Metrô do Recife: Manifesto contra sucateamento e concessão do metrô denuncia descaso governamental e contradições políticas
Abandono e indefinição sobre o futuro do metrô, à beira do colapso, provoca novo manifesto dos metroviários, com apoio da sociedade organizada

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Funcionários da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), com o apoio de entidades da sociedade civil organizada e instituições públicas, lançaram um manifesto contundente contra a privatização da Superintendência de Trens Urbanos do Recife (STU-REC), que gerencia o Metrô do Recife. O documento acusa os governos federal e estadual de omissão e descaso deliberado, alegando que o sucateamento do serviço é uma estratégia para justificar sua entrega à iniciativa privada.
O Metrô do Recife é classificado no manifesto como um serviço essencial, estratégico e de forte impacto social, além de ser um patrimônio público construído e mantido com recursos da população e o esforço de trabalhadores. A concessão pública é vista como um "profundo retrocesso" e um "ataque direto ao direito à mobilidade urbana".
É o segundo manifesto produzido por metroviários - em maio de 2022, engenheiros fizeram um alerta - e provocado pelas dificuldades financeiras do sistema metropolitano, que está à beira de um colapso. A ausência de investimentos e o corte médio de 50% do orçamento de custeio, situação vivenciada há pelo menos dez anos, tem comprometido a operação básica e, o que mais importa, a segurança operacional do metrô.
Os metroviários estão, de fato, assustados e na iminência de suspender parcialmente a operação do sistema, que desde setembro de 2024 já deixou de operar aos domingos, sob a desculpa oficial de que é para realizar manutenção e troca de trilhos. A paralisação da Linha Sul, por exemplo, é uma das possibilidades temidas.
“Nosso manifesto é um grito de alerta porque o Metrô do Recife precisa ser preservado e, não, entregue à gestão privada. Tem um caráter de denúncia, sim, mas também de cobrança por investimento. Os governos precisam lembrar que o transporte público é um direito constitucional. Não podemos continuar nessa indefinição sobre a situação do sistema, que está sendo sucateado para ser privatizado”, alerta o metroviário Israel Filho, maquinista do metrô.
“O objetivo é provocar o governo do Estado a se manifestar e não aceitar a concessão pública do metrô porque ele é um dos atores do processo. Sabemos dos entraves com o governo federal devido aos valores de contrapartida e recomposição do sistema e, por isso, queremos que o governo de Pernambuco não aceite a concessão”, reforça.
CONTRADIÇÃO DO GOVERNO FEDERAL E DESCASO HISTÓRICO
O manifesto destaca uma contradição na postura do governo federal. Alega que, durante a campanha presidencial de 2022, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva criticou a privatização da CBTU em Belo Horizonte, realizada pelo governo Bolsonaro, chamando-a de parte de um projeto de desmonte do Estado.
“No entanto, em 2025, o mesmo presidente que se apresentou como defensor do patrimônio público repete a política que antes condenava ao apoiar a privatização do Metrô do Recife”. Essa decisão, segundo o manifesto, rompe com o discurso de campanha do petista, alinha-se à agenda privatista de Paulo Guedes (ex-ministro do governo Jair Bolsonaro - PL) e endossa o projeto neoliberal da governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSD).
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A confiança de milhões de brasileiros que votaram por um governo comprometido com os direitos sociais e o fortalecimento do serviço público estaria sendo ferida por essa atitude, alegam os metroviários. Os signatários afirmam categoricamente que não há justificativa técnica, moral ou política para sustentar a privatização do metrô, e que a decisão reflete uma escolha de governar contra o povo.
O manifesto aponta que o governo federal negligenciou, por mais de uma década, os aportes financeiros solicitados pela CBTU para a manutenção e modernização do sistema. Agora, após a proposta de concessão à iniciativa privada, são prometidos mais de R$ 2 bilhões em investimentos. Os funcionários argumentam que esses recursos não seriam necessários caso o Estado tivesse cumprido, ao longo dos anos, sua responsabilidade com a operação pública do metrô. Essa contradição sugere que se opta por deixar o sistema colapsar para, então, repassá-lo ao mercado com dinheiro público.
MANIFESTO DESTACA A FORÇA QUE O METRÔ JÁ TEVE E A IMPORTÂNCIA QUE AINDA TEM
O manifesto também lembra que o sistema de trens urbanos do Recife, mesmo após anos de abandono, transporta mais de 130 mil passageiros por dia útil e já chegou a atender quase 400 mil diariamente em 2015. E que opera em quatro municípios da Região Metropolitana do Recife – Recife, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe e Cabo de Santo Agostinho – e é integrado à rede de ônibus, permitindo deslocamentos intermunicipais com uma única tarifa.
O metrô também é caracterizado como um sistema de transporte de massa de alta capacidade e forte impacto social, cujo financiamento não deveria depender da rentabilidade econômica, mas de uma política pública sólida.
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Entregá-lo ao setor privado, segundo o manifesto, significará condenar a população a tarifas mais altas, cortes de trajetos e exclusão de regiões que não sejam financeiramente lucrativas. O documento ressalta a raridade e a importância desses sistemas, com apenas cerca de 180 cidades no mundo possuindo metrôs e menos de 0,15% dos municípios brasileiros.
“Tais sistemas, como o do Recife, exigem infraestrutura complexa, operação especializada e financiamento público contínuo, devendo ser tratados como política de Estado, não como ativo negociável no mercado".
