Por que o trabalhador recebe pouco enquanto a empresa paga muito? Entenda o custo do emprego no Brasil
Os números agregados escondem uma realidade em que o Brasil convive com desafios para gerar emprego com carteira assinada
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No mês de julho, o Brasil registrou um saldo positivo de 129.775 na geração de novos postos de trabalho com carteira assinada, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do Ministério do Trabalho. O número é um exercício aritmético do governo, que subtrai dos 2.251.440 admitidos os 2.121.665 desligados. No acumulado de janeiro a julho, foram 1.347.807 novos vínculos formais.
Uma outra pesquisa, a PNAD Contínua do IBGE, revela que a taxa de desocupação (5,8%) no trimestre encerrado em junho de 2025 foi a menor da série histórica iniciada em 2012, e que o número de empregados no setor privado chegou a 52,6 milhões, sendo 39 milhões quando se excluem os trabalhadores domésticos. Ainda segundo o IBGE, a população ocupada chegou a 102,3 milhões, um recorde da série histórica medida pelo instituto.
Carteira assinada
Os números agregados escondem uma realidade em que o Brasil convive com desafios para gerar emprego com carteira assinada. O que significa ter o trabalhador dentro do sistema de proteção legal e contribuindo para a Previdência Social, que lhe assegura uma aposentadoria mínima ao final da vida laboral, é também o custo para uma empresa privada contratá-lo formalmente.
Isso porque o “custo do emprego” no Brasil abrange, além do salário, os encargos sobre ele, que incluem benefícios sociais e impostos. E isso significa dizer que o custo total para o empregador pode variar bastante — para cima.
O salário final
De forma simplificada, pode-se dizer que o valor que o empregado recebe diretamente pelo trabalho — o salário — corresponde ao que ele leva para casa após os descontos de Imposto de Renda, INSS, além de sua participação em benefícios subsidiados pelo governo, como o transporte, e concedidos pela empresa, como o plano de saúde para ele e sua família.
Para a empresa, entretanto, significa arcar não apenas com impostos, mas também com uma série de contribuições e benefícios, como o 13º salário, que aumentam o custo da contratação e que também compõem a remuneração do trabalhador.
Contribuição patronal
A conta para os lados não é tão simples. Para a empresa, a conta começa com o pagamento do INSS Patronal, que é a contribuição previdenciária que as empresas (empregadores) devem pagar ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para garantir os direitos previdenciários de seus empregados.
Ela é calculada sobre a folha de pagamento da empresa, visando financiar a seguridade social — ou seja, benefícios como aposentadoria, auxílio-doença, salário-maternidade, entre outros. É uma obrigação legal que visa garantir a saúde, a previdência e a assistência social dos trabalhadores. E é aí que começam os problemas.
Porque ela incide em 20% sobre a folha de pagamento. Vale para todos os regimes tributários (empresas excluídas do Simples Nacional, Lucro Real e Lucro Presumido). Apenas para as empresas MEI, que podem contratar um empregado, a alíquota é de 3%. No mercado, existe um grupo de empresas que está autorizado a calcular essa contribuição pelo total do faturamento.
O problema é que, além do INSS, do Imposto de Renda e dos benefícios concedidos, o trabalhador leva menos dinheiro para casa na medida em que seu salário cresce. O INSS vai de 7,5% — se ele ganha um salário mínimo (R$ 1.518,00) — até 14%, para quem recebe entre R$ 4.190,84 e R$ 8.157,41, com dedução de R$ 190,40. Para quem ganha entre R$ 2.793,89 e R$ 4.190,83, a alíquota é de 12%, com dedução de R$ 106,59.
Imposto de Renda
Depois, vem o Imposto de Renda, que é isento até R$ 2.259,20 e começa com 7,5% (R$ 169,44) para quem ganha até R$ 2.826,65, chegando a 27,5% (R$ 896,00) para quem recebe acima de R$ 4.664,68.
Os empregados podem levar mais dinheiro para casa se, por exemplo, estiverem em um número crescente de empresas que decidiram deixar de descontar os benefícios participativos, como o plano de saúde, assumindo a despesa integralmente, além do transporte. Também concedem vouchers de Auxílio-Alimentação e Refeição (no Programa de Alimentação do Trabalhador), o que, na prática, representa um aumento de renda indireta.
A isenção desses benefícios participativos é uma tendência crescente em regiões como Sul e Sudeste, onde o nível de desemprego caiu para menos de 3% e há escassez de mão de obra — como nos estados do Paraná (3,8%), Santa Catarina (2,2%) e Rio Grande do Sul (4,3%) —, sendo utilizada como forma de retenção de talentos. Mas essa prática não existe no Nordeste.
Entretanto, do outro lado, existe uma conta muito maior para todas as empresas: o custo dos encargos trabalhistas. Esses custos podem chegar a 102,06%, segundo cálculo do professor José Pastore, da Faculdade de Economia e Administração da USP, que formulou uma tabela que virou referência. Nela, incluiu, além dos 20% da contribuição patronal, os 8% do FGTS, o Salário-Educação (2,5%), o Seguro de Acidente de Trabalho (2%), as contribuições do Sistema S (Sesi, 1,5%; Senai, 1%; Sebrae, 0,6%) e uma contribuição de alguns setores para o Incra (0,2%). Esses custos acrescentam 35,80% às empresas.
