Jorge Jatobá: Bolsa-Família e Mercado de Trabalho
Para aumentar as chances de saída do Bolsa-Família e de inserção produtiva dos beneficiários é importante desenhar programas de qualificação .

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O Programa Bolsa-Família (BF) destina-se a reduzir a pobreza e as desigualdades de renda. Foi bem desenhado, tendo, por essa razão, se tornado referência internacional, mas como qualquer politica exige monitoramento permanente para que seja eficiente e eficaz.
A família deve ter uma renda mensal per capita de até R$ 218, estar inscrita no Cadastro Único e atender condicionalidades nas áreas de saúde e educação para se habilitar e permanecer no programa. Qual é o impacto do BF sobre o mercado de trabalho?
Estímulo
Empresários reclamam que não conseguem empregar pessoas porque elas se recusam a assumir um posto de trabalho formal vez que perderiam os benefícios do programa: o básico, os da primeira infância e os que variam com a composição das famílias.
Todavia, o programa foi, recentemente, aperfeiçoado com a introdução da Regra de Proteção que permite às famílias beneficiarias continuarem no programa por até dois anos após conseguirem um emprego com carteira assinada, o que incentiva a formalização do trabalho. Esse mecanismo, portanto, propicia um estímulo correto que deve reduzir os custos de transição do beneficiário para se inserir no mercado de trabalho.
Há várias razões, já analisadas em artigo anterior publicado neste JC, que explicam porque as pessoas não desejam uma ocupação com carteira assinada, preferindo trabalhar por conta-própria ou ficar inativa. Ser beneficiário do Bolsa-família pode ser apenas uma delas como argumento no artigo citado.
Consumo
O Programa tem impactos macroeconômicos importantes. São cerca de 21 milhões de famílias com um orçamento de R$ 14,2 bilhões de reais (dados de 2024). Esses recursos ao aumentarem a renda das famílias estimulam os gastos de consumo com efeitos multiplicadores sobre o sistema econômico, materializados em mais empregos e renda.
O consumo das famílias pela ótica da demanda agregada impulsiona o crescimento econômico. Dessa forma os efeitos indiretos do programa conduzem à geração de mais empregos e rendas, formais e informais, na economia. Há que se distinguir, portanto, entre impactos diretos sobre os beneficiários e indiretos sobre o nível de atividade econômica.
Do ponto de vista microeconômico e sob a ótica do beneficiário, quanto menor a diferença entre o conjunto de benefícios, que variam segundo a composição familiar, e o salário-mínimo, maior é o incentivo para a pessoa permanecer no programa e vice-versa.
No entanto, como não tem sentido aumentar essa diferença pela redução do valor dos benefícios, pode-se elevar o seu valor ou se buscar alternativas que capacitem os beneficiários para se desligar do BF, aumentando as suas possibilidades de inserção produtiva.
Qualificação
Para aumentar as chances de saída do Bolsa-Família e de inserção produtiva dos beneficiários é importante desenhar programas de qualificação profissional e de formação e financiamento de microempreendedores, por meio de microcrédito, em parceria com bancos e cooperativas. Essas iniciativas já estão sendo adotadas pelo governo com previsão de R$ 1,5 bilhão até o final deste ano.
Muitos dos beneficiários, todavia, estão fora da força de trabalho, na chamada população não economicamente ativa, especialmente mulheres, pretas e pardas, chefes-de-família.
Portanto, estes programas precisam incentivar os beneficiários que estão em idade ativa (acima de 14 anos) e que precisam se inserir em atividades produtivas, seja via mercado de trabalho, seja por meio do empreendedorismo de pequena escala.
Desenvolvimento regional
Dados recentes mostraram que o número de beneficiários do Bolsa-Família em alguns estados como Maranhão e Bahia é maior do que o número de pessoas com carteira assinada. Isso não se aplica a todos os estados do Nordeste. Pernambuco, por exemplo, é uma exceção. Nos estados mais prósperos do país, o número de empregados formais é muito superior ao de beneficiários do Bolsa-Família.
Na verdade, essa diferença, positiva ou negativa, varia diretamente com o nível de desenvolvimento regional: a diferença entre trabalhadores formais e beneficiários do BF é tanto maior quanto mais desenvolvido for o estado pela razão óbvia de que o programa foi desenhado para atender aos mais pobres e, estes, estão concentrados nas regiões menos desenvolvidas do país, especialmente no Nordeste.
A despeito de suas eventuais imperfeições, o Bolsa-Família é um programa exemplar, tendo mudado o dinamismo econômico e social nos territórios mais pobres do país.
Jorge Jatobá, doutor em Economia, professor titular da UFPE, ex-Secretário da Fazenda de Pernambuco, presidente do Conselho de Honra do LIDE-PE, sócio da CEPLAN-Consultoria Econômica e Planejamento