Elana Beserra de Lima: Família multiespécie transforma regras nos condomínios
Os condomínios não devem ir contra o direito do indivíduo de conviver com seus pets, porém, a convivência harmônica exige atualização...

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A Família Multiespécie é formada por humanos e animais de estimação e já faz parte da realidade dos lares que, segundo o Instituto Pet Brasil, em nosso país há uma média de 1,8 animal de estimação por residência. Já o Senado Federal estima que o Brasil tenha a terceira maior população "pet do mundo", algo entre 150 e 160 milhões de animais de estimação.
Reconfiguração familiar
Pessoas e pets convivem numa sociedade interespécie e esse vínculo vem se estreitando de tal maneira a reconhecer a importância dos animais em nossa vida e nas dinâmicas familiares. Os animais evoluíram de simples companhia para membros efetivos da família.
A transformação da sociedade e a evolução dos costumes resultaram em uma verdadeira reconfiguração familiar, caracterizada como uma união pautada pelo afeto, na qual não há necessidade de vínculo sanguíneo, pois o que sustenta essa forma de família são laços alicerçados no amor.
Esse modelo de família está em processo de transformação com o reconhecimento social e a busca por um respaldo jurídico mais efetivo. A interação humano-animal extrapola a dimensão de posse ou propriedade, configurando vínculo relacional de afeto e assistência mútua.
Coletividade
Nas relações condominiais, a presença de animais em apartamento tem sido motivo de muitos conflitos, tais como: barulho provocado por latido de cães, falta de higiene, limitações e proibições abusivas, não sendo considerada fácil a convivência no dia a dia.
Repensar as dinâmicas de convivência nos condomínios, a educação e a conscientização dos moradores e o reconhecimento dos animais de estimação como membros do núcleo familiar impõe desafios que vão desde regras equilibradas até a promoção do respeito mútuo entre vizinhos, exigindo soluções que conciliem direitos individuais, bem-estar do animal e a harmonia da vida em coletividade.
Legalidade
A jurisprudência brasileira tem decidido contra cláusulas de proibições e restrições constantes nas convenções condominiais e regimentos internos impostos aos bichos de estimação, principalmente os que trazem de forma absoluta proibição à permanência de animais nas unidades autônomas, sendo consideradas abusivas.
Essa conduta de proibir simplesmente por proibir, sem qualquer base legal, continua gerando desavenças, pois, infelizmente, ainda são muitos os condôminos que se incomodam com a presença de animais.
Os condomínios não devem ir contra o direito do indivíduo de conviver com seus pets, porém, a convivência harmônica exige atualização e ajustes nas normas internas de modo que se torne justa para todos os moradores e desde que não contrarie o estabelecido por lei.
Limites
Nesse sentido, a Constituição Federal, assim como o Código Civil, além de trazerem como garantia o direito de propriedade, impõem aos moradores o dever de usar a sua unidade de forma a não prejudicar os demais condôminos, bem como limitações pelo direito de vizinhança.
Não poder proibir, entretanto, não significa permitir sem limites. Desse modo, o mau uso da propriedade em detrimento da saúde, do sossego e da segurança dos demais condôminos, extrapolando o limite do tolerável, subordinará o direito de propriedade às relações de vizinhança, assegurando o estabelecido no artigo 1.277 do Código Civil: "o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha".
Equilíbrio
Por fim, os animais têm o direito de permanecer e viver nos condomínios, porém, as pessoas que ali residem precisam se enquadrar e respeitar as regras estabelecidas. O desafio está no equilíbrio, em políticas baseadas no diálogo, na mediação, no respeito mútuo e em uma gestão eficaz, como pontos fundamentais para mitigar conflitos e garantir uma convivência equilibrada.
A família atual com "patas, pelos e penas" não é apenas uma realidade afetiva, é o reflexo da sociedade, demandando, portanto, novas soluções para a vida em condomínio.
Elana Beserra de Lima, associada do Imobi por Elas e do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário, advogada especialista em Direito Civil, Imobiliário, Processo Civil, Consumidor e Educação, além de ser presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Condominial da OAB/CG.