TIC Educação 2024: uso de IA cresce entre estudantes, mas ainda faltam orientação pedagógica e investimentos em formação

Apenas 19% dos estudantes afirmaram ter recebido orientação sobre o uso de IA generativa, como ChatGPT, nos três meses anteriores à pesquisa

Por Mirella Araújo Publicado em 16/09/2025 às 13:08 | Atualizado em 16/09/2025 às 13:15

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Sete em cada dez estudantes brasileiros do Ensino Médio, usuários da internet, já recorrem a ferramentas de inteligência artificial generativa — como ChatGPT, Copilot e Gemini — para realizar pesquisas e tarefas escolares.

Os dados são da 15ª edição da TIC Educação, pesquisa do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br).

O levantamento, lançado nesta terça-feira (16) pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), mostra que apenas 32% dizem ter recebido orientação nas escolas sobre como utilizar essas tecnologias.

Ainda que em menor escala, o uso de IA generativa também aparece entre alunos dos anos iniciais (15%) e finais (39%) do Ensino Fundamental. Considerando o conjunto de estudantes usuários de internet dos ensinos Fundamental e Médio, a proporção atinge 37%. Entre eles, apenas 19% afirmam ter sido instruídos por professores sobre como aplicar a tecnologia em atividades de aprendizagem.

"A escola é um ambiente fundamental para que a criança interaja com as tecnologias, a partir de uma orientação dada pelo ambiente escolar, pelos professores. Mas também é fundamental compreender como essa tecnologia está sendo incorporada no processo de ensino-aprendizagem", afirmou Renata Mielli, coordenadora do CGI.br.

Apesar de a pesquisa não conseguir captar o movimento decorrente da Lei 15.100/2025, que proibiu o uso de celulares durante as aulas, recreios ou intervalos em todo o ensino básico — em vigor desde 13 de janeiro de 2025 —, os indicadores da TIC Educação mostram que restrições ao uso de dispositivos eletrônicos já vinham sendo implementadas no ambiente escolar antes mesmo dessa legislação federal.

"Compreender esse movimento é muito importante, para que possamos avaliar posteriormente o impacto da redução do uso do celular dentro do ambiente escolar. E também a questão da adoção da inteligência artificial", disse Renata Mielli.

"Se nós pensarmos que essa pesquisa representa o universo de 2024, e lembrarmos que a disponibilização dessas IAs teve um boom maior em 2023, percebemos que foi um curtíssimo espaço de tempo — o que pode trazer alertas importantes para os processos de ensino-aprendizagem no ambiente escolar. É um ambiente que precisa incorporar essas ferramentas, mas de forma crítica, responsável e orientada", completou.

Uso de tecnologias digitais na aprendizagem 

A pesquisa TIC Educação 2024 revela que estudantes brasileiros, tanto do Ensino Fundamental quanto do Ensino Médio, fazem uso intensivo de tecnologias digitais — como plataformas educacionais e sites na internet — para apoiar seus estudos fora da sala de aula.

Segundo os dados, 86% dos alunos recorrem à internet para buscar informações sobre uma matéria ou exercício que não entenderam bem, 84% pesquisam para realizar trabalhos escolares e 78% utilizam aplicações digitais para praticar conteúdos que estão aprendendo.

Além disso, muitos estudantes utilizam esses recursos para cumprir tarefas solicitadas pelos professores ou para aprofundar temas de interesse pessoal.

Pela primeira vez, a pesquisa investigou quais recursos digitais são mais utilizados pelos alunos na realização de pesquisas escolares. O levantamento aponta que: 74% recorrem a sites de busca, como Google e Bing; 72% utilizam canais e aplicativos de vídeo, como YouTube e TikTok, como fontes de informação.

"A edição 2024 da pesquisa revela um cenário de transformações aceleradas. Vemos que a IA generativa já é uma realidade para mais de dois terços dos alunos do Ensino Médio, mas essa adoção ainda carece de mediação pedagógica estruturada para o uso crítico. Ao mesmo tempo, os dados mostram uma mudança no comportamento de busca por informação para realizar trabalhos escolares, com as plataformas de vídeo se tornando fontes de pesquisa tão relevantes para os alunos quanto os buscadores tradicionais”, ponderou Alexandre Barbosa, gerente do Cetic.br | NIC.br.

Orientação sobre uso de IA e educação digital ainda é limitada nas escolas

"Um ponto bastante importante que merece reflexão vai além do uso que os estudantes estão fazendo: é preciso saber se eles estão recebendo algum tipo de orientação. Se esse uso é mediado de alguma forma, porque é fundamental que os estudantes tenham acesso às tecnologias, mas de forma segura, crítica e consciente", afirmou Daniela Costa, coordenadora da pesquisa TIC Educação no Cetic.br/NIC.br.

Em relação ao uso de ferramentas de inteligência artificial generativa, como ChatGPT, Copilot ou Gemini, apenas 19% dos estudantes disseram ter recebido alguma orientação nos três meses anteriores à pesquisa.

Outros temas relevantes ligados à educação digital também têm baixo índice de mediação pedagógica.  Apenas 47% dos alunos afirmaram ter recebido orientação sobre como verificar se uma informação ou notícia na internet é verdadeira; E somente 35% disseram ter sido instruídos a comparar informações em diferentes sites.

