JC Educação: Saúde mental na escola é responsabilidade coletiva e precisa estar no centro do debate

Rossandro Klinjey, Jaime Ribeiro, Gilson Monteiro e Cecília Cruz debateram os desafios da saúde mental nas escolas públicas e privadas

Por Mirella Araújo Publicado em 11/09/2025 às 17:16 | Atualizado em 11/09/2025 às 17:54

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Trazer para o debate questões relacionadas à saúde mental e o cuidado com o emocional no ambiente escolar — sob a perspectiva de que todos têm responsabilidade, incluindo escola, família e sociedade — foi o que norteou a terceira edição do JC Educação, realizada nesta quinta-feira (11), no Auditório Graça Araújo, na sede do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação.

Para se ter uma ideia, segundo o Ministério da Saúde, em um intervalo de 10 anos (2014-2024), os atendimentos relacionados a transtornos de ansiedade no SUS cresceram 1.575% entre crianças de 10 a 14 anos. Entre os adolescentes de 15 a 19 anos, o avanço foi ainda mais acentuado: mais de 3.300%, passando de 1.534 atendimentos, em 2014, para 53.514 no último ano. 

A saúde mental dos professores e servidores da Educação também apresentam índices elevados de ansiedade e estresse, em grande parte devido à sobrecarga de trabalho e à desvalorização da profissão.

Com o tema "Saúde Mental na Escola: Um Desafio Coletivo", Rossandro Klinjey, psicólogo e embaixador da Educa; Jaime Ribeiro, executivo da área de Educação e CEO da Educa; Gilson Monteiro, secretário de Educação de Pernambuco; e Cecília Cruz, secretária de Educação do Recife, discutiram os desafios enfrentados pelas escolas — tanto da rede pública quanto da rede privada — que precisam ser enfrentados de forma contínua, dentro e fora da sala de aula.

Há um entendimento de que, atualmente, a escola vai além de seus muros e vem sendo transformada não apenas pelo advento digital, mas também por uma série de mudanças sociais. No entanto, Jaime Ribeiro pontua que é necessário que esse espaço de conhecimento recupere sua autoridade pedagógica e a coragem de estabelecer limites, mesmo diante da pressão de famílias cada vez mais exigentes.

“A escola tem um raio de ação muito maior; ela não termina quando a sirene toca, indicando o fim das aulas e a saída dos alunos — talvez para as crianças, sim, mas para o diretor, para o professor, isso não acontece. A escola continua", afirmou Ribeiro.

"Na sociedade da hipervigilância, onde tudo viraliza, qualquer fala do diretor ou do professor pode virar meme, se espalhar e provocar grande tensão. A escola não tem o direito de descansar,  e isso tem provocado o esgotamento de professores e líderes escolares, simplesmente porque ela está aberta 24 horas por dia, na sua sala de aula mais complexa: o grupo de WhatsApp dos pais”, complementou.

O CEO da Educa destacou que, em muitos casos, as famílias esperam que a escola resolva situações que fazem parte do amadurecimento das crianças — como perder um jogo, não ser convidado para uma festa ou enfrentar frustrações no convívio social. Ele citou o caso de uma mãe que pediu à direção da escola que o filho fosse “ajudado” a marcar um gol nas aulas de Educação Física.

“Se a escola disser ‘sim’ para tudo, se ceder a todas as pressões, torna-se refém. E perde a chance de educar de verdade. A escola boa é a que sabe dizer ‘não’ — e explicar por que está dizendo”, reforçou.

Segundo ele, o “não” é também um instrumento de proteção. “O ‘não’ preserva a saúde mental dos professores, educa as crianças e fortalece a comunidade escolar. Quando uma escola é coerente com sua proposta pedagógica, mesmo que frustre expectativas, ela está ajudando a formar indivíduos mais resilientes”, explicou.

Em uma sociedade que valoriza o imediatismo e a experiência sem desconforto, a escola não pode se transformar em uma espécie de “Disney”, onde frustrações são evitadas a qualquer custo. “O ambiente escolar precisa oferecer repertório para que as crianças aprendam a lidar com a negatividade. Cair, levantar e seguir em frente é parte do processo de formação”, completou.

Para o especialista, recuperar o papel de educar por meio do limite é urgente: “Dizer ‘não’ é uma escolha pedagógica e também um ato de cuidado. Sem isso, não há formação integral — nem para os alunos, nem para os próprios educadores.”

 

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JC Educação, Saúde Mental na Escola. Rossandro Klinjey, Jaime Ribeiro, Cecilia Cruz, Gilson Moneiro, Mirella Araújo - JAILTON JR./JC IMAGEM

O que é uma escola com saúde mental?

Antes de entender o que é uma escola com saúde mental, é necessário reconhecer os sinais de adoecimento emocional, tanto dentro da escola quanto em seu entorno — nas relações, nas famílias e na sociedade. Rossandro Klinjey foi enfático: “Não existe cura sem diagnóstico”.

“No fundo, o que estamos fazendo aqui é dando um diagnóstico, e a gente pode fazer isso na família, na escola, na sociedade. Para onde formos, percebemos isso,  que a humanidade vive, muitas vezes, de forma descompensada, sem enfrentar a vida com capacidade, consciência e responsabilidade. Às vezes, com a incapacidade de reconhecer que não está dando conta", disse. 

