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Invasão nos ônibus: Motorista abandona coletivo depois que passageiros invadem ônibus sem pagar, em mais um episódio de desmoralização do transporte público

Invasões de ônibus e estações de BRT viraram desmoralização no transporte público do Grande Recife e aumentam cada vez mais sem reação do Estado

Por Roberta Soares Publicado em 23/07/2025 às 13:10 | Atualizado em 23/07/2025 às 15:52

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As frequentes invasões dos ônibus por passageiros que não querem mais pagar a passagem e têm sido estimulados pela ausência do poder policial e fiscalizador do Estado - gestor do sistema - terminou provocando uma situação extrema por parte de um motorista na Região Metropolitana do Recife.

O motorista da linha 820 - TI Xambá/Cabugá simplesmente abandonou o coletivo depois que um grupo de 14 pessoas invadiu o veículo pela porta traseira sem pagar a tarifa. Um dos ‘vândalos’ - como quem invade ônibus deve ser definido - chegou a acionar a alavanca de emergência do coletivo para forçar a parada e a abertura das portas.

O fato aconteceu nesta terça-feira (22/7), por volta das 17h, horário de pico da tarde, em uma das paradas localizadas na Rua do Sol, no Centro do Recife. A linha 820 seguia para o TI Xambá, permitindo a integração com outras linhas no terminal.

ASSUSTADO COM AS INVASÕES, MOTORISTA PROCUROU AJUDA POLICIAL

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
O fato aconteceu nesta terça-feira (22/7), por volta das 17h, horário de pico da tarde, em uma das paradas localizadas na Rua do Sol, no Centro do Recife - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

Revoltado e assustado com a situação - até porque os coletivos têm câmeras e os operadores são cobrados pelas empresas quando acontecem invasões -, o motorista abandonou o coletivo e desceu em busca de proteção policial. Toda a invasão foi filmada pelas câmeras do coletivo.

Nas redes sociais, um vídeo viralizou com um passageiro relatando apenas o abandono do ônibus pelo motorista e criticando o profissional pelo gesto. Alegou que as pessoas queriam chegar em casa após um dia de trabalho, mas em nenhum momento o autor do vídeo explica o que, de fato, provocou o abandono da direção pelo motorista.

 
 
 
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O episódio foi confirmado pelo Sindicato dos Rodoviários de Pernambuco (Sintro-PE) e pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Pernambuco (Urbana-PE). A linha é operada pela empresa Caxangá.

“A empresa Caxangá informa que, na tarde da última terça-feira (22), por volta das 17h, um grupo de 14 pessoas invadiu um ônibus que operava na linha 820 - TI Xambá/Cabugá, conforme registrado pelas câmeras de segurança do veículo. Em decorrência da invasão, e por questões de segurança, o motorista teria desembarcado do veículo em busca de apoio policial, conforme informações iniciais. A empresa já abriu sindicância interna para apurar a ocorrência”.

“O Sintro-PE vem a público repudiar a disseminação de informações distorcidas sobre o condutor da linha 820 – TI Xambá/Cabugá, a respeito de um vídeo que circula nas redes sociais, sugerindo que o motorista teria abandonado o ônibus durante a viagem. Após apuração realizada junto à empresa Caxangá, foi esclarecido que o fato se
deu após um meliante acionar a válvula de pressão de uma das portas,
interrompendo o funcionamento normal do veículo.

O motorista, de forma responsável e profissional, desceu do coletivo para resguardar a sua segurança em busca de um apoio policial porque o mesmo foi ameaçado. Ao não conseguir, voltou ao veículo onde os meliantes desceram e pegaram outro ônibus. Ao corrigir a situação da porta e, após o reparo, o motorista seguiu com a viagem normalmente, garantindo a segurança de todos a bordo.

Repudiamos qualquer tentativa de difamar ou colocar em dúvida a conduta de trabalhadores que, mesmo diante de situações adversas, atuam com seriedade e compromisso. O Sintro-PE permanece vigilante e solidário à categoria, exigindo respeito aos rodoviários que todos os dias enfrentam desafios para cumprir seu papel com dignidade”, diz a nota do Sintro-PE.

O governo de Pernambuco, gestor do sistema de ônibus no Grande Recife, não se posicionou sobre o episódio e, principalmente, sobre as constantes invasões dos coletivos e estações de BRT na RMR. Já os operadores alegaram que, sem a força policial, é impossível combater as invasões.

INVASÕES DESMORALIZAM O TRANSPORTE PÚBLICO

Guga Matos/JC Imagem
Sem refrigeração, estações do BRT vivem com as portas abertas, estimulando ainda mais a invasão descarada do sistema de transporte. Flagrantes são diários. - Guga Matos/JC Imagem
Guga Matos/JC Imagem
Invasão das estações do BRT pernambucano são comuns e diárias - Guga Matos/JC Imagem

A evasão de receita provocada pelas invasões do sistema de transporte público da Região Metropolitana do Recife virou um problema moral. Chegou a um nível de descontrole tão alto, que o impacto no setor está indo muito além da perda financeira. Virou desmoralização. O episódio desta terça-feira, quando o motorista abandonou o coletivo, é mais um reflexo desse sentimento de abandono do sistema.

