDs e tantos outros formatos que ficaram para trás”.

Trabalho, desigualdade e o desafio da regulação

Enquanto a tecnologia avança, o mundo do trabalho passa por uma transformação silenciosa. Cada vez mais pessoas trabalham por meio de aplicativos e plataformas digitais — muitas sem garantias trabalhistas. Para o sindicalista Reinaldo Melo, é preciso encarar essa nova economia com olhar crítico e humano.

“A tecnologia não pode aprofundar as desigualdades. Pelo contrário, deve ser usada a favor do trabalhador, para melhorar condições de trabalho e qualidade de vida”, defendeu.

Ele lembrou que o discurso de liberdade e flexibilidade que acompanha o trabalho por plataformas muitas vezes esconde precarização e falta de direitos.

“O trabalhador está cada vez mais conectado e, ao mesmo tempo, desconectado dos seus direitos. Se um entregador sofre um acidente, a quem ele recorre? Essa é a nova realidade e ela é cruel”.

Reinaldo defendeu a criação de uma regulamentação clara para o uso da inteligência artificial e das plataformas digitais, garantindo transparência e justiça. “A tecnologia não é neutra. Os algoritmos tomam decisões que impactam diretamente as pessoas. Por isso, defendemos a transparência algorítmica, o direito à desconexão e regras claras de uso”.

Ele destacou que o Congresso Nacional já discute uma lei de regulação da IA, e que o tema precisa ser tratado com equilíbrio. “Regular não é retroceder. É garantir que o avanço tecnológico aconteça com segurança, com direitos e com respeito ao ser humano", explicou.

Um futuro que continua humano

Entre o fascínio e o medo, o consenso entre os convidados é que o futuro do trabalho será cada vez mais híbrido: feito de máquinas poderosas, mas também de pessoas criativas, éticas e empáticas.

“Podemos escolher entre dois futuros: um de exclusão e desigualdade ou outro de expansão e inclusão”, refletiu Bruno Cunha. “Só há desigualdade quando há passividade. Precisamos resistir à tecnologia com sabedoria, usando-a a nosso favor para crescer profissionalmente e transformar a sociedade”.

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