Não trabalhado
Além deles, existem os custos do chamado Tempo Não Trabalhado, que são formados pelo pagamento do repouso semanal (18,91%), férias (9,45%), feriados (4,36%), abono de férias (3,46%), aviso prévio (1,32%) e auxílio-enfermidade (0,55%), somando mais 38,23% para cada real de salário pago ao empregado.
Existe ainda outro custo relacionado ao Tempo Não Trabalhado: o 13º salário (10,91%) e a provisão para despesa de rescisão contratual (2,57%), que acrescentam 13,48% à conta de despesa com o trabalhador.
Mais de 100%
E a repercussão desses itens na conta final do empregador, que José Pastore calculou em 13,68%. Eles são relativos às Obrigações Sociais e ao Tempo Não Trabalhado (13,68%), além da incidência do FGTS sobre o 13º salário, que acrescenta mais 0,87%, chegando ao valor conhecido de 102,06%, que é o que uma empresa é obrigada a pagar quando registra a carteira de um trabalhador no Brasil.
Essa conta talvez explique por que o Brasil enfrenta hoje dois problemas graves na hora de contratar um empregado formalmente: o baixo salário pago ao trabalhador iniciante ou de baixa qualificação.
Salário baixo
Segundo o Caged de julho, dos 129.775 postos de trabalho com carteira assinada no mês, 119.840 pagavam até 1,5 salário mínimo (R$ 2.277,00). Nas faixas de renda mais altas, que somaram 21.308, não houve nenhuma contratação no mês.
O Caged expõe outra situação: as novas contratações foram de trabalhadores com ensino médio completo (102.417 pessoas) e ensino superior incompleto (4.110 pessoas). No mês de julho, não houve novas contratações de profissionais com ensino superior completo — ao contrário, foram registradas 5.500 demissões.
O problema MEI
A esse quadro se soma uma outra situação perigosa para a Previdência: a explosão dos Microempreendedores Individuais (MEI), empresas que limitam o faturamento anual em R$81 mil por ano. O crescimento do MEI é um sucesso. O Brasil registrou, entre janeiro e maio deste ano, a abertura de 2,21 milhões de novos pequenos negócios.
Um crescimento de 77,4% das aberturas de empresas nos cinco primeiros meses do ano, seguido pelas microempresas (18,5%) e pelas empresas de pequeno porte (4%).
Empreendedorismo
O MEI funciona como uma porta para o empreendedorismo. Mas, para a Previdência Social, representa a contratação de um problema futuro, pois paga apenas R$ 75,90 de INSS (5% do valor do salário mínimo de R$ 1.518,00). Muito abaixo, por exemplo, da contribuição do autônomo, que pode chegar a até R$ 1.631,48 (20% de R$ 8.157,41, que é o teto do INSS atualmente).
O problema dessa combinação, aparentemente boa para o governo, é que ela é importante para o país, que precisa gerar mais emprego e renda, embora esteja apartada da realidade das empresas.
No fundo, uma economia que gera empregos formais que pagam até um salário mínimo e meio não tem força para crescer muito. E, mesmo com o sucesso do MEI, o máximo que esse trabalhador que adquire um CNPJ pode alcançar é uma receita de R$ 81 mil por ano, o que o limita a um faturamento bruto de R$ 6.750,00 por mês.
Pouca remuneração
Ou seja: estamos gerando empregos de baixa remuneração. Ajuda na taxa de ocupação e estimula o empreendedorismo, mas não faz a economia crescer por força do trabalho e da melhoria da renda do trabalhador.
Esse baixo custo para geração de um emprego levou o professor Stephen Kanitz, também pesquisador da área de emprego, a formular um estudo sobre o custo de gerar um emprego no Brasil. Ele mediu o investimento de uma empresa no setor e chegou a um número bem curioso.
No Brasil, a média de geração de um único emprego, nas 500 maiores que oferecem os salários que desejamos para toda a população, custa R$ 800 mil. No setor têxtil, é mais barato: aproximadamente R$ 65 mil. Já no setor de energia, esse valor chega a R$ 6,2 milhões, o que quer dizer muito capital necessário.
Indústria Têxtil
Pelas contas do economista, depois da indústria têxtil a régua sobe muito. No setor de Varejo é R$124 mil, No de Saúde, R$161 mil. No setor de eletroeletrônicos R$212 mil e na Indústria Digital, R$231 mil. A partir daí, o valor mínimo é de R$309 mil (Comunicações) passando pelo setor de Transporte R$769 mil e Atacado com R$804 mil e subindo até chegar nos R$6,2 milhões do setor elétrico.
Para Kanitz não será uma redução de juros que fará o Brasil crescer nem subsídios, e sim conseguir gerar um ambiente econômico que estimule a população a poupar e investir, inclusive na Bolsa.
Campeão de impostos
Para a pequena e média empresa esse quadro é desafiador porque a conta não pode ser limitada apenas ao salário que considera somente a remuneração auferida no tempo efetivamente trabalhado.
Para José Pastore, o Brasil “tem sido considerado o campeão de impostos e de encargos sociais”. No fundo, esclarece o professor, “o Brasil é um país de encargos altos e salários baixos. O que faz o trabalhador receber pouco e custar muito para a empresa.