É um dos graves desafios do sistema de ônibus, sendo flagrante nos coletivos e nas estações dos dois únicos corredores pernambucanos do sistema BRT: o Leste-Oeste, que conecta o Centro do Recife com a Zona Oeste da RMR, e o Norte-Sul, que faz a conexão com a Zona Norte do Grande Recife.

É duro de dizer, mas, atualmente, tem pago passagem nos ônibus da Região Metropolitana do Recife quem quer ou tem coragem de pular os bloqueios dos ônibus, entrar pela porta traseira ou invadir as estações de BRT, eternamente abertas porque estão há mais de cinco anos sem refrigeração e o sistema de bloqueio vive quebrado.

Ou seja, a ausência de segurança policial, patrimonial e de fiscalização tem deixado o sistema de transporte público exposto. A evasão de receita provocada pelas invasões dos coletivos pela porta traseira e pelos pulos de catraca desmoraliza o sistema e gera um ambiente de insegurança no ônibus. Isso compromete duplamente o sistema porque afasta o usuário e gera a perda de receita.

CATRACAS ELEVADAS E BLOQUEIOS NA PORTA TRASEIRA

JAILTON JR./JC IMAGEM
Estações de BRT estão sem ar-condicionado há quatro anos no Grande Recife e passageiros sofrem com calor - JAILTON JR./JC IMAGEM

Na tentativa de moralizar o sistema e inibir as invasões, o sistema de ônibus começou a testar catracas elevadas com a validação do Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM) e do Ministério Público de Pernambuco (MPPE). Mas, depois de um curto período de teste, uma passageira ficou com a cabeça presa no equipamento e os testes foram suspensos.

A determinação foi para que as catracas elevadas fossem adequadas às regras de segurança e conforto determinadas pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), mas não se falou mais no assunto.

Segundo operadores ouvidos pelo JC na série de reportagens Transporte Público em Crise, publicada no fim de dezembro de 2024, existem exemplos no País que poderiam ser seguidos pelo governo de Pernambuco para combater as invasões. É o caso do VLT Carioca e do Programa BRT Seguro, do Rio de Janeiro, que têm legislações específicas para multar quem usa o transporte público sem pagar. A avaliação é de que não adianta apenas ações educativas e de sensibilização. É preciso força de polícia.

NO RIO DE JANEIRO, INVASÕES GERAM MULTA E ATÉ PRISÃO

Combater as invasões do sistema é possível e o Rio de Janeiro tem mostrado isso. É claro que ainda há flagrantes de ‘calotes’, mas a criação de uma legislação própria e o investimento na fiscalização dessas leis têm surtido efeito.

No Rio, a multa para quem não pagar a tarifa do VLT Carioca, que corta parte do Centro e faz conexões com o Aeroporto Santos Dumont e a rodoviária, é de R$ 170, subindo para R$ 255 em caso de reincidência.

A fiscalização é feita pela operadora do sistema, que determina a sanção, aplicada pelo poder público. No VLT Carioca, o pagamento da tarifa é espontâneo e não existem catracas ou cobradores. Durante as viagens, os fiscais, com apoio da Guarda Municipal, entram nas composições e abordam os passageiros.

BRT SEGURO

DIVULGAÇÃO
Tendo como principal garoto-propaganda o prefeito carioca, Eduardo Paes (PSD), o programa tem números que mostram estar dando certo - DIVULGAÇÃO

Além da legislação que multa quem não paga a tarifa do VLT Carioca, o Rio também criou outra forma de punir quem invade ou depreda o transporte público.

Depois de ressuscitar o sistema BRT, que chegou ao fundo do poço com o completo sucateamento da frota e das estações e até sofrer uma intervenção pública, a Prefeitura do Rio de Janeiro criou o Programa BRT Seguro, que fiscaliza e pune os atos de vandalismo no sistema.

Tendo como principal garoto-propaganda o prefeito carioca, Eduardo Paes (PSD), o programa, segundo dados da Prefeitura do Rio, tem números que mostram estar dando certo. Em junho de 2024, após três anos de atuação, o programa tinha realizado 3.400 prisões por crimes como roubo, furto, vandalismo e importunação sexual nas estações do BRT da cidade.

REDUÇÃO DE 90% NOS REPAROS E MULTAS POR CALOTE

O BRT Seguro também realiza patrulhamento contra assaltos, vandalismo e calotes no sistema de BRT, tendo conseguido, segundo a prefeitura, reduzir em 90% os gastos com reparos de equipamentos — estações e articulados — nesse período.

Para isso, tem um diferencial contra a impunidade: legislação municipal que dá base às multas aplicadas a passageiros por calotes - algo que muitas cidades não têm, como a Região Metropolitana do Recife, por exemplo.

Os números mostraram que os agentes aplicaram 17.800 multas em passageiros que tentavam dar o calote para não pagar a passagem no Sistema BRT.

No total, 140 estações e os 12 terminais do sistema BRT são monitorados 24 horas por 2.100 câmeras da Mobi-Rio e a qualquer indício de atividade suspeita ou fora do padrão, os agentes do BRT Seguro são acionados para verificar a ocorrência.

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