USAID financiou projetos sociais no Brasil e não a imprensa
Agência destinou recursos a projetos de saúde, educação e assistência social; acusação é referência a consórcio de veículos de imprensa criado em 2020

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Não há registro de nenhuma transferência de dinheiro da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, a USAID, para veículos de imprensa brasileiros.
Uma postagem no X engana ao afirmar que a USAID “pagou para a imprensa aumentar os números de mortes” de covid-19 no Brasil.
A acusação é uma referência ao consórcio de veículos de imprensa criado em 2020 para divulgar os dados da pandemia no país, mas ela não se sustenta.
A coleta de dados era feita diretamente com as secretarias de saúde estaduais e os números batem com o que foi divulgado pelo governo federal.
A publicação desinforma ao dizer que a USAID buscava “estigmatizar [o ex-presidente Jair] Bolsonaro como responsável [pelas mortes por covid-19] só para influenciar nas eleições”, fazendo referência ao processo eleitoral brasileiro de 2022.
A criação do consórcio foi uma resposta a ações do governo de Jair Bolsonaro, hoje no PL.
Em 6 de junho de 2020, o Ministério da Saúde passou a divulgar apenas os dados de covid-19 referentes a novos casos e óbitos nas últimas 24 horas, retirando os totais acumulados e outros índices importantes.
Diante disso, dois dias depois, nasceu o Consórcio de Veículos de Imprensa, com a iniciativa de levantar e totalizar diariamente os números de casos e mortes coletados das secretarias estaduais de saúde, contornando a ausência de consolidação por parte do Ministério da Saúde.
O consórcio foi extinto em janeiro de 2023, após os dados federais terem se mostrado confiáveis.
No ano fiscal de 2022, que vai de 1º de outubro de 2021 a 30 de setembro de 2022, a USAID destinou ao Brasil mais de US$ 29,2 milhões em investimentos a projetos como o Fundo Amazônia e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Já no exercício seguinte, encerrado em setembro de 2023, foram destinados US$ 19,9 milhões a organizações que atuam no país.
O Comprova fez uma busca nos projetos da USAID e não encontrou nenhum registro que tenha relação com as denúncias feitas pelo perfil investigado.
Os recursos foram direcionados a projetos nas áreas de saúde, educação e assistência social.
Esses fundos podem ser acessados no site ForeignAssistance.gov.
O boato ganhou força pela primeira vez em 4 de fevereiro de 2025, após Mike Benz, ex-funcionário do Departamento de Estado dos Estados Unidos durante o primeiro mandato de Donald Trump, afirmar que “se a USAID não existisse, Bolsonaro ainda seria o presidente do Brasil”, em entrevista ao podcast War Room do estrategista político e ex-assessor de Donald Trump Steve Bannon.
Em 6 de agosto de 2025, Benz afirmou, em uma audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (Credn) da Câmara dos Deputados, que recursos teriam sido usados para atacar políticos de direita e favorecer a “censura nas redes sociais”.
O ex-funcionário, no entanto, não apresentou provas.
Não é a primeira vez que boatos da USAID circulam pela Internet. Em fevereiro, o Comprova mostrou que é falso que Agência Lupa foi financiada pela USAID para interferir nas eleições de 2022.
Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova?
A publicação investigada foi feita por um perfil no X com 27,8 mil seguidores, que se apresenta como “Pai de família, empreendedor, músico…”.
O conteúdo mantém o padrão de postagens anteriores do usuário, que costuma atacar figuras da esquerda, como a ministra Gleisi Hoffmann, a quem acusa de defender um “projeto explícito de censura”.
O perfil também é recorrente nas críticas ao ministro do STF Alexandre de Moraes.
Por outro lado, a página costuma compartilhar materiais de influenciadores alinhados à direita, como Rodrigo Constantino e a página Advogados de Direita Brasil.
Até o momento desta verificação, a publicação acumulava 79,5 mil visualizações, 8 mil curtidas, 2 mil republicações e 114 comentários.
Parte dessas interações indica que alguns usuários demonstram acreditar nas alegações feitas no post.
“Eu não estou nada surpreso. Pessoas informavam que tudo era covid, iam ao hospital com gripe e tinham diagnóstico de covid”, disse um usuário.
O Comprova tentou contato com o perfil, mas ele não permite o recebimento de mensagens privadas pela plataforma.
Por que as pessoas podem ter acreditado?
O autor da postagem apela para o sentimento de desconfiança de quem já suspeita das instituições ou da imprensa, ao sugerir que há uma conspiração secreta por parte de entidades poderosas e que informações importantes estão sendo ocultadas do público.
A publicação espalha a mensagem com ironia, criando uma dúvida em quem lê e oferecendo uma falsa impressão de que algo suspeito aconteceu.
Apesar de não apresentar evidências, as postagens possuem milhares de visualizações, curtidas e comentários, o que pode gerar a falsa percepção de credibilidade.
Fontes que consultamos
Reportagens sobre o tema, audiência pública da Câmara dos Deputados sobre a interferência da USAID no Brasil e dados sobre os investimentos públicos da USAID no Brasil.
Por que o Comprova investigou essa publicação?
O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento.
Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema
Sobre a USAID, o Comprova já mostrou que é falso que Agência Lupa foi financiada pela agência para interferir nas eleições de 2022 e que imagem de Alexandre de Moraes com boné do órgão foi gerada por IA.
- Notas da comunidade: Até o fechamento deste texto não havia “notas da comunidade” nas postagens no X.
A checagem foi publicada em 12 de agosto de 2025 pelo Comprova — coalizão formada por 42 veículos de comunicação que verifica conteúdos virais.
A investigação foi conduzida pelo Jornal do Commercio e Grupo Sinos, e o conteúdo também passou por verificação de Folha de S. Paulo, Agência Tatu, UOL e Estadão.