Editorial JC: Esculhambação nos ônibus
Onda de invasões de vândalos que entram nos veículos e não querem pagar faz motorista descer – num retrato dramático de nosso transporte público

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Fenômeno relativamente recente no cotidiano das cidades e regiões metropolitanas no Brasil, o transporte de passageiros em motocicletas, por mototáxis e empresas de aplicativos, cresceu substancialmente nos últimos anos. E trouxe consequências para o tráfego, para a saúde pública – com a explosão de internamentos e da demanda de emergências por causa de sinistros envolvendo as motos – e para a própria dinâmica urbana, a partir de um elemento que se aproveita do vácuo do poder público.
Mesmo que se trate de um serviço sob concessão, o transporte coletivo insuficiente e de má qualidade é um dos fatores que contribuem para a multiplicação dos motopassageiros.
Depois do sucateamento do metrô, a população da Região Metropolitana do Recife acompanha, há alguns anos, a degradação do sistema de transporte de ônibus. A falta de segurança é um dos problemas, gerando queixas recorrentes, sem que nem as empresas, nem o governo do Estado e as forças policiais, tenham sido capazes, até agora, de oferecer o mínimo de tranquilidade aos usuários.
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Como não é de surpreender, o medo que se alastra rapidamente, na observação diária de ocorrências, ou na experiência traumática da violência de um assalto, não tarda a se transformar na escolha por um transporte alternativo: as motos, que não foram feitas para o transporte de passageiros em massa, e são comprovadamente mais inseguras, do ponto de vista da proteção física, do que outros modais.
Na última terça-feira, a atitude de um motorista de ônibus chamou a atenção para a esculhambação – não há outra palavra – do transporte coletivo no Recife.
A frequência com que vândalos têm assustado os passageiros, invadindo as estações e os veículos, desafiando a ordem pública, a gestão privada e os governantes, passou de todos os limites. Incomodado com a situação repetitiva, o motorista da linha TI Xambá/Cabugá resolveu demonstrar a inquietação, e certamente a indignação.
No momento em que mais de uma dezena de indivíduos subiram no ônibus com comportamento agressivo, sem pagar a tarifa, o motorista se recusou a dar continuidade à viagem, desceu e foi procurar ajuda policial.
A invasão foi filmada pelas câmeras de monitoramento do veículo. Passageiros também filmaram e postaram a saída do motorista nas redes sociais, recriminando-o, sem mencionar a invasão. A empresa de ônibus confirmou o ocorrido e afirmou ter aberto sindicância para apurar o caso.
O sindicato dos rodoviários enalteceu o profissional, e através de nota afirmou que o motorista retornou ao ônibus depois que os invasores saíram para tentar embarcar em outro veículo. O Governo de Pernambuco não havia se manifestado até a quinta-feira.
Como lamentou a colunista do JC, Roberta Soares, apenas paga passagem nos ônibus do Grande Recife quem quer. “O impacto no setor está indo muito além da perda financeira. Virou desmoralização”, definiu. E os maiores desmoralizados são os cidadãos, que correm para as motos, aparentemente seguras, rápidas e confortáveis – mesmo sendo indiscutivelmente arriscadas.
Confira a charge do JC desta sexta-feira (25)