"Temos o avanço das tecnologias, mas, ao mesmo tempo, a necessidade de maior intensidade na educação digital, especialmente nas escolas", concluiu Daniela Costa.

Formação de Professores em Tecnologia ainda É insuficiente e desigual

Nos 12 meses anteriores ao levantamento, 54% dos professores realizaram, atividades de desenvolvimento profissional contínuo voltadas ao uso de tecnologias digitais nos processos de ensino e aprendizagem.

No entanto, esse percentual apresenta queda preocupante na rede municipal: passou de 62% em 2021 para apenas 43% em 2024, o que evidencia uma redução nos investimentos em formação docente nesse segmento.

Entre os professores que participaram de atividades de formação, 82% fizeram cursos voltados ao uso de plataformas, programas de computador ou aplicativos utilizados na criação de materiais didáticos. Além disso, 79% buscaram informações sobre como adaptar o uso das tecnologias digitais aos diferentes ritmos de aprendizagem dos estudantes.

Por outro lado, a participação em formações sobre temas considerados fundamentais ainda é menor: 69% tiveram acesso a conteúdos sobre o uso seguro das tecnologias, 68% participaram de atividades sobre educação midiática e uso crítico das mídias em sala de aula, e apenas 59% tiveram formação específica sobre o uso de inteligência artificial em contextos educacionais.

Um dado novo da TIC Educação 2024 diz respeito à efetividade dessas formações na prática docente. Entre os professores que participaram de algum tipo de capacitação, 67% afirmaram que a formação contribuiu para que conseguissem orientar melhor os alunos no uso das tecnologias digitais, tanto no planejamento de atividades quanto na promoção de um uso mais seguro, responsável e crítico. No entanto, o dado reforça a necessidade de atenção à qualidade das formações oferecidas.

Nesse contexto, destaca-se o papel das instituições da sociedade civil e das ONGs no apoio à formação docente. Em 2024, 20% dos professores indicaram ter participado dessas iniciativas, quase o dobro do registrado em 2022, quando o índice era de apenas 11%.

Quanto às fontes dessas formações, os dados mostram que 74% dos professores participaram de atividades gratuitas, como tutoriais ou videoaulas disponíveis na internet. Outros 72% realizaram formações promovidas por órgãos públicos, como as Secretarias de Educação. 

Desafios da educação digital e midiática nas escolas

Em relação à oferta de educação digital e midiática para os alunos, 89% dos coordenadores pedagógicos afirmam que a instituição onde atuam promoveu atividades sobre temas como cyberbullying, exposição na internet, integridade da informação, privacidade e uso de recursos baseados em inteligência artificial e algoritmos.

Entretanto, o principal desafio está em inserir essas temáticas nos conteúdos escolares de forma contínua e sistemática. De acordo com a pesquisa, 30% dos coordenadores afirmam que esses temas são abordados apenas quando surge uma necessidade ou dúvida por parte dos alunos. Já em 49% das instituições, as atividades relacionadas a esses tópicos são realizadas apenas uma ou duas vezes por ano.

“O conjunto desses dados aponta para mudanças significativas no ecossistema educacional, reforçando a urgência de se discutir não apenas o acesso, mas também como promover o uso crítico, seguro e criativo das tecnologias digitais para a aprendizagem, de forma a garantir o bem-estar e os direitos de crianças e adolescentes”, avaliou Alexandre Barbosa.

Sobre a pesquisa

Realizada desde 2010 pelo Cetic.br, a TIC Educação investiga o acesso, o uso e a apropriação das tecnologias de informação e comunicação (TIC) por alunos, professores, coordenadores pedagógicos e gestores de escolas de ensino Fundamental e Médio, em atividades de ensino e de aprendizagem e de gestão educacional.

Desde 2020, a pesquisa adota uma amostra ampliada que permite a produção de dados sobre escolas localizadas em áreas rurais e urbanas de forma unificada. De acordo com o desenho amostral da pesquisa, nas edições realizadas em anos pares, os dados são coletados presencialmente, por meio de entrevistas com alunos, professores, coordenadores pedagógicos e gestores escolares e, nas edições realizadas em anos ímpares, são entrevistados somente os gestores escolares, por meio de abordagem telefônica.

A edição 2024 da pesquisa TIC Educação foi realizada entre agosto de 2024 e março de 2025, em 1.023 escolas públicas (municipais, estaduais e federais) e particulares, localizadas em áreas urbanas e rurais, que possuíam turmas de Ensino Fundamental e Médio, com cobertura nacional.

As entrevistas foram realizadas presencialmente nas escolas por meio de abordagem face a face CAPI (do inglês Computer-Assisted Personal Interviewing).

Ao todo, foram realizadas 10.756 entrevistas, tendo sido coletados dados com 954 gestores escolares, 864 coordenadores pedagógicos, 1.462 professores e 7.476 alunos. Os resultados da TIC Educação, incluindo as tabelas de proporções, de totais e margens de erro, estão disponíveis em https://cetic.br/pt/pesquisa/educacao/.

 

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