A partir desse reconhecimento como ponto de partida, as escolas podem, de forma mais consciente, buscar recursos e estratégias para olhar o socioemocional com o papel que ele realmente deve ter. Para o embaixador da Educa,  esse olhar precisa ir além da transversalidade: o socioemocional precisa ter um espaço estruturado, claro e definido dentro da grade curricular, para que não fique apenas nas boas intenções da transversalidade. 

“O lugar do socioemocional é um processo que não pode escolher famílias. O educador também precisa ser cuidado. Cuidar de quem cuida é essencial. Durante muitos séculos, o foco esteve no professor; depois, virou completamente para o aluno. Mas o foco precisa estar na relação — na relação entre aluno e professor, entre professor e família, e em todas as conexões dentro do ambiente escolar".

Rossandro Klinjey reforçou que a escola tem um papel crucial na construção da saúde mental, mas não substitui a família.“Ela precisa convidar a família para essa parceria fundamental, para que possamos construir, de fato, uma sociedade funcional.”

Durante sua participação na terceira edição do JC Educação, Klinjey também fez uma análise profunda e provocadora sobre os desafios emocionais das novas gerações e o papel das famílias nesse contexto.

Ele criticou o comportamento recorrente em muitas famílias contemporâneas de tentar blindar os filhos de qualquer tipo de frustração ou sofrimento.

“Em que momento a família passou a acreditar que não sofrer era a melhor opção?”, questionou, ao relatar o caso de um pai que pediu anestesia para o filho antes de uma simples aplicação de vacina, apenas para evitar a dor da agulha.

Essa lógica nega o valor educativo da dor e do enfrentamento, componentes essenciais do amadurecimento humano. O excesso de proteção emocional pode gerar uma geração fragilizada, despreparada para lidar com a realidade da vida, com frustrações, perdas, limites e desafios inevitáveis.

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Rossandro Klinjey fala sobre abordagem socioemocional nas escolas durante o JC Educação - JAILTON JR/JC IMAGEM

Saúde mental começa na infância: escolas precisam agir desde cedo

Ainda existe, nas escolas, uma cultura de que o tema da saúde mental deve ser tratado principalmente com os adolescentes, quando, na verdade, esse cuidado precisa começar muito antes.

“É preciso trabalhar com os mais novos, de 6 a 10 anos, que têm capacidade e potencial para lidar com esse tema. E começar a introduzi-lo ainda na educação infantil, especialmente em parceria com as famílias e as redes de ensino”, afirmou a secretária de Educação do Recife, Cecília Cruz.

Além disso, todas as questões relacionadas a saúde mental precisam ser contextualizadas dentro das diversas realidades vivenciadas em cada unidade de ensino.

“A escola ainda é esse espaço de segurança. O que acontece ali pode transformar a vida do estudante, por isso, precisamos tratar dessas temáticas todos os dias, fortalecer habilidades socioemocionais e falar de saúde mental com intencionalidade”, disse.

Entre as iniciativas ofertadas na rede municipal de ensino, estão o Programa de Bem-Estar para Servidores, que oferece apoio psicológico e atividades como ioga e fisioterapia, e o Educação que Protege, que atua na prevenção do bullying, ciberbullying e da violência escolar, além de contar com psicólogos nas escolas para mediação de conflitos.

Cecília também destacou a importância do protagonismo estudantil e da criação de um ambiente que faça sentido para o aluno. Ela citou o exemplo de um estudante de 11 anos que propôs a criação de um clube de crochê para ajudar colegas a cuidar da saúde mental. “Esse protagonismo muda a escola, muda a relação entre eles e até com as famílias”, disse.

Saúde mental com foco na escuta e proximidade com as escolas

Com uma rede de ensino com 1.076 escolas, 38 mil professores e um universo de 45 a 50 mil servidores em geral da educação, o secretário de Educação de Pernambuco Gilson Monteiro, afirmou que o maior desafio da gestão é enxergar cada um desses atores e aproximar a secretaria das escolas.

“O primeiro ponto é entender os gerentes regionais, entender os gestores, para que esses possam entender mais os professores, chegar mais próximo deles e eles chegarem mais próximo dos estudantes”, afirmou.

O secretário da SEE citou o projeto Entrelaços, que tem como meta “até o final de outubro termos em toda a rede 1.200 profissionais em cada escola, junto com o agente social, para enxergar de fato cada estudante e cada professor”.

Os núcleos criados tem o intuito de permitir que o atendimento seja estendido, envolvendo gestores e buscando soluções para problemas nas unidades escolares. Por fim, o secretário ressaltou que a política pública precisa ser construída sem vaidade e com respeito às diferenças regionais.

“Eu não posso tratar o Sertão como trato a Região Metropolitana. As transformações são diferentes, os projetos são diferentes. O que a gente pensa é em gestão colaborativa, enxergar os movimentos, conversar com eles”, concluiu, defendendo que o objetivo maior é “humanizar o trabalho e enxergar cada estudante e cada professor em todas as localidades do estado”.

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