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Roberto Pereira: 'Entre linhas e ruas, a jornada imersiva do leitor-viajante'

Cultura e turismo estão imbrincados num binômio de várias facetas. Primeiro, porque a cultura é um painel de muitos azulejos. Leia artigo completo

Por ROBERTO PEREIRA Publicado em 02/08/2025 às 10:22 | Atualizado em 02/08/2025 às 10:27

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Cultura e turismo estão imbrincados num binômio de várias facetas. Primeiro, porque a cultura é um painel de muitos azulejos.

Depois, o viajante, além do fascínio, que a natureza suscita, desperta o seu sentimento para a cultura, inclusive como interação com os costumes do lugar visitado, um interesse àqueles que andam os quadrantes do mundo.

Também se viaja através do pensamento. Mais e mais através de textos que conduzem o leitor a se imaginar fora da sua morada, idealizando paisagens, arte e cultura, como apetrechos ao cometimento espiritual.

Vem de tempos remotos publicações cujas viagens são narradas, por exemplo, por Gulliver, por Marco Polo, e depois, n´Os Lusíadas, por Camões, além de outros poemas épicos, como o caso de Odisseia, de Homero.

O turismo literário, assim chamado, é uma modalidade cultural que enseja ao viajante vivenciar locais relacionados a obras de ficção, a seus personagens e a vida dos autores. Este tipo de experiência promove uma conexão direta da literatura com os cenários que inspiraram narrativas memoráveis, transportando os visitantes para os universos criados pelos escritores.

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Conforme Adriana Santos Brito, doutora em Turismo pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, mais do que um simples passeio, o turismo literário é uma forma de vivenciar a literatura de maneira autêntica.

A especialista destaca também os museus e casas de escritores brasileiros. “Você pode visitar o Museu Casa de Jorge Amado, localizado na cidade de Ilhéus, a Casa de Clarice Lispector, no Recife, a Casa Museu de Cora Coralina, em Goiás, e a Casa Museu de Guimarães Rosa, em Minas Gerais. Também não podemos esquecer os eventos e festivais, como a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, que é um dos maiores eventos literários do Brasil, reunindo autores e leitores em um ambiente cultural que vibra as histórias de ficção”, sugere.

A Casa de Clarice Lispector – vale dizer – ainda aguarda as obras de restauro e uso do importante espaço.
Citar a Casa de Gilberto Freyre, onde está situada a Fundação que leva o nome do sociólogo-antropólogo, seria o factível, referindo-se também, por exemplo ao Museu Massangana, no Cabo de Santo Agostinho, onde o abolicionista e escritor Joaquim Nabuco passou os seus primeiros oito anos, considerados, por ele, os decisivos de sua vida, e, no Recife, na Rua da União, 263, Espaço Pasárgada, a Casa do avô de Manuel Bandeira, onde ele viveu, dos seus 6 aos 10 anos, momentos significativos da sua infância.

Pasárgada não é apenas espaço-físico, mas espaço-tempo em que aparece o Recife da infância do poeta, “andar de bicicleta, montar em burro brabo, subir no pau-de-sebo, tomar banhos de mar.”

O Espaço Pasárgada foi inaugurado no dia 19 de abril de 1986, data em que se comemorou o centenário de Bandeira, iniciativa da Fundarpe, ao tempo da minha gestão à frente daquela Instituição, uma sugestão dos escritores e poetas Audálio Alves e Fernando Araújo, que compunham a equipe da gestão fundarpeana.

Não há quem, chegando a Portugal, não ligue aquele país a Camões, a Fernando Pessoa e a Eça de Queiroz, para citar somente estes.

No Brasil, dentre tantos, podemos mencionar Machado de Assis, Gilberto Freyre e Jorge Amado, para nos restringirmos somente a essa tríade, quando ainda teríamos um ativo muito grande de ficcionistas, sobretudo de poetas. No poema Pregão Turístico do Recife, de João Cabral de Melo Neto, pode se ler numa de suas estrofes: “Na cidade propriamente/velhos sobrados esguios/apertam ombros calcários/de cada lado de um rio.”

ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO
Gilberto Freyre: escritor e sociólogo - ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO

O Guia Prático, Histórico e Sentimental da Cidade do Recife, de Gilberto Freyre, é um passeio pela capital pernambucana.

Nesta admirável obra, o leitor vagueia pelas ruas do Recife, quem sabe, à Edson Régis, quando exclamou: “Foi perdido no Recife que me achei.” Tem-se assim o que se pode chamar de leitor-turista, porque, pelas páginas desse livro instigante, sentimo-nos, a esmo, nas praças, andando os bons caminhos do Recife, cujas ruas muitas delas são poéticas, bastando lembrar a Rua da Aurora, da Saudade, do Sossego, da Amizade, da Harmonia etc.

As assombrações que pairavam sobre o Recife

E ainda, de Gilberto Freyre, está o Assombramento do Recife Velho, livro que traz as aparições que pairavam sobre o Recife de antigamente, onde se dizia existirem assombrações no secular Teatro de Santa Isabel e até no Palácio do Campo das Princesas, além das lendas da Perna Cabeluda, do Papa-Figo e do Boca-de-ouro – e outros do imaginário popular, livro que ensejou a Secretaria de Turismo do Recife a promover projetos por estes pontos ligados aos mal-assombrados contidos no texto de Freyre.

Quem não faz a interface entre Ilhéus e Jorge Amado? Este grande escritor baiano, nascido em Itabuna, passou grande parte de sua vida em Ilhéus, que foi cenário do livro Gabriela, Cravo e Canela, enfaticamente do romance vivenciado pelos personagens Gabriela e Nacib.

Lá existe o Bataclan, antigo cabaré, mas muito frequentado pelos protagonistas do seu livro, cuja proprietária, Antônia Machado, aparece na sua ficção com o nome de “Maria Machadão.”

Hoje, restaurado, além de aberto à visitação de turistas que têm a curiosidade de conhecer os costumes, o luxo, enfim, o glamour da época, onde nele funciona um espaço cultural e um restaurante. Aqui, o turista-leitor, que visita os pontos dos romances e depois vai ler para se identificar com o que viu.O ver e o ler na interação dos que descortinam a magia dos novos mundos ao mundo de quem viaja.

*Roberto Pereira , ex-secretário de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco e é membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo.

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