SUCATEAMENTO DELIBERADO E OMISSÃO ESTADUAL
Desde 2015, a redução sistemática de investimentos em custeio e infraestrutura tem comprometido o funcionamento do metrô. A frota perdeu mais de 40% de sua capacidade operante, estações estão deterioradas, escadas rolantes e elevadores inoperantes, trilhos com falhas sucessivas e a rede aérea obsoleta causa constantes problemas.
O manifesto denuncia que esse sucateamento não é fruto do acaso, mas sim uma "estratégia deliberada para fragilizar o serviço e justificar sua concessão à iniciativa privada, sob o falso argumento de que o modelo público não funciona". A ideia seria abandonar o metrô para depois apresentá-lo como inviável, criando as condições para sua privatização.
Ainda sobre a omissão governamental, o manifesto critica o governo do estado de Pernambuco que, além de apoiar politicamente a concessão, "evita qualquer discussão sobre o repasse da dívida superior a 100 milhões de reais" que possui com a CBTU, acumulada pela utilização dos cartões VEM no sistema. Essa inadimplência "contribui diretamente para o desequilíbrio financeiro da operação e escancara o descompromisso com o transporte público de qualidade".
A EXPERIÊNCIA DE OUTRAS PRIVATIZAÇÕES E AS CONSEQUÊNCIAS
O manifesto ainda alerta para exemplos negativos de privatizações em outras cidades brasileiras, citando exemplos em Minas Gerais e no Rio de Janeiro.
“A CBTU Belo Horizonte, após a concessão, reajustou sua tarifa de R$ 4,50 para R$ 5,80, tornando-se uma das passagens mais caras do País. E a Supervia, no Rio de Janeiro, teve anos de gestão privada marcada por degradação, falhas constantes e aumentos tarifários, sendo agora devolvida ao governo estadual com a malha praticamente inviabilizada", diz o manifesto.
Para o Metrô do Recife, a proposta de privatização seguiria o mesmo roteiro - diz o manifesto -, o que implicará em aumento da tarifa, exclusão de milhares de usuários e abandono de ramais não lucrativos, como os VLTs entre Cajueiro Seco e Curado, e entre Cajueiro Seco e Cabo.
“Prevê-se também a precarização das condições de trabalho, eliminação de quadros técnicos especializados e o colapso do papel integrador e social do metrô". O manifesto conclui que o Metrô do Recife necessita, antes de tudo, de investimentos públicos consistentes.
INVESTIMENTOS SÃO PARA ONTEM
Manifesto em Defesa da CBTU 2025 by Roberta Soares
Os metroviários seguem afirmando que a recuperação do sistema exige a substituição imediata de trens e VLTs antigos, a renovação da via permanente, a modernização da rede elétrica, sinalização e sistemas de controle, além da reforma de estações e oficinas e a valorização do corpo técnico da CBTU.
“Todas essas ações são consideradas possíveis com financiamento público direto, como historicamente sempre ocorreu, por meio de programas federais de mobilidade urbana e infraestrutura”, consta no manifesto.
O documento encerra com uma reafirmação clara: "Não à privatização do Metrô do Recife. Sim a um metrô público, moderno e acessível. Sim ao fortalecimento da CBTU como empresa pública federal. Sim a um Estado presente, responsável e coerente com os compromissos assumidos com o povo brasileiro".
CBTU ALERTOU GOVERNO FEDERAL SOBRE RISCO DE PARALISAÇÃO
O alerta sobre o iminente colapso já foi feito, inclusive, oficialmente, pela própria CBTU ao Ministério das Cidades. A Coluna Mobilidade teve acesso a um documento que a CBTU havia emitido ao Ministério das Cidades, assinado pelo diretor-presidente José Marques em 28 de abril, expressando profunda apreensão com a falta de recursos no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025.
O documento previa um fechamento total dos quatro sistemas ainda operados pela Companhia – incluindo o Metrô do Recife, que atende 160 mil pessoas diariamente no Grande Recife, além dos sistemas de João Pessoa (PB), Natal (RN) e Maceió (AL) – até o final de agosto de 2025, com o protocolo de paralisação iniciando já em julho de 2025.
No documento, a CBTU alertava que tem recebido recursos insuficientes para suas necessidades de custeio operacional e de investimentos. O custeio, que se refere às despesas básicas de operação sem incluir investimentos e pagamento de folha de pessoal, vinha sendo severamente impactado.
Essas restrições já teriam resultado em prejuízos a componentes essenciais, como sistemas fixos, materiais rodantes, super e supraestrutura (a parte visível da estrutura acima do solo), via permanente e estações. Além disso, houve redução do estoque de peças para reposição, sucateamento de equipamentos e uma diminuição anual de contratos essenciais.
E que o cenário para 2025 era considerado ainda mais crítico: enquanto em 2024 o orçamento de custeio liberado e executado foi de R$ 216 milhões, o aprovado para 2025 era de apenas R$ 165 milhões. A Companhia estimava que a necessidade real para garantir o funcionamento operacional mínimo até dezembro de 2025, considerando reajustes e repactuações de contratos contínuos, seria de aproximadamente R$ 260 milhões.
Dias depois, a CBTU afirmou que o Ministério das Cidades estaria conduzindo as tratativas necessárias junto às instâncias superiores competentes para a recomposição do orçamento da CBTU para 2025.